Hoje
encerramos a série de artigos sobre parte da história da musica acreana.
Ocasião para lembrarmos que o final dos anos 80 e o inicio dos 90 deixaram
muitas das sementes que ainda estão germinando e se espalhando pela floresta
musical acreana.
Mais importante
que a quantidade de valores musicais surgidos nos anos 80 foi a diversidade das
linguagens e temáticas utilizadas a partir de então. Nos festivais surgiram
musicas de protesto contra a degradação ambiental, antes mesmo da ecologia se tornar
questão de interesse mundial; musicas que cantavam o modo de vida urbano dos
filhos da burguesia e dos marginalizados pela sociedade; musicas que contavam
do duro cotidiano seringueiro, entre a melancolia da extinção e a esperança de
um improvável futuro; musicas que denunciavam, ainda que inocuamente, a
desfaçatez da política e do autoritarismo; musicas, enfim, que recuperaram para
o imaginário social o encantamento da Rainha da Floresta e dos esquecidos povos
indígenas do Acre.
O próprio conceito
do Festival do Amapá, que não era competitivo, revela o espírito reinante. O
que interessava realmente era o encontro, a troca, a celebração, a consciência
e, se possível, as mudanças. Entraram assim, para o repertório acreano, as
influencias do BRock, da MPB e, especialmente, se começaram a elaborar
composições musicalmente inovadoras através da reunião dos hinários daimistas
com temáticas político-ecológicas e com a poesia seringueira.
Não podemos
deixar de mencionar aqui outro importante elemento para o aprimoramento musical
acreano que foi a realização do Projeto Pixinguinha que trouxe para o Acre,
durante a década de 80, diversos artistas com projeção nacional que
incentivaram ainda mais o desenvolvimento dos músicos acreanos. Data dessa
época também, o movimento inverso, quando uma caravana de músicos acreanos se apresentou
no Rio de Janeiro, em um antológico show realizado no Circo Voador reunindo boa
parte da colônia acreana residente no Rio.
Tempos férteis. Os
FAMPs e Amapás dos oitenta marcaram a existência de muitos dos respeitáveis
(quase) senhores que hoje, já quarentões ou cinquentões, tentaram ocupar os
espaços necessários para modificar e/ou melhorar o modo de vida acreano, em uma
possível síntese do que já foi e do que ainda é.
Na virada para a
década de 90, o movimento gerado pelos festivais já havia esfriado um bocado,
apesar da continuidade esporádica do FAMP até os dias de hoje. Colaborou
decisivamente para isso as manobras de apropriação que determinados segmentos
políticos efetivaram sobre a organização e a realização dos festivais, assim
como a crônica falta de apoio oficial e privado às iniciativas espontâneas,
independentes, e por isso mesmo legitimas que surgiram ao longo do tempo.
Mas a semente havia
sido lançada e, a partir das bases criadas nos festivais, a música acreana pôde
se manifestar mais intensamente nos palcos dos bares de Rio Branco. Muitos dos
artistas de então se profissionalizaram e passaram a viver de musica. Enquanto
outros tantos foram desempenhar as mais diversas atividades, sem largar
totalmente a música. Surgia assim a chamada “Cultura de Botequim”, como foi
denominado por Ademar Galvão. Um movimento musical centrado nos bares noturnos
da cidade e que permaneceu por muitos anos como núcleo da produção musical
acreana. Nesse movimento mais recente da Cultura de Botequim” muitos músicos
recém chegados ao Acre, foram assimilados e passaram a também militar na noite
acreana, em uma fértil simbiose de influências e estilos.
Até mesmo os
músicos da geração que haviam feito a passagem dos tempos da banda para o dos
conjuntos modernos, participaram desse novo movimento noturno-cultural. Foi
quando um grupo de poetas, intelectuais, músicos e boêmios resolveu promover
reuniões semanais, sempre às terças-feiras, para marcar uma posição
diferenciada através da qual pudessem extravasar sua necessidade de música,
poesia e arte. Era o “Grupo da Madrugada”, composto, entre outros, por:
Crescêncio Santana, Fernando Gallo, Da Costa, Elzo Rodrigues, Mauro Modesto,
Hugo Conde, Eremildon, etc. O Grupo da Madrugada se reunia em diversos bares de
Rio Branco. Inicialmente no Casarão, depois no Carlinhos Alvorada, no Pelé e
finalmente no Kaxinauá.
Do começo dos
anos 90 para cá, outras mudanças ocorreram, como a invasão dos teclados e a
massificação de certos ritmos e estilos de interesse das grandes gravadoras do
país - como o sertanejo e o pagode - em detrimento da imensa diversidade
musical que caracteriza o Acre e o Brasil. Apesar disso a produção regional de
musica pouco foi alterada, mantendo a diversidade temática e estilística
proposta e implementada na grande década dos festivais e mantida depois nos
bares da vida e nos eventos que esporadicamente continuaram acontecendo em Rio
Branco, tais como: o “Concerto ao Vento”, o “FAMP”, o “Projeto Boca da Noite”,
o “Projeto Pixinguinha”, o “Festival do Amapá”, o BRock, etc.
Os tempos mais
recentes - com o surgimento de diversas novas bandas de rock, samba e outros
estilos no final dos anos 90 e na primeira década do século XXI - são coisas
que ainda estão acontecendo e pertencem, portanto, à história que ainda precisaremos
escrever um dia.
Não posso deixar
passar a oportunidade (necessidade) de saudar e homenagear Jorge Cardoso que nos
deixou essa semana e foi um dos grandes construtores dessa história, empenhando
o melhor de si pelo amor à música, junto com muitos outros que já partiram ou
que ainda estão por aqui.
*Texto publicado
originalmente na Revista Registro Musical, FGB, 1996
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