sábado, 10 de dezembro de 2011

Rosalina (2ª Parte)*

Existem acontecimentos que se perdem no pó dos tempos. Outros ficam pra sempre gravados na memória de homens e mulheres. Surgem assim, nas ruas e esquinas das cidades, vozes que não se calam, anônimas, coletivas, fugidias, longínquas. Qual seria o segredo das histórias que permanecem?

“A vida é mesmo assim,
dia e noite, não e sim.
Cada voz que canta o amor,
não diz tudo que quer dizer.”
Lulu Santos


(...)Foi uma longa noite de insone de sonhos. Logo pela manhã, por uma estranha armadilha do destino, Lázaro recebeu a visita de Praxedes, o único que lhe procurava prisão já que ele não tinha mais ninguém neste Acre de meu Deus. Não suportando mais tantos desejos e sonhos lhe sufocando o coração, Lázaro contou para Praxedes sobre seu amor por Rosalina, que a tudo ouvia atordoado e incrédulo.

Nunca antes Praxedes, um jornalista que havia coberto o crime cometido por Lázaro e desde então se aproximara dele, havia visto seu contido amigo tão animado, tão vivo e feliz. Pelo contrário, mesmo sendo Praxedes o único que parecia perceber o homem que havia por trás da rudeza aparente de Lázaro, durante as poucas conversas dos dois, havia sempre um bloqueio, uma parede imposta por Lázaro, que impedia o jornalista de compreender os verdadeiros motivos daquele homem embrutecido e condenado pela sociedade.
Mesmo ao tentar chamar Lázaro à realidade mostrando-lhe que Rosalina nunca poderia ser sua, Praxedes foi de certa forma contagiado por aquela fervorosa paixão e vislumbrou por um breve momento a possibilidade de ver seu amigo voltar a vida. E num momento de absoluta insensatez prometeu a Lázaro que escreveria uma carta para Rosalina em seu nome. Se por acaso houvesse qualquer chance de correspondência de seu amor essa seria a melhor e mais correta forma de saber.
A partir desse dia foi como se Praxedes tivesse descoberto, também ele, um motivo para esperar cada novo dia. O hábil jornalista procurou se informar sobre a Professorinha Rosalina, seus hábitos, suas ocupações, seus gostos e preferências. Passou então a procurar vê-la na praça e a esperar a hora em que ela costumava sair da escola para subir a poeirenta Avenida Getulio Vargas até a casa de sua mãe. Logo percebeu, ele também, o encanto extraordinário de seu inocente sorriso.


Vista da Avenida Getúlio Vargas, início da década de 40, Relatório do governador Luís Silvestre G. Coelho

Ao sentar para cumprir sua promessa Praxedes viu frases cheias de amor e apaixonada poesia se sucederem rápidas e fluidas pelas folhas de papel. A imagem de Rosalina não saía de suas retinas e lhe perturbavam a alma. Num sobressalto, Praxedes viu que, ele também, estava sucumbindo à força daquela, aparentemente, frágil e doce menina e pôs-se a chorar. Sentiu o peso de sua vida perdida entre ruas sujas e manchetes de jornal e suas lágrimas molharam o papel da carta que ele escrevia por Lázaro.
Mas ele nunca havia pensado realmente em mandar carta nenhuma para Rosalina. Por isso, depois de mostrá-la para Lázaro, Praxedes a guardou com carinho, apesar de garantir a seu amigo que a enviaria. Conforme se passavam os dias sem resposta de Rosalina, Lázaro entristecia e se apagava cada vez mais. Os dias nublados do inverno chuvoso pareciam colaborar com a tristeza do prisioneiro que ansioso esperava ver através do alambrado da Penitenciária um rápido vislumbre que fosse de sua amada.
O jornalista começou a ficar preocupado com o que Lázaro poderia fazer. Talvez até decidisse por fim à própria vida diante de tamanha desilusão. Foi quando Praxedes cometeu seu segundo e pior erro. Em parte por causa da tristeza de Lázaro e em parte por causa de sua própria paixão por Rosalina. Decidiu responder em nome da professorinha a carta que, na verdade, nunca havia enviado. Assim ele iria animar Lázaro e, ao mesmo tempo, poderia escrever outras cartas de amor para sua terna Rosalina, antes de fechá-las num envelope e guardá-las para sempre na gaveta. Esse deveria ser um segredo só deles.
Assim, rapidamente se passaram as semanas enquanto aqueles dois homens apaixonados mandavam e recebiam cartas de uma Rosalina que só existia em seus sonhos...
Indiferente a isso tudo, a Rosalina de verdade, dona daquela peculiar beleza cabocla das mulheres acreanas, tocava sua vida como qualquer outra moça de sua idade. Ainda mais porque os anos 40, que estavam só começando, se revelavam como tempos extremamente movimentados. A Grande Guerra estourou na Europa e as rádios e pessoas não comentavam outro assunto. A borracha subiu rapidamente de preço e trouxe uma súbita e bem-vinda prosperidade como há muito não se via. Os entendidos nas coisas dos mercados internacionais diziam que isso era só o começo e a borracha ainda iria subir muito mais até o fim da Segunda Guerra Mundial. Bons ventos sopravam no Acre que parecia novamente renascer graças ao velho e bom ouro negro de outrora.

Grupo Escolar Sete de Setembro onde a Profª. Rosalina trrabalhava (no local do atual Palácio das Secretarias), Relatório de Hugo Carneiro, 1929.


Nesses tempos felizes, Rosalina freqüentava os filmes que eram exibidos no Cine-teatro Recreio e suspirava como todas as suas amigas pelos galãs de cinema. Nova, boa professora e simpática como só ela sabia ser, Rosalina bem poderia aspirar a um ótimo casamento. Principalmente se fosse com um desses moços bonitos e bem vestidos que não paravam de chegar e que faziam as mocinhas reunidas para um sorvete nas mesas do Pavilhão Acreano, rir e corar nervosamente.

*Texto publicado originalmente na coluna “Histórias das Margens”, Revista “Outras Palavras”, n. 17, julho de 2002.

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