domingo, 31 de julho de 2011

Machu Picchu – Um século (I)


(ou: Mistérios da alma humana)

No dia 24 de julho de 1911 Hiram Bingham chegava a Machu Picchu. Um acontecimento que, sem que o explorador pudesse desconfiar, determinaria boa parte de minha vida, como deve ter feito com muitos outros antes e, ainda fará, depois de mim.

Se chamava “Cidadelas Perdidas”, se não me falha a memória, aquele livro em dois volumes que encontrei num sebo. Dentro de um deles uma narrativa, em especial, me encheu de sonhos e desejos. Eu era mais que um menino e menos que um rapaz então. Ainda podia passar noites inteiras lendo livros extraordinários que me faziam viajar por todas as partes do mundo e por todos os tempos possíveis entre o passado e o futuro.
Aquele capítulo que nunca consegui esquecer tratava da descoberta de Machu Picchu pelo norte-americano Hiram Bingham, em 1911. A narrativa daquela tensa subida por altas montanhas que roubava o fôlego dos exploradores, das dificuldades que a densa floresta das escarpadas encostas impunha, das dúvidas que assaltavam a expedição a cada dificuldade do longo e improvável caminho, fazia minha imaginação ver tudo como se estivesse acontecendo diante de meus olhos.
Mas nada nesta fantástica história era superior ao exato momento em que Hiram Bingham finalmente viu diante de si a mítica e lendária cidade perdida encravada entre dois cumes da “montanha velha” (tradução de Machu Picchu, em Quechua). Senti, como ele, naquele momento meu coração disparar e ser invadido por uma forte vertigem, coisa extremamente perigosa pra quem está “atrepado” naquelas alturas de mais de 2.400 metros.


Até hoje não consigo saber o que era maior então. A paisagem impressionantemente monumental, com o rio Urubamba serpenteando aos pés daqueles altos picos que ousavam desafiar o céu. A sensação de ter realizado uma extraordinária descoberta que iria rápida e permanentemente maravilhar todo o mundo, estabelecendo uma nova série de mistérios a serem desvendados. Ou a absurda consciência de que nada que Hiram Bingham fizesse depois seria maior ou mais importante do que aquela descoberta, aquele exato momento em que a vida de um homem deixa de ser ameaçada pela iminente possibilidade do fim e se torna eterna como as próprias montanhas que o cercavam então.
Acho muito difícil que, mesmo considerando o notório pragmatismo norte-americano, Hiram não tenha compreendido naquele instante porque os Incas consideravam as montanhas, não apenas sagradas, mas como os próprios deuses em si.
Lembro nitidamente que foi neste momento da leitura que decidi duas coisas definitivas para a minha própria vida: um dia eu iria a Machu Picchu e, não tinha jeito, eu ainda seria arqueólogo. Hoje, escrevendo esse artigo, fico muito feliz por já ter feito ambas as coisas (não exatamente da forma como imaginei naquela época), mas essas são outras histórias que vão ter que ficar pros próximos artigos.



Entretanto, não posso deixar de ressaltar aqui que, um século depois daquele momento extraordinário, ainda não se sabe exatamente o que foi Machu Picchu. Já se disse que era uma fortaleza secreta, um retirado e restrito templo para as escolhidas do Inca, o mausoléu de Pachacutec (o maior dos Incas e hipotético construtor da cidade) cuja múmia teria sido retirada dali pouco depois da chegada dos espanhóis à Cuzco, o refúgio do último Inca depois da fulminante destruição do Império pelos espanhóis, estratégico local de supervisão da produção de diferentes povos submetidos ao Império Inca, importante centro religioso, político, etc.
A mais recente teoria em discussão dá conta de que Machu Picchu teria sido um centro de peregrinação. A extremidade de um caminho sagrado que se iniciava na Ilha do Sol no meio do Lago Titicaca e terminava em seu famoso templo central. Vai saber. Mais que sua infinita beleza, talvez a principal característica de Machu Picchu seja mesmo essa propriedade de, através de seus inesgotáveis e indecifráveis mistérios, continuar desafiando o que há de mais profundo em nossa alma.

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