domingo, 24 de outubro de 2010

Uma cidade em guerra*

Nesta ultima sexta-feira, 15 de outubro, um importante acontecimento da história acreana passou incólume, sem que quase ninguém dele se lembrasse. Mas sou capaz de apostar que ao menos o pessoal da nossa romântica “Confraria da Revolução” lembrou, porque essa é a natureza da memória, se alguém lembra, isso, por si só, já é suficiente para tornar qualquer acontecimento história.
As primeiras chuvas de outubro chegaram, como chegam todos os anos às margens dos rios acreanos, e encontraram uma terra varrida por tempos de guerra. A ameaça do domínio estrangeiro agora era uma realidade. O sangue tingia as águas que anunciavam o inicio do inverno amazônico. Na cidade, que mais tarde seria conhecida como Rio Branco, a população assistia atemorizada ao primeiro grande combate do exército formado por centenas de seringueiros e o exército regular boliviano. O resultado deste combate iria determinar os rumos da guerra e do próprio Acre daí por diante.

15 de outubro de 1902. Fazia 11 dias desde que começaram as lutas na Volta da Empreza. Agora, não se tratava mais de simples emboscadas nos varadouros e barrancos do Acre. Dessa vez era guerra de verdade. Os militares bolivianos haviam derrotado - pouco menos de um mês antes, em 18 de setembro - os mal armados e mal treinados seringueiros-soldados de Plácido de Castro, que se constituíam ainda num arremedo de exército. Com isso, a Volta da Empreza (Rio Branco) se tornou domínio boliviano e junto com Puerto Alonso (Porto Acre) passou a se constituir numa de suas praças fortes.
Era preciso reagir logo uma vez que a notícia da derrota havia se espalhado rapidamente pelos rios acreanos e poderia levar seringalistas e seringueiros a desmobilização, pondo fim à recém iniciada Revolução. Por isso, o comando revolucionário do exército acreano, reunindo cerca de trezentos homens, decidiu atacar o inimigo ainda no dia 05 de outubro.
A inferioridade numérica dos bolivianos, que não passavam de 180, era compensada pela presença de extensas trincheiras e pelo alambrado que protegiam o acampamento principal boliviano. Isso tornou a luta muito penosa. Os acreanos não podiam atacar diretamente as fortificações, sob pena de serem fragorosamente derrotados. A única forma de conquistar as trincheiras inimigas seria escavando trincheiras que em zigue-zague, lentamente se aproximavam das posições bolivianas.
Foram dias terríveis para ambos os lados em luta. Os mortos que tombavam nas trincheiras não podiam ser removidos por causa das balas que a todo o momento cortavam o ar pesado do campo de batalha. Logo a decomposição dos corpos tornou a permanência dentro das trincheiras, meio alagada pela chuva, insuportável.
Porém, a cada dia, a vitória acreana ficava mais evidente. O grande temor boliviano era de que o boato que circulava nas linhas de combate fosse verdadeiro. Dizia-se que os acreanos, cujas posições estavam a apenas seis metros da ultima linha de trincheiras bolivianas estavam prestes a executar o ataque final, onde não utilizariam armas de fogo, mas tão somente armas brancas. E não havia boliviano que não conhecesse a terrível fama das peixeiras dos cearenses, que eram manejados com extrema destreza e, em tempos de guerra, crueldade.
Diante disso tudo, no dia 15 de outubro, o Coronel Rozendo Rojas, comandante das forças bolivianas, finalmente se decidiu pela rendição.
Assim, a velha Volta da Empresa, hoje Rio Branco, voltou a pertencer aos acreanos, para nunca mais voltar a ficar sob domínio boliviano. Esta foi a primeira grande vitória do exército revolucionário acreano, justamente naquela que viria se tornar a maior e mais importante cidade acreana, a futura capital do Acre e centro do desenvolvimento regional de toda a Amazônia Ocidental... Coincidências... Apenas coincidências e reminiscências de um tempo já muito longínquo...
* Adaptado de artigo publicado no Jornal Estado do Acre, em 15 de outubro de 2001.

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