sábado, 16 de julho de 2011

A Porta do Acre

(ou: Que correntes nos prendem ao passado? – III)

Esta semana completaram-se 112 anos desde que Galvez proclamou a criação do Estado Independente do Acre. Por isso fecho hoje o ciclo de republicação de artigos que tratam de Porto Acre, ou “Cidade do Acre” como lhe chamou o então Presidente da Republica acreana, sobre o exato local em que tudo aconteceu num ensolarado e memorável 14 de julho.

O atual visitante de Porto Acre pode até não perceber a enorme importância desta cidade para a história acreana. Aos olhos do viajante, Porto Acre deve parecer apenas mais uma vila de poucos moradores. Pacata e lenta como só as cidades do interior sabem ser. Mas, sob as aparências que se apresentam aos olhos de quem acaba de chegar, aqui existe um lugar que resistiu ao tempo, como seus fundadores resistiram através de uma guerra para ficar neste lugar. Afinal de contas, foi aqui que a história do Acre começou.
É verdade que existem no Acre outros povoados ainda mais antigos, como Rio Branco e Xapuri, mas quando eles foram criados às margens do rio “Aquiri”, território dos índios Apurinã, sequer existia um lugar que pudesse ser chamado de “Acre”. Por isso o patrimônio histórico de Porto Acre é um dos mais significativos do nosso Estado, apesar de toda a destruição causada pelo tempo e pelos homens.
Só pouquíssimas casas de arquitetura mais tradicional, resistem nas ruas de Porto Acre. E, ainda por cima, essas duas ou três residências são evidentemente bem mais recentes que toda aquela história que fez a fama, o nome e a existência dessa cidade.
Do mesmo modo, poucos habitantes dali guardam a memória de tudo que se passou entre aqueles barrancos altos. Afinal, já lá se vai muito tempo desde que tudo aconteceu. Os revolucionários que não morreram de bala durante a guerra, morreram depois de morte morrida. Seus filhos, também já se foram e seus netos não ficaram por aqui e estão por ai, espalhados pelo mundo. Nada que não seja completamente normal nesse país de solene e notória falta de memória.



Mas nada disso importa. O patrimônio de Porto Acre é de uma natureza diferente da maioria dos lugares que se tornaram conhecidos por seus conjuntos arquitetônicos raros, singulares e ricos. Ele está ali, diante dos que não sabem vê-lo. Porque o patrimônio histórico e cultural de Porto Acre está inscrito em sua própria paisagem.
Naquele lugar, o alto do barranco está ali, a curva e o estirão do rio estão ali. Olhando com bastante atenção quase se pode ver ainda a grossa corrente atravessada de uma margem à outra impedindo a passagem dos revolucionários acreanos.
Mas não só. O patrimônio de Porto Acre ainda está oculto também no interior das casas e da terra, sob a forma de objetos, garrafas, “cascas” de balas, pequenas letras de chumbo do jornal “El Acre” já encontradas ou por encontrar.
Todos os meninos dessa cidade, de quando em vez, acham os tesouros de um passado distante que sabem já passou há muito, mesmo sem saber avaliar quanto. Sabem também os meninos que aqueles tesouros não valem dinheiro. Quando muito valem um cupom na rifa de Seu Artur, ou uma história bem contada que os encha de imagens e orgulhos momentâneos. Sentem os meninos que apesar de não ter valor em dinheiro, os tesouros de Porto Acre valem muito e ainda podem brincar com eles, indiferentes ao passar do tempo.




Não, Porto Acre, não está esquecida. Por menos evidente que seja, Porto Acre não esqueceu de si mesma. Pode-se dizer, talvez, que está adormecida num sono longo e profundo, mas desperta um pouco cada vez que revela suas paisagens e/ou pequenos pedaços de história ocultos.
Não! Porto Acre, não é uma cidade fácil de ser conhecida. É preciso, porém, conhece-la. Não apenas como a conhecem os velhos de memória antiga, ou os livros de história, mas como a conhecem os meninos que pulam do barranco em facadas primorosas rumo às águas barrentas e que, no final da tarde, vêem o curso do rio desde o alto do barranco e se lembram que aqui começamos a ser quem somos.
Porque, ao subir o rio, uma vez passado o porto, uma porta se abre e se sabe, chegamos ao Acre.

*Adaptado de artigo publicado na Revista “Galvez e a Republica do Acre”, pela Fundação Elias Mansour, em 1999, por ocasião do centenário do Estado Independente do Acre.


OBS: Já que o artigo de hoje trata mesmo de aniversário, quero aproveitar para, mesmo muito atrasado, dar Parabéns!!!! ao Ronaldo “Spock”, diagramador do Página 20 que toda semana fica esperando meu costumeiro atraso em enviar o material da coluna, por seu aniversário na semana passada.
Sem ele, não existiria Miolo de Pote. Por isso, é importante ressaltar que ele, como poucos hoje em dia, tem a grandeza de, mesmo permanecendo invisível para quem lê a coluna, nunca deixou de se empenhar para que nossos artigos saiam bem nos jornais de domingo. Assim, por uma questão de justiça e de gratidão quero aproveitar o artigo de hoje para homenagear esse amigo e fundamental “sócio” da coluna.

PARABÉNS!!!!!!! E SAUDAÇÕES RUBRO-NEGRAS (pra não perder o costume)!!!!

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