sábado, 3 de dezembro de 2011

Rosalina (1ª Parte)*


Semana passada o mestre-jornalista Elson Martins me lembrou de uma data que eu não gostaria de deixar passar em branco. Disse-me que no dia 25 de novembro passado completaram-se 70 anos desde a morte da Professora Rosalina da Silveira. Um crime incompreensível que contei há alguns anos atrás na Revista Outras Palavras e que, mesmo tendo sido censurado por isso, arrisco trazer de volta pra esta coluna.

“Não existiria som se não houvesse o silêncio.
Não haveria luz se não fosse a escuridão.
A vida é mesmo assim, dia e noite, não e sim.
Cada voz que canta o amor,
não diz tudo que quer dizer
Tudo que cala fala mais alto ao coração.
Silenciosamente eu te falo com paixão.
Eu te amo calado (...)”
Lulu Santos**


Existem acontecimentos que se perdem no pó dos tempos tão logo tenham passado. Outros ficam pra sempre gravados na memória de homens e mulheres, dos que estiveram presentes ou não, dos que cantam e dos que ouvem. Surgem assim, nas ruas e esquinas das cidades, vozes que não calam, anônimas, coletivas, fugidias, longínquas. Qual seria o segredo das histórias que ficam e das que desaparecem? Eu não sei! Só sei que esta é uma daquelas histórias que se contam em voz baixa e grave, mas que nunca consegui esquecer...


Penitenciária Ministro Vicente Rao, atual prédio da Prefeitura Municipal de Rio Branco.


Quando Hugo Carneiro construiu, em meados dos anos 20, o quartel da Força Policial do Território do Acre (no mesmo lugar onde está até hoje o quartel da PM) começou a levantar também a Penitenciária bem ao lado (o mesmo prédio que foi transformado no Hotel Chuí e depois na atual sede da Prefeitura de Rio Branco) e que só foi concluído alguns anos depois pelo Governador Epaminondas Martins. Atrás da Penitenciária Ministro Vicente Rao ficava o pátio onde os presos todos os dias tomavam banho de sol. Como se esse pátio não era cercado de muro, mas por um forte alambrado de arame, Lázaro podia ver quando Rosalina saía de casa para ir às compras, e não conseguia evitar que fortes sensações tomassem conte de seu coração tão rude e calejado. Logo ele que era temido pelos outros presos devido a sua fama de valentia e frieza, se via tomado por um estranho calor e ternura sempre que via a bela Rosalina. Como não podia evitar esses sentimentos Lázaro tratava de ao menos ocultá-los. Tinha vergonha porque o que sentia por Rosalina não era o desejo carnal que conhecera por outras mulheres, mas algo que o enchia de pensamentos e sonhos incompreensíveis.
Realmente, a jovem professora Rosalina era conhecida, não tanto por sua beleza, mas por uma simpática alegria que contagiava a todos os que se aproximassem dela. Ninguém conseguia ficar triste diante daquele sorriso que parecia acender o dia. Para todos os que a encontravam Rosalina tinha palavras e olhares carinhosos. Era bom estar perto daquela moça simples e humilde que apenas começava a tomar ares de mulher.
Lázaro nunca se iludiu ou cultivou a esperança de um dia poder dizer pra Rosalina tudo que se passava dentro dele. Até que numa certa ocasião, num belo dia de sol, ao sair de sua casa e passar ao lado do pátio dos fundos da penitenciaria, Rosalina levantou a cabeça descuidadamente e viu Lázaro que a olhava fixamente. Nesse momento o coração de Lázaro se perdeu num louco carrossel de pensamentos e sentimentos confusos. Poderia ele almejar o amor de tão singela criatura? Seria possível esquecer todo seu passado de sofrimento e crimes para ser feliz ao lado daquela linda mulher que o fazia tão insensato quanto um menino sonhador que acredita que o impossível não existe? Enquanto tudo isso se passava como um raio pela cabeça de Lázaro, Rosalina desapareceu descendo a rua em direção a escola.

Serviços de terraplanagem para a construção da Praça Rodrigues Alves, década de 40, Relatório do governador Luís Silvestre G. Coelho


Naquela noite Lázaro não dormiu. Não conseguia parar de pensar em Rosalina. Imaginava-se beijando aqueles lábios, abraçando aquele corpo macio e tendo direito a uma vida simples, com casa, filhos e cachorros no quintal. No fundo só queria mesmo a aurora de outro dia pra poder ver novamente a luz daqueles olhos. Foi uma longa noite de insone de sonhos. Logo pela manhã, por uma estranha armadilha do destino, Lázaro recebeu a visita de Praxedes, o único que lhe procurava prisão, já que ele não tinha mais ninguém neste Acre de meu Deus. Não suportando mais tantos desejos e sonhos lhe sufocando o coração, Lázaro contou para Praxedes sobre seu amor por Rosalina, que a tudo ouvia atordoado e incrédulo...

*Texto publicado na coluna “Histórias das Margens”, Revista “Outras Palavras”, n. 17, julho de 2002.
** Pra quem não se lembra ou não chegou a ver, esclareço que os artigos da coluna “Histórias das Margens” sempre começavam com um trecho de música que tentava induzir o leitor a um certo tom e ritmo para a leitura dos textos (Por isso sugiro que antes de ler, se cante a musica citada).

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