Há pessoas que a gente conhece ao longo de toda uma vida e nunca consegue conhece-la realmente. Por outro lado, há aqueles que bastam um breve contato para que se tenha a mais completa consciência de sua inteireza e retidão. Pois, mais uma vez, o Acre me presenteou com a imensa honra de conhecer um desses homens.
Certo dia, inesperadamente, apareceu lá no mais belo seringal urbano de todo o mundo, o Parque Capitão Ciriaco, jóia preciosa de Rio Branco, uma mocinha muito interessada na história da acreana. Pediu-me para lhe dar uma entrevista e foi com muito prazer que topei falar do pouco que sabia sobre o tema de seu interesse.
Aos poucos, a mocinha foi se soltando e pra minha sorte começou a chover e a ventar bastante, o que provocou, como de praxe, uma falta de energia. O jeito então foi emendar a conversa/entrevista na varanda, bem de acordo com as melhores tradições acreanas. E como a chuva não nos deixaria ir embora mesmo, o fim da entrevista marcou o início de uma outra conversa na qual fiquei sabendo que aquela interessada pesquisadora era a jornalista Jannice Dantas, minha parceira, já que também é colunista/colaboradora deste jornal.
Conforme ela ia ganhando confiança foi que fiquei sabendo que ela sobrinha-neta (se não me falha a memória) do ex-governador Wanderlei Dantas e o que se seguiu então foi completamente surpreendente para mim. Jannice começou a desfiar uma interpretação inteiramente diferente de tudo que havia ouvido antes sobre o governo do Dantinha. Um governante que tantas vezes tem sido demonizado pela nossa história como aquele que trouxe os pecuaristas e madeireiros para o Acre e assim teria provocado aquele turbilhão de acontecimentos trágicos que resultou numa guerra entre os povos da floresta e os “paulistas” que nos invadiam.
Repentinamente passei de entrevistado a entrevistador. Surpreso por uma nova e distinta interpretação acerca do papel desempenhado por Dantinha, no contexto da Ditadura Militar, como um tema que merece uma maior atenção e novas interpretações menos pressionadas por contextos ideológicos e mais preocupada com as profundas motivações sociais dos diferentes fenômenos políticos que atingiram o Acre nos últimos cinqüenta anos. Mas, esse é um outro assunto e merece um miolo de pote exclusivamente sobre ele.
O certo é que nesta inesperada conversa ao pé da varanda, há meia luz do entardecer chuvoso, ouvi muitas e importantes histórias, dentre as quais, uma outra que me chamou especial atenção. Essa dizia respeito ao avô de Jannice, o Sr José Higino, acreano de Tarauacá. E tamanha foi a admiração que Jannice revelou em sua breve fala que fui tomado pela necessidade de conhecê-lo o mais breve possível.
Felizmente, a oportunidade não se fez esperar. Logo me encontrava, por arte de uma dessas inesperadas tramóias do destino, diante daquele antigo acreano. E não posso aqui me esquivar de descrever, ainda que sucintamente, a forte impressão que o Sr. José Higino me causou logo à primeira vista. Tratava-se de um homem alto, esguio, de gestos elegantes, voz grave e pausada de um jeito muito especial e singular. Diria mesmo que se tratava de um cavaleiro andante daqueles das histórias das cruzadas. Mas, diferente do famoso cavaleiro da triste figura, Dom Quixote de La Mancha, que se tornou famoso por seus delírios e fantasias, Seu José Higino, na verdade, exalava grande dignidade pessoal associada a uma delicada sensibilidade que inspirava, de imediato, completa confiança.
E foi assim que pude conhecer mais um grande escritor acreano que logo me presenteou com um exemplar de seu extraordinário livro “A luta contra os astros”. Emocionante saga familiar ambientada em uma Tarauacá que não mais existe, a não ser na memória dos mais antigos, com seus característicos personagens, ruas, usos, costumes, lendas urbanas e florestais. Um livro que li daquele jeito, num só fôlego, e que se inscreve exemplarmente na melhor das tradições da literatura épica/trágica que tão fortemente caracteriza os romances amazônicos desde há mais de um século.
Mas um livro ainda mais importante porque descreve com grande propriedade e qualidade literária a luta de um jovem acreano que, contra todas as circunstancias de uma vida sofrida e difícil no longínquo e tutelado Território Federal do Acre, insistiu em seguir o que dizia seu próprio coração. Assim, não foi muito difícil perceber que em grande medida, aquele romance era em grande parte autobiográfico e dessa forma capaz de revelar a fonte e a força de toda a dignidade que se podia ler nos olhos límpidos de Seu José Higino.
Pronto, foi o bastante para que eu me tornasse mais um dos fãs deste homem que em nossos breves e poucos encontros (muitos menos do que eu gostaria, na verdade) me ensinou lições fundamentais para toda a vida, que eu espero estar à altura de honrar. Dentre as quais, quero destacar ao menos uma. É que Seu José Higino passou por tantas, tão grandes e importantes funções ao longo de sua vida, que se pode dizer, sem medo de errar, que ele soube dar uma contribuição inestimável e incomensurável à formação da sociedade acreana, sobre as quais não vou repetir o que os jornais locais já escreveram ao longo da semana. Mas, pra mim, os moinhos de vento de Seu José Higino, verdadeiro cavaleiro de digna figura, eram de outra natureza. Eles não eram feitos de ilusão e de vaidade, mas antes de inteireza de princípios e de caráter. Não por coincidência, exatamente o que vi nos olhos da Jannice na primeira vez em que ela me falou sobre ele.
Às vezes é melhor abdicar de tentar explicar certos sentimentos e sentidos e apenas ouvir o que nos diz aquela bela e inesperada canção.
“Tua verdade fazendo história (...)
Tua ausência fazendo silêncio
em todo lugar(...)
Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você”
O Teatro Mágico
Em Tempo
E já que o tema central do artigo de hoje, ainda que pesaroso, é, de certa forma, uma homenagem à vida e à dignidade acreanas. E graças também ao fato de que nem tudo nessa vida são tristezas, graças a Deus, não posso deixar de registrar aqui que, neste fim de semana, Xapuri está em festa. É que completou 80 anos a Dona Euri, matriarca do clã Figueiredo, um dos mais tradicionais da antiga Princesinha do Acre. Um clã do qual faz parte a doce e guerreira Eurilinda que nos últimos anos tem sido uma grande e fundamental companheira de lutas no complexo campo/ofício da gestão cultural. Por isso quero publicamente estender minhas homenagens não só à Dona Euri, mas à toda sua família e à própria Xapuri, que assim confirma seu singular destino de gerar filhas e filhos iluminados e muito importantes para todo o Acre. E, ao mesmo tempo constatar, enternecido, que mais uma vez se cumpre a sina e a felicidade acreanas de ter como seus esteios fundamentais grandes mulheres. Sem dúvida nenhuma: Abençoado é o Acre... da Rainha o Reinado.
Querido Marcos Vinícius, venho divulgar o meu recém-inaugurado blog que, entre outras funções, buscará resgatar a história de meu pai, o ex-Governador Francisco Wanderley Dantas. Quero através de um trabalho de pesquisa e da ajuda de amigos, testemunhas e da minha família trazer a história do Acre e daquele tempo. Assim, certo do valor histórico e cultural para o Estado do Acre, venho convidá-lo a prestigiar e divulgar meu trabalho, que realizo ao lado da minha mãe, Leila Dantas.
ResponderExcluirCerto de contar com o apoio, deixo abaixo o link da 1ª postagem:
30 anos sem meu pai - A história de uma ausência!
http://o-seringueiro.blogspot.com.br/2012/05/30-anos-sem-meu-pai-historia-de-uma.html
Abraços!
Prof. Wanderley Dantas.
PS - Parabéns a Janice Dantas pelo empreendimento. Até agora não consegui entrar em contato direto com ela, se for possível fazer com que ela também tome conhecimento do meu blog, ficaria agradecido.