segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Breve história da música no (vale do) Acre - VIII*


Hoje encerramos a série de artigos sobre parte da história da musica acreana. Ocasião para lembrarmos que o final dos anos 80 e o inicio dos 90 deixaram muitas das sementes que ainda estão germinando e se espalhando pela floresta musical acreana.


Mais importante que a quantidade de valores musicais surgidos nos anos 80 foi a diversidade das linguagens e temáticas utilizadas a partir de então. Nos festivais surgiram musicas de protesto contra a degradação ambiental, antes mesmo da ecologia se tornar questão de interesse mundial; musicas que cantavam o modo de vida urbano dos filhos da burguesia e dos marginalizados pela sociedade; musicas que contavam do duro cotidiano seringueiro, entre a melancolia da extinção e a esperança de um improvável futuro; musicas que denunciavam, ainda que inocuamente, a desfaçatez da política e do autoritarismo; musicas, enfim, que recuperaram para o imaginário social o encantamento da Rainha da Floresta e dos esquecidos povos indígenas do Acre.

O próprio conceito do Festival do Amapá, que não era competitivo, revela o espírito reinante. O que interessava realmente era o encontro, a troca, a celebração, a consciência e, se possível, as mudanças. Entraram assim, para o repertório acreano, as influencias do BRock, da MPB e, especialmente, se começaram a elaborar composições musicalmente inovadoras através da reunião dos hinários daimistas com temáticas político-ecológicas e com a poesia seringueira.


Não podemos deixar de mencionar aqui outro importante elemento para o aprimoramento musical acreano que foi a realização do Projeto Pixinguinha que trouxe para o Acre, durante a década de 80, diversos artistas com projeção nacional que incentivaram ainda mais o desenvolvimento dos músicos acreanos. Data dessa época também, o movimento inverso, quando uma caravana de músicos acreanos se apresentou no Rio de Janeiro, em um antológico show realizado no Circo Voador reunindo boa parte da colônia acreana residente no Rio.

Tempos férteis. Os FAMPs e Amapás dos oitenta marcaram a existência de muitos dos respeitáveis (quase) senhores que hoje, já quarentões ou cinquentões, tentaram ocupar os espaços necessários para modificar e/ou melhorar o modo de vida acreano, em uma possível síntese do que já foi e do que ainda é.

Na virada para a década de 90, o movimento gerado pelos festivais já havia esfriado um bocado, apesar da continuidade esporádica do FAMP até os dias de hoje. Colaborou decisivamente para isso as manobras de apropriação que determinados segmentos políticos efetivaram sobre a organização e a realização dos festivais, assim como a crônica falta de apoio oficial e privado às iniciativas espontâneas, independentes, e por isso mesmo legitimas que surgiram ao longo do tempo.


Mas a semente havia sido lançada e, a partir das bases criadas nos festivais, a música acreana pôde se manifestar mais intensamente nos palcos dos bares de Rio Branco. Muitos dos artistas de então se profissionalizaram e passaram a viver de musica. Enquanto outros tantos foram desempenhar as mais diversas atividades, sem largar totalmente a música. Surgia assim a chamada “Cultura de Botequim”, como foi denominado por Ademar Galvão. Um movimento musical centrado nos bares noturnos da cidade e que permaneceu por muitos anos como núcleo da produção musical acreana. Nesse movimento mais recente da Cultura de Botequim” muitos músicos recém chegados ao Acre, foram assimilados e passaram a também militar na noite acreana, em uma fértil simbiose de influências e estilos.

Até mesmo os músicos da geração que haviam feito a passagem dos tempos da banda para o dos conjuntos modernos, participaram desse novo movimento noturno-cultural. Foi quando um grupo de poetas, intelectuais, músicos e boêmios resolveu promover reuniões semanais, sempre às terças-feiras, para marcar uma posição diferenciada através da qual pudessem extravasar sua necessidade de música, poesia e arte. Era o “Grupo da Madrugada”, composto, entre outros, por: Crescêncio Santana, Fernando Gallo, Da Costa, Elzo Rodrigues, Mauro Modesto, Hugo Conde, Eremildon, etc. O Grupo da Madrugada se reunia em diversos bares de Rio Branco. Inicialmente no Casarão, depois no Carlinhos Alvorada, no Pelé e finalmente no Kaxinauá.

Do começo dos anos 90 para cá, outras mudanças ocorreram, como a invasão dos teclados e a massificação de certos ritmos e estilos de interesse das grandes gravadoras do país - como o sertanejo e o pagode - em detrimento da imensa diversidade musical que caracteriza o Acre e o Brasil. Apesar disso a produção regional de musica pouco foi alterada, mantendo a diversidade temática e estilística proposta e implementada na grande década dos festivais e mantida depois nos bares da vida e nos eventos que esporadicamente continuaram acontecendo em Rio Branco, tais como: o “Concerto ao Vento”, o “FAMP”, o “Projeto Boca da Noite”, o “Projeto Pixinguinha”, o “Festival do Amapá”, o BRock, etc. 

Os tempos mais recentes - com o surgimento de diversas novas bandas de rock, samba e outros estilos no final dos anos 90 e na primeira década do século XXI - são coisas que ainda estão acontecendo e pertencem, portanto, à história que ainda precisaremos escrever um dia. 


Não posso deixar passar a oportunidade (necessidade) de saudar e homenagear Jorge Cardoso que nos deixou essa semana e foi um dos grandes construtores dessa história, empenhando o melhor de si pelo amor à música, junto com muitos outros que já partiram ou que ainda estão por aqui.

*Texto publicado originalmente na Revista Registro Musical, FGB, 1996

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