segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Rosalina (3ª Parte)*

Qual seria o segredo das histórias que ficam e das que desaparecem? Eu não sei! Só sei que esta é uma daquelas histórias que se contam em voz baixa e grave, mas que nunca consegui esquecer...

“Não existiria som se não houvesse o silêncio.
Não haveria luz se não fosse a escuridão.
Silenciosamente eu te falo com paixão.
Eu te amo calado (...)”
Lulu Santos

(...)Nesses tempos felizes, Rosalina freqüentava os filmes que eram exibidos no Cine-teatro Recreio e suspirava como todas as suas amigas pelos galãs de cinema. (...)Bem poderia aspirar a um ótimo casamento. Principalmente se fosse com um desses moços bonitos e bem vestidos que não paravam de chegar e que faziam mocinhas reunidas para um sorvete nas mesas do Pavilhão Acreano, rir e corar nervosamente.

Não demorou muito para que finalmente o coração de Rosalina balançasse por um desses interessantes homens desconhecidos. Coube a um piloto de avião que vinha regularmente ao Acre a sorte de despertar o amor de Rosalina e dela se enamorar tão profundamente que não tardaria a lhe propor casamento. Quando Praxedes soube da notícia do eminente casamento de Rosalina se desesperou. Até aqui o acaso lhe beneficiara e nunca mais Lázaro tinha encontrado Rosalina na rua enquanto prestava serviços forçados na limpeza das vias públicos. Por isso Praxedes havia conseguido manter sua farsa de falsas cartas trocadas. Lázaro, com sua rude inocência, acreditava quando a falsa Rosalina lhe escrevia dizendo que também simpatizava com ele, mas que não poderia lhe falar, ou sequer lhe dirigir o olhar, porque sua mãe nunca permitiria tal coisa.
Mas ela não disse que não gosta de mim, pensava Lázaro, sem desconfiar que tudo não passava de uma mentira de seu igualmente apaixonado amigo jornalista. Por isso, tão logo soube da notícia do casamento de Rosalina, que segundo alguns já tinha até comprado o vestido de noiva, Praxedes decidiu escrever aquela que seria sua última carta falsamente assinada por Rosalina. Nela contou para Lázaro que um súbito amor teria arrebatado seu coração e que por isso não poderia mais escrever para aquele que agora julgava ser seu melhor amigo. Pedia ainda ao Lázaro que àquele amor tão belamente confessado nas cartas anteriores se voltasse para sua recuperação, já que um dia ele sairia da prisão e teria então uma nova chance de encontrar alguém que o merecesse mais que ela.


Lázaro ficou transtornado ao ler a carta de despedida daquela que havia se tornado a razão de sua vida. Gritou com toda força de seus pulmões que a mataria e que nunca poderia permitir que ela pertencesse a outro homem. Praxedes, assustado, tentou acalmar a fúria cega que havia aflorado de Lázaro e temeu pelo pior. Mas era tarde, o mal estava feito e agora era rezar para que o tempo cuidasse de aplacar as dores de seus corações partidos.
Porém, mais uma vez o destino foi ingrato e levou a um encontro que nunca deveria ter acontecido. Exatamente no dia seguinte da malfadada carta de despedida da falsa Rosalina, Lázaro foi posto junto com outros presos para roçar o capim da rua onde ficava a casa da mãe da simpática professora. Lázaro chegou a pensar que era uma coisa de Deus aquela oportunidade de se vingar da mulher que parecia tão meiga e fraternal, mas que na verdade o havia usado e agora estava jogando-o fora como se fosse um brinquedo velho e quebrado. Lázaro estava tão cego pelo ódio que quase não percebeu quando Rosalina saiu da casa de sua mãe para ir à escola, como fazia todos os dias. Ao vê-la tão serena depois de ter escrito aquelas monstruosidades na carta do dia anterior, Lázaro sentiu seu ódio aumentar a um ponto insuportável e apertou com força o cabo do terçado com que cortava o capim da rua.

Todos os outros presos que trabalhavam junto com Lázaro sentiram o peso que pairava no ar e interromperam automaticamente seu trabalho ao ver aquele homem que transpirava ódio no meio do pó da rua. Rosalina também sentiu que havia alguma coisa errada e olhando para a frente viu aquele homem estranho vindo em sua direção. Sorrindo como sempre, apesar de se sentir inexplicavelmente nervosa Rosalina ainda tentou perguntar o que afligia aquele homem evidentemente tão abalado, mas não conseguiu articular a frase que lhe escapava dos lábios. Só teve tempo de ver o brilho da lâmina do terçado que cortou violentamente o ar para se cravar em seu coração.
A sombra que emanava dos olhos daquele homem mergulhado em raiva e rancor tomou conta do corpo de Rosalina que caiu inerte no chão. Imediatamente todos os outros presos pularam sobre Lázaro e impediram-no de se matar, consumando o que ele mais desejava então, morrer junto com sua amada Rosa1ina.
O que aconteceu com o Praxedes, depois desse dia terrível, não se sabe ao certo. Mesmo o fim de Lázaro é desconhecido. Enquanto alguns dizem que ele se matou, outros contam que ele apareceu morto exatamente no dia em que teria chegado uma ordem do Supremo Tribunal para soltá-lo. Não são poucos os que contam ter visto espíritos atormentados vagando no meio da noite pelos corredores do prédio da Prefeitura de Rio Branco, a antiga penitenciária.
O certo é que o túmulo da professora Rosalina sempre foi um dos mais visitados do cemitério São João Batista e muitas são as pessoas que lhe fazem promessas e dizem ter recebido dela as graças pedidas.

* Texto publicado na revista Outras Palavras, n. 17, julho de 2002.

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