Nesta semana interrompo a
série sobre a música acreana para divulgar nesta coluna o importante
esclarecimento feito pelas comunidades ayahuasqueiras acerca do recorrente erro
de algumas autoridades e veículos de comunicação que insistem em confundir um
dos mais importantes bens culturais do povo acreano e brasileiro com substâncias
ilícitas. Esperamos que com as ponderadas (como sempre) reflexões feitas pelas
comunidades este tipo de coisa não mais se repita.
NOTA DE ESCLARECIMENTO
A propósito de matérias veiculadas na imprensa
local, nos dias 28 e 29 de junho deste ano, sobre a incineração de Daime junto
a entorpecentes apreendidos pela Polícia Federal no Estado do Acre, vimos a
público contestar o equívoco desta prática e esclarecer o que segue:
1. O Daime, Vegetal, Ayahuasca, Cipó, Yagê ou Hoasca
é uma bebida sagrada de uso milenar por comunidades indígenas amazônicas e é
parte integrante da cultura acreana desde a primeira década do século passado,
nos primórdios de sua formação;
2. As doutrinas religiosas constituídas a partir do
uso ritual do Daime ou Vegetal tiveram seu reconhecimento público no Estado do
Acre e no Brasil em diversas oportunidades, dentre elas:
* Certificado de Reconhecimento da Importância
Histórica e Cultural à Madrinha Peregrina Gomes Serra, dignitária do Centro de
Iluminação Cristã Luz Universal - CICLU Alto Santo, e a Francisco Hipólito de
Araújo Neto, dirigente do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte
de Luz, concedido pelo Governo do Estado do Acre, em solenidade realizada no
Palácio Rio Branco, no dia 15 de junho de 2012, por ocasião das comemorações
dos 50 anos de Estado do Acre;
* Reconhecimento e homenagens à União do Vegetal –
UDV, por ocasião do cinquentenário de sua fundação, em sessões solenes
realizadas em vários municípios brasileiros, nas Assembleias Legislativas dos
vinte e seis estados da Federação e do Distrito Federal, e no Congresso
Nacional, em 2011;
* Título de Cidadão Acreano concedido aos Mestres
fundadores das doutrinas tradicionais – Mestre Raimundo Irineu Serra (Alto
Santo), Mestre Daniel Pereira de Mattos (Barquinha), Mestre José Gabriel da
Costa (União do Vegetal) - pela Assembleia Legislativa do Estado do Acre, em
solenidade realizada em abril de 2010;
* Entrega, em 30 de abril de 2008, ao Ministro da
Cultura Gilberto Gil, do pedido de Registro do Uso Ritual da Ayahuasca como
Patrimônio Imaterial brasileiro, que teve como signatários representantes dos
três troncos tradicionais da Ayahuasca, Fundação de Cultura e Comunicação Elias
Mansour (FEM) e Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil (FGB). Acatado
pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, o pedido deu origem ao
Inventário, em curso no âmbito do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN).
* Reconhecimento do Segmento Culturas
Ayahuasqueiras, componente da área de Patrimônio Cultural, no âmbito do
Cadastro Cultural do Município de Rio Branco – CCM e criação da Câmara Temática
de Culturas Ayahuasqueiras, do Conselho Municipal de Políticas Culturais –
CMPC, no contexto das Leis Nº 1.676/2007 e Nº 1.677/2007, respectivamente Lei
do Sistema Municipal de Cultura – SMC e Lei Municipal de Patrimônio Cultural de
Rio Branco;
* Tombamento de edificações pertencentes ao CICLU
Alto Santo, como patrimônio municipal e estadual e solicitação formal de
abertura do processo de Tombamento no âmbito federal, em 2006;
* Criação da Área de Proteção Ambiental Raimundo
Irineu Serra (APARIS), no âmbito do município de Rio Branco, em 2005;
* Reconhecimento do Centro Espírita e Culto de
Oração Casa de Jesus Fonte de Luz e do Centro Espírita Beneficente União do
Vegetal - UDV como de Utilidade Pública, estadual e federal, pelos serviços
prestados à sociedade;
* Criação do Bairro Irineu Serra em Rio Branco, a
partir da comunidade fundada pelo Mestre Irineu em 1945, na antiga Colônia
Agrícola Custódio Freire;
3. O respeito à diversidade cultural, incluindo
crenças, costumes, hábitos e práticas religiosas, é um compromisso da
Constituição Federal e da Nação brasileira como signatária da Convenção da
Diversidade Cultural, firmada no âmbito da Unesco;
4. O Estado do Acre é o berço de fundação da
Doutrina do Santo Daime, de inspiração divina, replantada pelo Mestre Irineu,
maranhense de nascimento e pioneiro na ocupação deste território acreano, desde
1912, quando aqui chegou. Mestre Daniel, também maranhense, veio para o Acre em
1905, e fundou o seu Centro religioso em Rio Branco, no ano de 1945. Mestre
Gabriel, baiano, chegou à Amazônia em 1947 e desenvolveu a União do Vegetal na
década de 1950, entre os Estados do Acre e Rondônia;
5. Os centros
que professam a religiosidade com o Daime e o Vegetal são livres, abertos,
frequentados por pessoas e famílias dignas e idôneas, e autoridades públicas. O
Daime, Vegetal ou Ayahuasca, sacramento religioso que é parte da nossa cultura,
não pode ser confundido com drogas pelo poder público que representa esta
sociedade;
6. Associar drogas ao Daime, ou Vegetal, é um
desrespeito a inúmeras famílias acreanas e pessoas que têm histórias e
testemunhos sobre os benefícios desse sacramento, para a saúde física, mental e
espiritual, inclusive em casos de dependência química;
7. As políticas públicas de combate ao tráfico e uso
de drogas são recebidas com aplauso e solidariedade pelas comunidades
ayahuasqueiras de Rio Branco, que enxergam nas condutas marginais um
desagregador de famílias, com prejuízos profundos em especial para a juventude
e para toda a sociedade brasileira.
Diante do exposto, e considerando o constrangimento das
comunidades ayahuasqueiras pela prática da incineração de seu sacramento,
solicitamos às autoridades responsáveis que, no cumprimento das determinações
legais referentes ao tráfico e usos indevidos de substâncias tóxicas ou
entorpecentes, seja excluída a menção ao Daime, Vegetal ou Ayahuasca. E que, em
caso de apreensão de Ayahuasca, em circunstâncias de transporte ilegal ou
outras situações que contrariem as condutas dos segmentos culturais, indígenas
ou religiosos, seu descarte seja realizado de forma respeitosa, em ambiente
natural, de preferência na terra, desassociado de drogas, ou quaisquer outras
substâncias ilícitas.
Rio Branco, 07 de agosto de 2012
Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras
João Guedes Filho - Articulador
Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil
Eurilinda
Maria Gomes de Figueiredo – Diretora Presidente
Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour
Francis Mary Alves de Lima – Diretora Presidente
Superintendência do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – Acre
Deyvesson Israel Alves
Gusmão – Superintendente no Acre
Escritório da Representação Regional Norte do
Ministério da Cultura
Keilah Diniz - Representante
Assessoria de Assuntos Indígenas do Governo do
Estado do Acre
José
de Lima Kaxinawá - Assessor
Instituto Ecumênico Fé e Política
Manoel Pacífico da Costa – Secretário Geral
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