domingo, 26 de fevereiro de 2012

Sem Palavras

Porque imagens falam mais que mil...















Obs: Só pra quem não é do Acre ou está longe... talvez seja bom dizer que o Acre está passando pela maior alagação de sua história... Mas na verdade não há nada de novo nisso...


domingo, 12 de fevereiro de 2012

Da natureza dos espelhos

O que é a história, senão mera manifestação dessa estranha capacidade do espírito humano de se encantar com o que é belo e se indignar com o injusto... Historiadores há que dedicam toda sua vida a corroborar essa simples constatação.

Eu ainda estava na Faculdade quando o conheci. Desde então, a visão que eu tinha do mundo e dos processos históricos mudou completamente. Mais do que os professores-doutores na sala de aula, foi o livro “Veias abertas da América Latina” que me revelou a verdadeira dimensão de nossa tragédia histórica, graças a qual padecemos de grande parte dos problemas e da miséria social que ainda existem neste continente que já foi considerado, um dia, o paraíso na terra.
Anos mais tarde descobri que o uruguaio Eduardo Galeano havia nos retratado por inteiro na maravilhosa Trilogia “Memórias do Fogo”. E, há cerca de três ou quatro anos, recebi da Dani como presente por meu aniversário, o extraordinário “Livro dos Abraços”, onde dezenas de ignoradas, mas fundamentais, pequenas histórias fluem saborosamente misturando poesia, mitos, lendas, tradições orais e histórias clássicas. Foi quando definitivamente decidi: quando eu crescer quero ser igual a ele.


Pois bem, recentemente, transitando em uma livraria, encontrei, ou fui encontrado, por mais um livro de Galeano: “Espelhos – Uma história quase universal” que tem preenchido meus dias com prazer, espanto e encanto. Assim não pude resistir à vontade de compartilhar nesta coluna pelo menos um pouquinho do profundo e ético conhecimento desse que é, pra mim, o maior historiador vivo de nosso tempo.

De desejo somos
A vida, sem nome, sem memória, estava sozinha. Tinha mãos, mas não tinha em quem tocar. Tinha boca, mas não tinha com quem falar. A vida era uma, e sendo uma era nenhuma.
Então o desejo disparou sua flecha. E a flecha do desejo partiu a vida pela metade, e a vida tornou-se duas.
As duas metades se encontraram e riram. Ao se ver, riam; e ao se tocar, também.


Avós
Para muitos povos da África negra, os antepassados são os espíritos que estão vivos na arvore que cresce ao lado de sua casa ou na vaca que pasta no campo. O bisavô do seu tataravô é agora aquele arroio que serpenteia na montanha. E também seu ancestral pode ser qualquer espírito que queira acompanhar você na sua viagem pelo mundo, mesmo que nunca tenha sido seu parente, nem conhecido.
A família não tem fronteiras, explica Soboufu Somé, do povo Dagara:
- Nossas crianças têm muitas mães e muitos pais. Tem tantos quantos quiserem.
E os espíritos ancestrais, os que nos ajudam a caminhar, são os muitos avós que cada um tem. Tantos quanto quisermos.

Fundação da contaminação
Os pigmeus, que são de corpo curto e memória longa, recordam os tempos de antes do tempo, quando a terra estava em cima do céu.
Da terra caía sobre o céu uma chuva incessante de pó e de lixo, que sujava a casa dos deuses e envenenava sua comida.
Os deuses estavam há uma eternidade suportando aquela carga uimunda, quando de repente perderam a paciência.
Enviaram um raio que partiu a terra em dois. E através da terra aberta lançaram o sol para o alto, e a lua e as estrelas, e por esse mesmo caminho eles também subiram. E lá em cima, longe de nós a salvo de nós, os deuses fundaram seu novo reino.
Desde aquela época, estamos cá embaixo.


Servos e senhores
O cacau não precisa do sol, porque o traz por dentro.
Do sol de dentro nascem o prazer e a euforia que o chocolate dá.
Os deuses tinham o monopólio do espesso elixir, lá nas alturas, e nós, os humanos, estávamos condenados a ignorá-lo.
Quetzacóatl roubou-o para os toltecas. Enquanto os outros deuses dormiam, ele pegou umas sementes de cacau e as escondeu em sua barba e por um longo fio de aranha desceu até a terra e as deu de presente à cidade de Tula.
A oferenda de Quetzalcóatl foi usurpada pelos príncipes, pelos sacerdotes e pelos chefes guerreiros.
Apenas os seus paladares foram dignos de recebê-la.
Os deuses do céu tinham proibido o chocolate aos mortais, e os donos da terra o proibiram para as pessoas comuns e correntes.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Da descoberta do amor

Aproveitando que dois de fevereiro foi dia de homenagearmos Iemanjá e que acabei de voltar da beira mar...

Lembro-me bem, apesar de já estar chegando aos cinquenta, dos primeiros amores de minha vida. Afinal, amor de menino é assim: puro, inocente, ingênuo, mas intenso e definitivo. E, o melhor, agora eu sei, provoca na gente um tipo de lembrança que faz juz ao sentido do termo “recordar”: do latim re cordis, voltar ao coração. Memórias tão profundas e entranhadas em mim que ao sair de algum canto recôndito de meu ser e voltar ao coração fazem a respiração falhar, o corpo estremecer e a mente sorrir. Como é bom ser menino e crescer com coisas boas pra lembrar.
Pois bem, toda essa onda de explicita nostalgia foi só pra introduzir o assunto do artigo de hoje. É que, neste inicio de ano, finalmente, levei meus pequenos pra conhecer o mar... E tenho que confessar que a simples expectativa de fazer isso me encheu de lembranças. Porque, como nasci em Copacabana e cresci no Flamengo, ambos bairros com praias, vivi muitas histórias boas ou terríveis no mar.




Assim, como numa preparação ao que iria acontecer me pus a lembrar de como era bom passar o dia inteiro na praia numa época em que sequer existia essa coisa de filtro solar e as meninas cultivavam a lenda de que passar coca-cola melhorava o bronzeado. Lembrei de quantos castelos de areia construí e de como catava os “Tatuís” enterrados para povoar meus magníficos castelos destinados a desaparecer na primeira onda mais forte que viesse lamber as areias onde eu brincava. E de como era bom ter o corpo inteiro coberto pela areia quentinha de sol e depois sair rolando todo “enfarofado” até alcançar a água. É que, em nossa inocência, não sabíamos ainda das famigeradas micoses que certamente estariam escondidas naquela areia aparentemente tão branquinha e limpinha. Assim como podíamos realizar intermináveis guerras de nossas temíveis “bombas de areia”, feitas com areia molhada recoberta por areia seca e que tornávamos bolas perfeitamente esféricas graças à sutil arte de menino, sem que nenhum adulto brigasse com a gente já que no fim da tarde a praia ficava vazia e era toda nossa.


Mas, nenhuma outra lembrança voltou com tanta força, nestes dias pré-viagem, que a sensação, impregnada de absoluta certeza, de que era o mar que gostava de mim e brincava comigo mandando pequenas ondas nas quais me jogava pra que elas me levassem até a areia, só pra voltar pulando, correndo e rindo pra mergulhar de novo “furando” a próxima onda. Rapaz!!! Olhando hoje pra essas imagens, que vejo quando fecho os olhos, tenho novamente a sensação, impregnada de absoluta certeza, de que o mar foi meu primeiro grande amor de menino. Afinal, naquela época eu não me interessava ainda por meninas, a não ser como companheiras ou rivais de brincadeiras. Além do que é óbvio que não to contando com o amor de/pela mãe, porque esse não está fora, já nasce com a gente, existe desde sempre, ou se preferir, desde o ventre.
Por isso, não é difícil imaginar como eu estava ansioso por ver meus meninos na praia. Como reagiriam? Conseguiriam superar o medo natural dessa entidade tão grande e poderosa que é o mar? Saberia eu conduzir seus primeiros passos mar adentro como meu próprio pai havia feito comigo?
Mas minhas preocupações logo se revelaram uma grande besteira. Foi lindo ver a surpresa nos olhos deles já ao pisar na areia quente. Então é assim que é a praia pai? Começa com essa longa travessia, driblando gente, quarda-sóis, barcos de pesca e vendedores ambulantes? E o que dizer da água gelada, então? Pai!!! A água é salgada, olha só! Diziam os dois quase ao mesmo tempo enquanto passavam a língua pelos lábios e descobriam por eles mesmos aquelas coisas que não pode ser explicadas ou contadas, devem ser vividas pra se tornarem verdadeiras. Menino! Não faz isso que essa água é suja!!!


Não demorou muito pra que o Yago, do alto de seus sete anos, se jogasse na primeira ondinha que ousou desafiá-lo. Enquanto Vinicius, com toda a “cautela” que Deus houve por bem lhe dar, graças a Deus, experimentava entrar só até a canela pra então voltar pra areia. E, desconfiadamente, bem de acordo com seus cinco anos de forte personalidade, entrar de novo na água pra ir até o joelho e voltar pra areia. E repetir o mesmo processo até que a água chegasse à sua cintura, sua barriga, seu peito, onde decidiu: aqui já tá bom. Chega!


Daí pra frente foi presenciar, satisfeito, as mesmas cenas que meu coração de menino guardava já faz tanto tempo. Os meninos bolando na areia, o prazer das ondas que vem e vão jogando a gente pro raso e pro fundo numa interminável brincadeira, a construção de novos e efêmeros castelos de areia, os barcos chegando repletos de peixes de cores e formatos ao mesmo tempo atraentes e estranhos. Até que o por do sol, pr’além do fim do mar, definisse chegada a hora de ir pra casa, em meio a infinitos e invencíveis protestos de meus meninos felizes.



Pois foi assim que foi. E isso tudo não passaria de pequenas lembranças de férias, não tivesse o Yago, nesta semana, me perguntado: Pai a gente pode ir pra praia de novo no mês que vem? Foi quando não pude deixar de sorrir de sua inocência e ficar feliz por perceber que meu menino havia encontrado um dos primeiros amores de sua vida.