terça-feira, 14 de agosto de 2012

Breve história da música no (vale do) Acre - VI*

O contexto musical brasileiro e mundial em franca ebulição na passagem dos anos 50 para os 60. A nova geração de músicos acreanos queria tocar o samba, a musica popular e as ultimas novidades: a bossa-nova e o rock’n roll, sem ter que restringir-se somente às valsas, marchas e dobrados.


Nesse contexto começaram a ser formados novos conjuntos musicais melhor estruturados, superando a prática muito espontânea, mas pouco organizada dos conjuntos de pau e corda. Eram os conjuntos “modernos” ou “eletrônicos”, como foram classificados por Sandoval do Anjos em sua “História da Musica”, por incorporar instrumentos elétricos como guitarras e baixos.

O “Bossa-ritmo” foi o primeiro desses conjuntos que, formado em meados da década de 60, tinha a preocupação central de renovar a musica que se tocava nos clubes, através da incorporação do movimento bossanovista, dos Beatles e da Jovem Guarda. Até mesmo alguns integrantes da “Furiosa” (como também era chamada a Banda da Guarda Territorial) adaptaram-se à nova situação, como Elias Ribeiro, o Mestre Elias, que formou com seus filhos o “Quinteto de Ouro”, que possuía um repertório de sambas e chorinhos. Aliás, o caráter familiar dos conjuntos “modernos” foi uma característica marcante do movimento musical desse período. O Bossa-ritmo, que obteve grande sucesso nos bailes promovidos nos salões do Rio Branco Futebol Clube, foi desfeito devido à saída dos irmãos Mansour para a formação do conjunto “Os Bárbaros”, que a partir de 1966 animava as noites do Juventus. Logo a seguir surgiu ainda outro conjunto de grande importância na época: eram “Os Mugs”. 

O Bossa Ritmo

O novo movimento musical de Rio Branco passou então a ser dominado pelos “Os Bárbaros” e “Os Mugs” que dando vazão às necessidades musicais dos filhos da classe média urbana que os comparavam aos “Beatles” e aos “Roling Stones” e frequentavam os bailes do Juventus e do Rio Branco, bem como os jogos de futebol entre os mesmos dois clubes. Depois disso a Banda da Guarda nunca mais recuperaria a mesma pujança social que tivera outrora, embora continuasse a existir e a atuar em Rio Branco e no interior.
A segunda metade da década de 60, portanto, possibilitou a reunião de todos os elementos necessários para promover uma verdadeira revolução musical no Acre.

Mais do que nunca a ligação do Acre com o Rio de Janeiro viu-se fortalecida. Foi Chico Pop quem nos mostrou a incrível rapidez com que as coisas aconteciam no Rio de Janeiro e já se ficava sabendo no Acre. A Bossa Nova de Vinicius de Morais, Tom Jobim e Nara Leão já havia sido então firmemente incorporada nas apresentações de João Donato na Tentâmen, onde ele tinha a ousadia de tocar arranjos complexos e jazzisticos no acordeon, revelando todo o talento que mais tarde garantiriam para ele um papel de destaque no panorama musical brasileiro e internacional. Os programas de calouros das rádios continuavam sendo irradiados ao vivo, nas manhãs de domingo, para todo o Acre, enquanto que “Os Bárbaros” e “Os Mugs” davam maior vitalidade aos bailes do clubes através da radical modificação do repertório tocado nessas ocasiões. Esses fatores, impulsionados pelas novas tendências musicais surgidas no Brasil e no mundo e divulgadas através dos famosos festivais da TV Excelsior, Record e Tupi, conduziam os jovens músicos por caminhos nunca antes trilhados: a jovem guarda, a musica de protesto provocada pelo golpe militar de 64 e o tropicalismo.

A consequência mais imediata e evidente de toda essa movimentação foi a realização, em 1969, do primeiro festival de Rio Branco. Este antológico festival, organizado pelo jornalista Elzo Rodrigues, realizou-se no Cine Rio Branco e foi disputado por nada menos que 162 musicas, demonstrando o tamanho de sua repercussão. Memorável, inclusive por isso, o festival acabou em uma grande confusão provocada pela controvérsia que cercou a musica vencedora, já que a preferida do público (leia-se a moçada do Juventus) era a musica de Chico Pop e seu irmão, defendida por uma parte do conjunto “Os Bárbaros”. Essa musica chamada “Do Mundo vou falar” era claramente inspirada pelo sucesso da musica de protesto de Geraldo Vandré “Pra não dizer que não falei das flores” e possuía muito mais apelo à juventude do que o samba-canção de Crescêncio. Mas, se até os festivais do Rio de Janeiro acabavam em confusão e controvérsia, porque teria de ser diferente no Acre?

Apesar da enorme repercussão desse primeiro festival, durante a década de 70 não houve outros festivais de maior expressão. A exceção foi o Festival do CESEME de 1976, que por falta de continuidade não trouxe maiores consequências. Por outro lado, a força com que as informações e as novas tendências afluíam para o Acre, trouxeram a moda das discotecas, das danças que deixavam “o corpo lindo, leve e solto” e marcaram um refluxo no crescimento da MPB. A juventude passou então a estar mais interessada nos bailes sob luz negra, no John Travolta, no “Dancing Days” e na musica do “Disco”. 

Os Bárbaros

Ainda assim, nos anos 70, a produção musical acreana manteve-se através da atividade dos conjuntos “Os Bárbaros”, “Os Mugs” e outros que foram sendo criados, como “Os Signos”. Esses conjuntos continuavam apresentando-se nos clubes Rio Branco, Juventus e Atlético Acreano; bem como, em cidades do interior acreano e até fora do Acre, em cidades como Porto Velho, Manaus e Cuiabá. É claro que nesse momento ocorreu uma certa modificação no repertório, os conjuntos passaram a enfatizar principalmente as musicas da “Jovem Guarda”, do “Eduardo Araújo” e do “Renato e seus Blues Caps”. Aliás, “Os Bárbaros” ainda chegou a gravar um compacto em Manaus, no que foi logo seguido pelo “Os Mugs”, mantendo acesa a disputa que existia entre os dois grupos.

Portanto, a década de 70 foi marcada por certa continuidade de muitos dos eventos que já vinham acontecendo. Exemplo disso eram os programas de auditório do Cine Rio Branco que mantinham um bom nível de popularidade e continuavam atraindo artistas iniciantes do interior do Acre.

Mas, nos anos 70, aconteceram algumas novidades também. Uma delas foi o surgimento das Escolas de Samba em Rio Branco. Motivados pela importância crescente dos desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, alguns dos blocos carnavalescos formados nos bairros da cidade tornaram-se Escolas de Samba. Tanto que já em 1972 começaram a ocorrer acirradas disputas entre a Escola de Samba Unidos da Cadeia Velha, sob o comando de João Aguiar, que tinha chegado a pouco do Rio, e a Escola de Samba Unidos do Bairro Quinze, comandada pelo baiano-carioca Santinho. As disputas, cujo palco principal era a Avenida Getúlio Vargas, durante as festas de Momo, estendiam-se às rádios que executavam as músicas de cada uma das escolas e movimentavam o panorama cultural de Rio Branco.
*Texto publicado originalmente na Revista Registro Musical, FGB, 1996

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