segunda-feira, 26 de julho de 2010

Como Assim, Cara Pálida???!!!

(ou “Narciso acha feio o que não é espelho.”)

Duas afirmações proferidas essa semana chamaram a atenção. Uma por ser completamente absurda, outra por ser por demais reveladora. Assim sendo, não posso me furtar a refletir sobre tão palpitante e atual assunto.













Se há um fato inegável em relação à história do Acre é o avanço e a diversificação que as pesquisas sobre os processos históricos regionais têm alcançado nos últimos anos. Uma rápida análise de nossa historiografia revela muito facilmente que antes e ao longo dos anos 70 e 80 um único tema praticamente dominava as pesquisas e a produção histórica regional: os acontecimentos relacionados aos Ciclos da Borracha e a chamada Revolução Acreana.
Os anos 80 e 90 assistiram, então, uma mudança radical deste cenário quando o principal eixo das pesquisas realizadas - especialmente a partir de dissertações e teses de pesquisadores da UFAC - passou a ser a luta que os seringueiros, índios, parte da burguesia urbana e outros segmentos da população acreana travaram contra a mudança do modelo de desenvolvimento regional do extrativismo para a pecuária.
Efetivamente, a realização dos empates, o fenômeno das invasões urbanas, o desmatamento acelerado, a crise do governo acreano que atingiu, em fins de 90, o auge de seu sucateamento e desmando, forneceu matéria prima rica e abundante para uma nova configuração historiográfica que não se restringiu apenas às novas temáticas, mas, especialmente, levou à adoção de novos métodos e abordagens teóricas. Como, por exemplo, o crescente emprego de técnicas de história oral, que aproximou radicalmente a produção científica da vida das pessoas e das comunidades acreanas e passou a dialogar intensamente com toda problemática econômica e social que o Acre atravessava naquele momento, assumindo assim forte papel político no contexto amazônico e nacional.Mais tarde, desde o final dos anos 90, a emergência de um novo contexto sócio-político no Acre possibilitou não só uma ampliação ainda maior dos temas e abordagens efetivadas pelos historiadores e outros pesquisadores locais, como também a revisão dos temas, já tradicionais, já citados anteriormente.













Com isso pudemos assistir à multiplicação de livros, revistas e artigos sobre negros, sírio-libaneses, mulheres, cidades, patrimônios culturais, comunidades ayahuasqueiras, entre muitos outros. Além do que, efemérides relacionadas ao centenário da Revolução Acreana, da criação do Território Federal do Acre e de fundação de algumas das principais cidades acreanas, ensejou uma revisão que ressignificou muitos desses acontecimentos não apenas em âmbito local, mas logrou influenciar uma nova produção historiográfica nacional.
Entretanto, mesmo uma analise superficial será capaz de revelar que, em nenhuma outra área do conhecimento este desenvolvimento foi tão grande quanto na historiografia dos povos indígenas como elemento fundamental da formação da sociedade acreana.
Este desenvolvimento teve duas conseqüências principais: o aprofundamento (ou alongamento, se preferirem) temporal da história acreana, que passou a ser considerada em milênios, ao invés de séculos como antes; e a ampliação territorial e temática das abordagens, estendendo nossa história até territórios bolivianos e peruanos, graças à análise das inter-relações culturais estabelecidas entre os povos indígenas de toda a Amazônia sul-ocidental, levando-nos até os contrafortes andinos; bem como através do desenvolvimento de pesquisas nos campos da etno-linguística, etno-arqueologia, cultura material, estruturas mitológicas, estudos das paisagens culturais (que mencionei no artigo anterior), etc, etc, etc.
E, pra quem conhece minimamente a historiografia acreana, é extremamente fácil comprovar estas afirmações. Basta considerar o quanto se tem produzido nos últimos tempos. Desde a pioneira tese de doutorado de Jacó Picolli, que sistematizou as informações até então disponíveis para os povos indígenas acreanos; passando pelo extraordinário trabalho desenvolvido pela CPI-Acre - com sua inédita construção de uma história definida e contada pelas próprias etnias indígenas – com o projeto “Uma experiência de autoria”; pelos artigos desse humilde escriba que vos fala nesta coluna, e que não foram poucos nos últimos dez anos; pelo admirável trabalho desenvolvido por Manuela Carneiro e Mauro Almeida, especialmente focados no Juruá; até chegarmos às publicações da revista Povos do Acre, em 2002, da nova versão da “Povos do Acre”, agora de 2010, e da linda (e importante) revista “Índios isolados no Acre”, recentissísimamente lançada pela Biblioteca da Floresta. Para citar só alguns trabalhos e publicações, entre muitos outros.
Por isso, causou espanto a afirmação de que “a partir de agora a história do Acre não poderá mais ser contada a partir de Plácido de Castro e de Galvez”. Como assim, Cara pálida??? E quem é que está contando a história do Acre assim???
Diante de tudo o que já assinalamos anteriormente se pode constatar que esta idéia sobre a história acreana está atrasada em, pelo menos, quarenta anos. E desconhece, o que é ainda pior, que a atual historiografia acreana está fortemente lastreada por movimentos sociais e políticos a partir dos quais, aqui no Acre, o conhecimento histórico deixa de ser exclusivo das cátedras e das publicações científicas para ganhar as ruas, esquinas, jornais, blogs, etc.O que nos leva à segunda afirmação absurda dessa semana... Mas que... por absoluta falta de espaço... fica pra próxima. Até lá.


Nenhum comentário:

Postar um comentário