sábado, 10 de julho de 2010

Como nos roubaram o futebol.

(ou Os ingleses, sempre os ingleses!)

No mês passado escrevi um artigo no início da Copa do Mundo, já que as copas costumam marcar fortemente o tempo de nossas vidas. O resultado é que acabei prometendo ao Ulisses, lá no blog desta coluna, contar aqui uma história, antes do final da Copa, que há muito tempo me perturba e que pode revolucionar toda a história do futebol mundial. Mas, vamos por partes, como diria o Jack (Já que... estamos falando de ingleses).

Tem uma história muito antiga do pré-acre que é praticamente desconhecida hoje, mas que me fez pensar que, curiosamente, na mesma época em que aquele explorador inglês safado, chamado Henry Wickham, pirateava milhares de sementes de seringueiras, levando-as pra Malásia e nos roubando pra sempre a fortuna da borracha, um outro inglês, menos conhecido, mas igualmente safado, roubava o futebol de nossos índios. Foi assim...

Era a década de 60 ou 70 do século XIX, já não me lembro ao certo. Um inglês solitário, acompanhado de poucos ajudantes, chegou a bordo dum pequeno barco a vapor, ou vaporzito como se dizia na época, à região do médio rio Purus. Ali nas imediações do Pauini e do Ituxi. Território incontestável dos Índios Apurinã, etnia guerreira que possuía uma relação de predominância com seus vizinhos Machineri (pelo Alto-Purus), Capechene (pelo rio Acre) e Jamamadi (pelo médio-Purus).
Este inglês se chamava Asrael Piper e vinha com seu vaporzito ao território Apurinã para ficar. A riqueza da Amazônia desconhecida era o novo mito a ser desvendado pelo século XIX. Milhares de europeus de todos os tipos sonhavam em realizar aqui, na imensa floresta misteriosa, seus mais desvairados sonhos. E Asrael não era diferente.
Eu hoje já não consigo avaliar muito bem, o que queria mesmo e quem era esse inglês. O certo é que Asrael tinha vindo pra ficar e reinar sobre os Apurinã. Fundar aqui, nesse pequeno pedaço da floresta distante, um novo país, uma sociedade comunitária formada pelos índios e ele, que seria, assim, portanto, o rei do novo reino.
No início, com o olhar sempre prático e pragmático dos índios, os Apurinã deixaram aquele homem estranho ficar por ali, aproveitando as muitas coisas valiosas que ele trazia em seu vaporzito: terçados, machados, armas. Afinal, a cada dia mais a frente de expansão seringueira se aproximava dos altos rios, como uma avalanche que devastaria todos esses territórios em pouco mais de dez anos. Era conveniente se acostumar ao comércio, às estranhezas e as desonestidades dos novos invasores.







Não demorou muito pra Asrael perceber que os Apurinã, não só eram esplendidos guerreiros, o que talvez tivesse grande utilidade na cabeça do inglês, como mantinham uma sofisticada organização em tribos que ocupavam vasto território, tanto na terra firme e igarapés interiores, como nas margens dos maiores rios a região. Além do que mantinham uma complexa rede comercial com outros povos de rios distantes.
Isso também, provavelmente, interessou muito ao inglês. E apesar do segredo que os índios guardavam sobre suas varações, rotas comerciais por onde levavam e traziam produtos diversos, os Apurinã concordaram em levar Asrael a um encontro com os índios Cacharari, com quem os Apurinã comercializavam pedras do Abunã e do Madeira para fabricar lâminas de machado.
Qual não foi a surpresa de Asrael ao entrar na aldeia Cacharari e se deparar com um grande campo aberto, em frente à principal maloca, onde os guerreiros corriam e disputavam a posse de uma bola de borracha feita do leite abundante das seringueiras.
Entre surpreso com aquela inusitada paisagem e fascinado pela forma com que aquela bola quicava no chão limpo e era dominada pelos índios que só não podiam usar as mãos para passar a bola para o campo do grupo adversário e assim vencer a disputa. Eu não vi, mas seria capaz de jurar que os olhos de Asrael Piper brilharam nesse momento. Ele imediatamente percebeu que poderia levar aquelas bolas de borracha e a idéia daquele jogo para a Europa. Certamente a nobreza cansada de tanto correr atrás de raposas, haveria de se deleitar com aquele empolgante novo esporte.
Piper já podia ver seu nome cantado pelos bardos londrinos, enaltecendo as qualidades do glorioso, audaz e brilhante inventor de um novo tipo de entretenimento, que rapidamente se tornou moda em toda a Grã-Bratenha e daí para todos os outros países “civilizados”. Asrael logo definiu também o nome do novo esporte: Footh ball, jogado com os pés. Talvez ele nem precisasse mesmo contar que tinha visto índios jogando em plena Amazônia e pudesse ter toda a glória dizendo que simplesmente inventou aquele jogo...
E foi assim, que na mesma década em que um inglês, hoje famoso, roubava de nós as sementes das seringueiras, outro inglês, quase desconhecido, nos roubava definitivamente a invenção do futebol...

Bueno, a essa altura da história tenho que avisar que tudo o que contei acima é verdade, menos o final, que é inventado, apesar de perfeitamente possível. A parte da viagem do Inglês Asrael Piper e seu vaporzito ao Reino dos Apurinã é real, e nos foi relatada por J.M.B. Castelo Branco Sobrinho em artigos publicados na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro nas décadas de 40 e 50.
As informações sobre os costumes e territórios dos índios Apurinã, bem como sobre o fato dos Cacharari jogarem mesmo um jogo muito semelhante ao futebol com bolas de borracha também tem a mesma fonte. Entretanto, a parte da viagem do inglês até a aldeia Cacharari e a possível invenção do futebol, em plena Amazônia, nos idos de 1870, apesar de plausíveis, só não são verdadeiras por dois pequenos detalhes.
O primeiro é que nesta mesma época o futebol já tava sendo muito jogado na Europa, com muitas das suas regras básicas já estabelecidas. Isso sem mencionar outros possíveis inventores, como os chineses, ou os astecas, etc. Ou seja, mesmo que Asraeel tivesse voltado à Europa, teria chegado, pelo menos, uns trinta anos atrasado. O que nos leva ao segundo pequeno detalhe. Na verdade, Asrael Piper, o louco aventureiro solitário inglês realmente nunca mais deixou o seu sonhado País dos Apurinã.
Aconteceu que certo dia, depois de encher demais o saquinho dos pobres índios, estes decidiram come-lo (no sentido pleno e literal do termo). Pondo fim à única possibilidade de glória de mais um dos tantos ingleses que por aqui passaram para nos roubar isso ou aquilo. Pois, como todos sabem, qualquer coisa que possa ser roubada, seja uma montanha de ouro, uma semente, ou mesmo uma simples idéia, sempre interessou aos ingleses. Sempre os ingleses...









Um comentário:

  1. Pra engrossar o caldo, duas teorias possíveis sobre a morte do Asrael: 1-Ele não passava a "pelota" pros companheiros. 2 - quis enfiar goela a baixo a regra do impedimento. =D

    ResponderExcluir