Nessa semana os soldados da borracha foram inscritos no Panteão da
Pátria e da Liberdade como heróis brasileiros. Coincidentemente está em Rio
Branco a equipe do cineasta Wolney Oliveira que está produzindo um documentário
de longa metragem sobre a história daqueles que deixaram o sertão nordestino
para fazer a Amazônia sob promessas que nunca foram cumpridas.
Durante a segunda grande guerra mundial, em fins
de 1941, nenhuma matéria prima tinha situação mais preocupante do que a da
borracha, cujas reservas estavam tão baixas que o governo americano se viu
obrigado a tomar uma série de duras medidas internas. Toda a borracha
disponível deveria ser utilizada somente pela maquina de guerra. E a entrada do
Japão no conflito, a partir do ataque de Pearl Harbour, significou o bloqueio
definitivo dos produtores de borracha.
Foi essa seqüência de acontecimentos, ocorridos em
sua maioria no hemisfério norte ou do outro lado do Oceano Pacífico, que deu
origem no Brasil à quase desconhecida Batalha da Borracha. Uma história de
imensos sacrifícios para milhares de brasileiros mandados para os seringais
amazônicos em nome da grande guerra que conflagrava o mundo civilizado.
Quando a
extensão da guerra ao Pacífico e ao Indico, interrompeu o fornecimento da
borracha asiática as autoridades norte-americanas entraram em pânico. As
atenções do governo americano se voltaram então para a Amazônia. Entretanto,
nessa época, só havia na região cerca de 35.000 seringueiros em atividade com
uma produção de 16.000-17.000 toneladas na safra de 1940-41.
Para alcançar esse objetivo foram estabelecidos os
Acordos de Washington através dos quais o governo americano financiaria a
produção de borracha amazônica, enquanto ao governo brasileiro caberia o
encaminhar milhares de trabalhadores para os seringais. Para o governo
brasileiro era juntar a fome com a vontade de comer, literalmente. Somente em
Fortaleza cerca de 30.000 flagelados da seca de 41-42 estavam disponíveis para
serem enviados imediatamente para os seringais.
Em todas as regiões do Brasil aliciadores tratavam
de convencer trabalhadores a se alistar como soldados da borracha para auxiliar
na vitória aliada. O artista suíço Chabloz foi contratado para produzir
material de divulgação acerca da “realidade” que os esperava. Nos cartazes
coloridos os seringueiros apareciam recolhendo baldes de látex que escorria
como água de grossas seringueiras. O bordão “Borracha para a Vitória” tornou-se
o emblema da mobilização realizada por todo o nordeste.
Histórias de enriquecimento fácil circulavam de
boca em boca. “Na Amazônia se junta dinheiro com rodo”. Os velhos mitos do
Eldorado amazônico voltavam a ganhar força no imaginário popular. O paraíso
perdido, a terra da fartura e da promissão, onde a floresta era sempre verde e
a seca desconhecida. Quando nem todas as promessas e quimeras funcionavam,
sempre restava o bom e velho recrutamento forçado de jovens. A muitas famílias
do sertão nordestino foram dadas somente duas opções: ou seus filhos partiam
para os seringais como soldados da borracha ou então deveriam seguir para o
front lutar contra os italianos e alemães. Muitos preferiram a Amazônia.
A partir do Maranhão não havia um fluxo organizado
de encaminhamento de trabalhadores para os seringais. A maioria dos alojamentos
que recebiam os imigrantes em transito eram verdadeiros campos de concentração
onde as péssimas condições de alimentação e higiene acabavam com a saúde dos
trabalhadores antes mesmo que fizessem o primeiro corte nas seringueiras.
Muitos alojamentos foram construídos em lugares
infestados pela malária, febre amarela e icterícia. A desordem era tanta que
muitos abandonaram os alojamentos e passaram a perambular pelas ruas de Manaus
e outras cidades buscando um modo de retornar a sua terra de origem.
Os que conseguiam efetivamente chegar aos
seringais já sabiam que, desde o momento em que era escolhido e embarcado para
o seringal, o brabo já começava a acumular uma divida com o patrão. Cedo os
soldados da borracha descobriam que no seringal a palavra do patrão era a lei e
a lógica daquela guerra e por isso os seringueiros não podiam abandonar o
seringal enquanto não saldassem suas dividas com o patrão.
Ainda assim o crescimento da produção de borracha
na Amazônia nesse período foi infinitamente menor do que o esperado. E tão logo
a Guerra Mundial chegou ao fim, no ano seguinte, os Estados Unidos se
apressaram em cancelar todos os acordos referentes à produção de borracha
amazônica. Afinal de contas, o acesso às regiões produtoras do sudeste asiático
estava novamente aberto e o mercado internacional logo se normalizaria.
Era o fim da Batalha da Borracha, mas não da
guerra travada pelos soldados dela. Muitos, sequer foram avisados que a guerra
tinha terminado, só vindo a descobrir isso anos depois. Alguns voltaram para
suas regiões de origem. Outros conseguiram criar raízes na floresta e ali
construir suas vidas. Poucos, muito poucos, conseguiram tirar algum proveito
econômico dessa batalha incompreensível, aparentemente sem armas, sem tiros,
mas com tantas vítimas.
Cerca de 60.000 pessoas foram enviadas para os seringais amazônicos entre 1942 e 1945 para a Batalha da Borracha. Desse total quase a metade acabou morrendo em razão das péssimas condições de transporte, alojamento e alimentação durante a viagem. Enquanto que dos 20.000 brasileiros que lutaram na Itália morreram somente 454 combatentes. Apesar disso, com a mesma intensidade com que os pracinhas foram recebidos triunfalmente pela sociedade brasileira, após o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, os soldados da borracha foram incompreensivelmente abandonados e esquecidos.
Apesar de todos os acordos e promessas só a partir
da Constituição de 1988, mais de quarenta anos depois do fim da Guerra Mundial,
os soldados da borracha passaram a receber uma pensão dez vezes menor que a
pensão recebida por aqueles que foram lutar na Itália. Um capítulo obscuro e
sem glórias de nossa história que só permanece vivo na memória e no abandono
dos últimos soldados da borracha.
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