Os anos 80
trouxeram os FAMPs e os Festivais do Amapá, a música de protesto e o
engajamento político das artes acreanas. Tempos difíceis, mas extremamente
férteis que marcaram toda uma geração.
Em 1974, ano de
Copa do Mundo, chegou ao Acre a televisão, ainda que tardiamente, promovendo
uma maior integração cultural com o restante do país e incorporando atividades
consagradas regionalmente como os programas de auditório que rapidamente
passaram a acontecer também na televisão. Porém, lembram alguns saudosistas de
plantão, que a chegada da televisão também provocou uma certa deterioração no
antigo costume das famílias de se reunirem nas calçadas, no fim da tarde, para
conversar e comentar as ultimas novidades. O antigo modo de vida acreano
parecia então definitivamente superado.
Um novo e
fundamental impulso na musica acreana só voltaria a ocorrer no início dos anos
80 com a retomada dos festivais. Mais uma vez a realização dos festivais
acreanos deve ser atribuída às influencias que vinham do Rio de janeiro, ou de
outras partes do Brasil, apesar de apresentar diversos aspectos que os
configuram como fenômeno regional com características próprias. Não podemos
descartar também influencias do Festival de Woodstok e do movimento estudantil
que procurava meios para veicular seus protestos contra o Regime Militar então
vigente.
Não por
coincidência, o primeiro Festival Acreano de Musica Popular, ou FAMP como ficou
amplamente conhecido a partir de então, ocorreu por iniciativa de pessoas
ligadas à UFAC, em 1980. Este primeiro FAMP aconteceu na sede do Vasco da Gama
e teve enorme repercussão, inclusive pela apresentação especial realizada por
Sérgio Souto que, apesar de acreano, estava trabalhando sua carreira no Rio de
Janeiro. Essa apresentação possuía uma dupla importância, primeiro porque
demonstrava a possibilidade dos músicos acreanos conquistarem seus espaços na
musica popular brasileira e depois porque se adiantava, de certa forma, aos
festivais da Shell, que tiveram enorme repercussão nacional, onde Sérgio Souto
cantaria a mesma musica que já havia apresentado não-competitivamente no
primeiro FAMP: “Minha Aldeia”.
Nos anos
seguintes ocorreram outros FAMPs, que completou em 1997 a sua décima edição. Ou
seja, a realização dos FAMPs não aconteceu de forma contínua: ocorreram em 1980
e 1981, parou em 1982, voltou em 83, dando uma nova parada por questões
financeiras até 1985 e assim por diante até os dias de hoje.
Antes mesmo de
falar das consequências que os FAMPs tiveram sobre a musica acreana é preciso
lembrar que a partir de 1983 esse movimento foi engrossado pela realização dos
Festivais do Amapá, tornando a década de 80, fundamental para a atual
identidade da musica acreana.
Impossível,
embora necessário, seria nos dedicarmos aqui a percorrer a história de cada um
dos FAMPs e dos Festivais do Amapá. Só assim, talvez, pudéssemos demonstrar um
pouco da verdadeira revolução cultural que esses festivais representaram para a
cultura acreana. Como teremos que nos contentar com sua caracterização
genérica, mostra-se preciso lembrarmos do momento sócio-econômico pelo qual
passava o Acre.
Os anos 70
haviam sido extremamente cruéis para a sociedade acreana. A implantação de um
novo modelo econômico para no Acre, com a substituição dos seringais pelos
grandes latifúndios pecuaristas, trouxe radicais transformações para quase
todos os setores da sociedade, especialmente para os menos favorecidos.
Essa história é bem conhecida e não precisamos aprofundá-la demasiadamente. Basta lembrar do fechamento dos seringais, da chegada dos “paulistas” ao Acre, da implantação das fazendas de gado, da expulsão de milhares de seringueiros de suas colocações, do inchaço das cidades com a formação de inúmeros bairros periféricos e miseráveis, do acirramento das relações entre seringueiros e latifundiários e o consequente enfrentamento dai advindo, dos poucos resultados econômicos obtidos, para realçar o conturbado contexto vivido no Acre então.
Essa história é bem conhecida e não precisamos aprofundá-la demasiadamente. Basta lembrar do fechamento dos seringais, da chegada dos “paulistas” ao Acre, da implantação das fazendas de gado, da expulsão de milhares de seringueiros de suas colocações, do inchaço das cidades com a formação de inúmeros bairros periféricos e miseráveis, do acirramento das relações entre seringueiros e latifundiários e o consequente enfrentamento dai advindo, dos poucos resultados econômicos obtidos, para realçar o conturbado contexto vivido no Acre então.
Assim, os anos 80 encontraram um Acre que tentava se reestruturar. Um contexto social onde se mostrava necessário rever os modelos estranhos e prejudiciais à região, onde se tornava mais que importante, essencial, estabelecer discussões ambientais, políticas, econômicas e culturais. Nada podia ser melhor, diante de tal situação, para dar voz à sociedade do que os festivais, onde as opiniões e as necessidades da sociedade podiam ser gritadas, tanto quanto cantadas.
Com efeito, foi
nos festivais que toda uma nova geração de músicos acreanos despontou no cenário
cultural acreano. Àqueles músicos que desde os anos 60 e 70 vinham produzindo e
divulgando a musica no Acre, como Crescêncio Santana, Da Costa, os irmãos
Gallo, os irmãos Mansour, Geraldo Leite, juntaram-se inúmeros jovens que
produziam, não só musica, mas poesia, informação, idéias, comportamentos e
opiniões. Nomes como Pia Vila, Felipe Jardim, Damião Hamilton, Sérgio Taboada,
Antônio Manoel, Narciso Augusto, Beto Brasiliense, João Veras, Maués, Jorge
Carlos, Bacurau, Tião Natureza, e tantos outros que poderia resultar injusto
tentar enumerá-los aqui.
*Texto publicado
originalmente na Revista Registro Musical, FGB, 1996
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