sábado, 26 de novembro de 2011
Histórias em Dó Maior*
Como nas duas ultimas semanas publiquei artigos sobre integrantes da Banda da Guarda Territorial, atual Policia Militar, para completar nosso cenário, hoje trago recortes de jornais e livros que retratam parte da história musical acreana ao longo dos tempos.
“Do acampamento boliviano alguém grita em português: ‘Abílio faz o favor de tocar tua flauta’. E Abílio ‘le obsequia con La Siciliana, ejecutada com maestria y sentimiento musical y excuchada por ambos os contendores con silencioso recogimiento’. Logo mais, a melodia sentimental de Abílio é substituída pela musica sibilante das armas.” (Assim Leandro Tocantins descreveu um dos mais notórios episódios ocorridos durante o combate de Porto Acre, em janeiro de 1903, através do qual se evidencia que éramos inimigos, pero no mucho; in Formação Histórica do Acre, 1979:157)
“CIUME E... BALA
Na Casa Floquet, á Avenida General Olympio da Silveira, costumam reunir-se á noite alguns rapazes a as poucas mundanas desta Villa em palestras mais ou menos intimas, que degeneram sempre em danças extravagantes e suarentas, ao som de um grammophone cabuloso e impertinente.” (Noticia veiculada no jornal “O Rio Acre” de Rio Branco em 14/02/1909, pag. 4. Qualquer semelhança com a forma como, às vezes, os jornais locais tratam certas ocorrências das madrugadas no Calçadão da Gameleira, é mera coincidência.)
“NOS DOMINIOS DA ARTE DO SILENCIO
A nossa cidade pode ufanar-se do explendido cinematographo que possue. A empreza ‘EDEN’ teve razão quando deu ao seu sympathico centro de diversões a divisa ‘O MUNDO DEANTE DE NÓS’(...)
Para amanhã, domingo está annunciada a bellissima obra dramatica, extrahida da opera do mesmo nome, "A BOHEMIA", de Musset, cujo successo está affirmado.
O film é dividido em 4 apparatosos actos de grande espectaculo, trabalhados pelos artistas da "Comedia Franceza", de Paris.
A orchestra "Voluntarios da Lyra", caprichoso conjunto musical de pau e corda da qual fazem parte os divertidos rapagões Urias Raulino, José Marçal, Nito Moreira, Manoel Ferreira, F.Coringa e João Noleto, tem emprestado ás sessões do "EDEN" apreciavel realce (...)” (Matéria do jornal “A Capital” de Rio Branco, publicada em 06/08/1921, pág. 2, no Cine-Eden que foi mais tarde transformado no nosso Cine-teatro Recreio, onde está rolando nesta semana o Festival Pachamama)
“SOCIEDADE SPORTIVA E DRAMATICA TARAUACAENSE.
“ALMA ACREANA”.
Está sendo ansiosamente esperada pelo publico desta cidade a representação dessa interessante burlêta de costumes regionaes, em 3 actos, da autoria do nosso jovem e talentoso collaborador Dr. José Potyguara da Frota da Silva, qual segundo estamos informados, subirá á luz da ribalta, em premiére, no proximo dia 8 de dezembro (...)
O enredo de “Alma Acreana”, cujo desempenho occupa 25 personagens, desenvolve-se em um dos nossos seringaes, na época actual, e está entremeado com uma linda e adequada partitura de 19 números de musicas inéditas do festejado maestro Mozart Donizetti (...)” (Matéria do jornal “A Reforma” publicado na Cidade Seabra, atual Tarauacá em 30/11/1930, através da qual fiquei sabendo dessa peça legitimamente acreana que desapareceu no tempo e que eu adoraria ver remontada)
“ESTREOU O JAZZ-ORQUESTRA DE ZYD-9
Estreou na noite do dia 27do fluente, com agrado geral, o Jazz-orquestra de ZYD-9, recém chegado de Belém, onde tocava na “Boite Garé” daquela capital, constituindo, provisóriamente, um conjunto com os musicos Raimundo Estácio Neves, Saxofone; Sandoval Teixeira de Araujo, Clarinete; Elias Ribeiro Alves, Banjo, e Mario do Carmo Pires, bateria, ressentindo-se ainda o magnifico conjunto da falta do piston-trompete e do seu pianista, os quais ainda estão viajando com destino a essa cidade.
São todos eles solistas consumados e com um largo e atualizado repertório que irá melhorar, por certo, a programação da Rádio Difusora Acreana, executando os ultimos sucessos musicais em boleros, foxs, sambas, chorinhos, mambos, etc, etc.
Vem assim preencher uma lacuna que se fazia sentir em nossa Rádio Emissora, e a sua estréia do dia 27, sob o comando do locutor Alfredo Mubarac e dirigida pelo Prof. Raimundo Neves constitui-se um verdadeiro sucesso.” (Matéria do jornal “O Acre” de Rio Branco, publicada em 07/10/1951, pág: 3, e que nos faz lembrar o tempo em que a Rádio Difusora estava na vanguarda das artes no Acre.)
“O ESPIRITO DA COISA - DEU NO QUE DEU
A fórmula é simples: coloque num lugar fechado e calorento mais de mil pessoas, sirva bastante bebida alcóolica e coloque prêmios em dinheiro para atiçar a competição. Serve para as lutas de boxe e para a finalíssima do Famp. Deu no que deu. (...)
Mas valeu o trabalho musical de Damião, o espetáculo de Pia e Felipe, a coragem de Francis Mary denunciando a repressão e o esforço dos demais participantes. Agora, rumo ao festival de praia do Amapá, onde quem esquentar a cabeça leva um caldo.” (Trecho da Coluna do Toinho Alves no jornal “O Rio Branco”, publicada em 13/07/1983, quando ainda havia FAMPs e Festivais no Amapá... Bons tempos, apesar de todos os pesares da época.)
* Material extraído, dentre muitas outras notícias de época, da revista “Registro Musical”; Rio Branco, FGB-MinC, 1998; Silvio Margarido, Jorge Nazaré, Danilo de S’Acre e Marcos Vinicius Neves;
domingo, 20 de novembro de 2011
Zeca Torres II
Como estou imerso na III Conferencia Municipal de Cultura e como na semana passada, trouxe pra coluna o texto sobre o Zeca Torres I, achei justo, além de mais prático também, trazer nesta semana o artigo sobre o Zeca II, contraparte popular do outro.
José Evangelista Torres também conhecido como Zeca Torres Pequeno devido a sua pequena estatura e para diferencia-lo do Zeca Torres I (o compositor anterior) que era alto. Além do nome, os dois Zecas Torres tinham mais uma semelhança, o extraordinário talento musical. Mas as coincidências acabam ai. Zeca Torres II tinha um temperamento completamente oposto ao primeiro. Além de adorar uma bebida, seu estilo musical era alegre e popular, onde predominavam sambas e marchas. A todo momento durante essa pesquisa deparávamos com as histórias do Zeca Torres Pequeno. Ou seja, por seu estilo de vida, ele tornou-se um personagem folclórico da musica acreana.
De seus dados biográficos mais específicos, pouco sabemos. Existe uma controvérsia entre as fontes quanto à sua origem. Enquanto duas informações nos dão conta de que Zeca Torres II era do Piauí, outras duas nos contaram que ele era natural do Ceará. Seja como for, em meados da década de 40, ele já fazia parte da Banda da Guarda Territorial, compondo uma extensa e variada quantidade de musicas, seja para serem tocadas pela Banda, seja para serem cantadas em festas populares. Além disso, consta que passou uma temporada em Sena Madureira, na década de 50, onde teve inclusive uma escola de sanfona.
Mas a principal característica de Zeca Torres II ficou mesmo registrada pela memória popular acreana. Reza a lenda que todas as vezes que ele ia preso, e ia muito graças à bebida, ele fazia uma musica, normalmente com o objetivo de sair da prisão. São comuns, por isso, as marchas, valsas e outras composições suas oferecidas aos comandantes da Guarda ou às suas esposas. É preciso dizer que normalmente o expediente funcionava e ele era libertado. Aliás, uma de suas mais famosas canções trata exatamente deste tema e era mais ou menos assim:
"Encarcerado eu me achava,
triste relembrando a minha dor,
a lua que no céu brilhava,
sorria docemente da minha dor"
Outro episódio que é sempre lembrado quando o assunto é Zeca Torres Pequeno foi-nos contado da seguinte forma:
“Certa vez ele vinha do outro lado, bêbado que só o diabo, e nesse tempo não tinha ponte, era catraia. Ai ele queria atravessar e o catraiero devia estar do lado de cá, porque sempre tinha um de plantão. Ele chamou: Catraiero ! Catraiero ! E nada do catraiero aparecer, e tava querendo chover, e já chuviscando, parece que o catraiero tava cochilando e nada de aparecer. Ai ele pegou uma canoa vazia que estava encostada e foi remar, mas não sabia remar e a canoa começou a descer de rio abaixo. Ai ele gritou, Seu Zé da Rocha...(era um catraiero antigo que tinha aqui)...
Seu Zé da Rocha venha me salvar
a canoa vai descendo e eu não sei remar !
Pronto! No outro dia a cidade tinha mais um samba!”
Vai meu samba
Vai meu samba
Despertar aquela ingrata
Que dormindo não escuta serenata
Vai meu samba
Dizer a ela bem baixinho
Que eu vivo tão só
Sem amor e sem carinho
Você meu samba que nasceu
De um botequim
Reconheça as minhas mágoas
Ninguém sofre igual a min
A minha vida
Triste vida igual a sua
Hei de morrer cantando
E namorando a lua.
Autor: Zeca Torres Pequeno
José Evangelista Torres também conhecido como Zeca Torres Pequeno devido a sua pequena estatura e para diferencia-lo do Zeca Torres I (o compositor anterior) que era alto. Além do nome, os dois Zecas Torres tinham mais uma semelhança, o extraordinário talento musical. Mas as coincidências acabam ai. Zeca Torres II tinha um temperamento completamente oposto ao primeiro. Além de adorar uma bebida, seu estilo musical era alegre e popular, onde predominavam sambas e marchas. A todo momento durante essa pesquisa deparávamos com as histórias do Zeca Torres Pequeno. Ou seja, por seu estilo de vida, ele tornou-se um personagem folclórico da musica acreana.
De seus dados biográficos mais específicos, pouco sabemos. Existe uma controvérsia entre as fontes quanto à sua origem. Enquanto duas informações nos dão conta de que Zeca Torres II era do Piauí, outras duas nos contaram que ele era natural do Ceará. Seja como for, em meados da década de 40, ele já fazia parte da Banda da Guarda Territorial, compondo uma extensa e variada quantidade de musicas, seja para serem tocadas pela Banda, seja para serem cantadas em festas populares. Além disso, consta que passou uma temporada em Sena Madureira, na década de 50, onde teve inclusive uma escola de sanfona.
Mas a principal característica de Zeca Torres II ficou mesmo registrada pela memória popular acreana. Reza a lenda que todas as vezes que ele ia preso, e ia muito graças à bebida, ele fazia uma musica, normalmente com o objetivo de sair da prisão. São comuns, por isso, as marchas, valsas e outras composições suas oferecidas aos comandantes da Guarda ou às suas esposas. É preciso dizer que normalmente o expediente funcionava e ele era libertado. Aliás, uma de suas mais famosas canções trata exatamente deste tema e era mais ou menos assim:
"Encarcerado eu me achava,
triste relembrando a minha dor,
a lua que no céu brilhava,
sorria docemente da minha dor"
Outro episódio que é sempre lembrado quando o assunto é Zeca Torres Pequeno foi-nos contado da seguinte forma:
“Certa vez ele vinha do outro lado, bêbado que só o diabo, e nesse tempo não tinha ponte, era catraia. Ai ele queria atravessar e o catraiero devia estar do lado de cá, porque sempre tinha um de plantão. Ele chamou: Catraiero ! Catraiero ! E nada do catraiero aparecer, e tava querendo chover, e já chuviscando, parece que o catraiero tava cochilando e nada de aparecer. Ai ele pegou uma canoa vazia que estava encostada e foi remar, mas não sabia remar e a canoa começou a descer de rio abaixo. Ai ele gritou, Seu Zé da Rocha...(era um catraiero antigo que tinha aqui)...
Seu Zé da Rocha venha me salvar
a canoa vai descendo e eu não sei remar !
Pronto! No outro dia a cidade tinha mais um samba!”
Vai meu samba
Vai meu samba
Despertar aquela ingrata
Que dormindo não escuta serenata
Vai meu samba
Dizer a ela bem baixinho
Que eu vivo tão só
Sem amor e sem carinho
Você meu samba que nasceu
De um botequim
Reconheça as minhas mágoas
Ninguém sofre igual a min
A minha vida
Triste vida igual a sua
Hei de morrer cantando
E namorando a lua.
Autor: Zeca Torres Pequeno
domingo, 13 de novembro de 2011
Zeca Torres I *
Silvio Margarido andou postando em seu blog (O Reino da Detonação) os textos da revista “Registro Musical”, da qual participei junto com ele, Jorge Nazaré e Danilo de S’Acre (ou seja, o Bicho de três cabeças). E dessa postagem resultou um interessante comentário. Coisas da internet...
José da Costa Torres, ficou mais conhecido como Zeca Torres I, ou primeiro, ou Zeca Torres Grande, em oposição ao outro Zeca Torres (Pequeno). Seja como for que o chamemos, o que conta é que este acreano de Xapuri foi um dos maiores músicos da história do Acre.
Zeca Torres I integrou-se à Banda da Polícia Militar, provavelmente no início da década de 40, aonde chegou à posição de Contramestre. Seu estilo musical acompanhava a personalidade de homem polido, que não bebia, e concentrava-se na composição e execução de musicas lentas como foxes, valsas e boleros. Mas sua fama se devia à facilidade para compor e escrever musicas, preparando as pautas a serem executadas pela Banda com extrema fluência e rapidez.
Consta que certa vez, ao integrar um conjunto que iria fazer uma alvorada no Segundo Distrito, Zeca Torres e seus companheiros ficaram fazendo hora em um bar, esperando que as luzes da cidade fossem apagadas às 11 horas da noite, como era a pratica então. Em meio à conversa alguém disse que seria bom se tivessem preparado uma musica especial em homenagem à filha do dono da casa onde iriam tocar a alvorada. Ao que Zeca Torres I perguntou o nome da moça: Orieta. Dito isso, pediu ao dono do bar um papel de embrulho e por lá ficou rabiscando. Na hora marcada, os músicos atravessaram o rio e ao chegar a casa onde seria executada a alvorada Zeca Torres pediu uma lanterna e executou uma valsa inédita que ele havia composto no pouco tempo em que estiveram no bar, escrita em papel de embrulho, e que foi devidamente instrumentalizada no dia seguinte. Nome da valsa: Orieta.
Esta habilidade musical era reafirmada todas as vezes que artistas de fora do Acre vinham aqui se apresentar e necessitavam dos serviços dos músicos da Banda para o acompanhamento de seus shows. Foram várias situações em que artistas de renome nacional, ao confrontar-se com sua aptidão musical, perguntavam:
- Você é de fora do Acre?
Ao que ele respondia sempre com simplicidade.
- Não, eu sou de Xapuri mesmo, do seringal.
Em uma dessas ocasiões, em que o artista Alcides Gerard ensaiava com integrantes da Banda da Guarda Territorial, ele disse:
- Rapaz eu tô chateado porque tem um samba que eu gosto muito, mas que não veio na bagagem.
Diante disso, Zeca Torres I perguntou-lhe.
- O senhor canta esse samba há muito tempo?
- Canto.
- Como é o samba?
Alcides Gerard começou a cantarolar o samba e o Zeca Torres, assim de lado, anotava tudo em um papel. Depois instrumentou toda a composição e distribuiu pros outros músicos da banda e disse:
- Agora o senhor pode cantar seu samba.
- Mas eu não trouxe
- Pode cantar, que já ta ai.
Ai ele cantou e no fim da musica chegou pro Zeca Torres e perguntou:
- Você disse que aprendeu musica em Xapuri?
- Foi.
- Você é um gênio homem. Você vai pro Rio de Janeiro que eu vou conseguir pra você fazer umas gravações.
Com efeito, pouco tempo depois chegou um telegrama do Alcides Gerard chamando Zeca Torres pra ir ao Rio. Zeca aposentou-se e foi, mas não chegou a gravar. Acontece que na semana da gravação Zeca Torres foi assistir a um jogo do Vasco da Gama, seu time do coração, e não suportando a emoção, teve um fulminante ataque cardíaco que apagou uma das mais brilhantes estrelas musicais que o Acre já teve.**
Stefany Nascimento deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Registro Musical":***
Olá!!
Estava fuçando por aqui e achei esse blog que por sinal é muito interessante... Parabéns!!!
Fico imensamente feliz e agradecida por essa postagem linda sobre Zeca Torres I... Sou bisneta dele e é muito gratificante ver seu nome "reconhecido" como um dos maiores músicos da história do Acre... Agradeço de coração em nome de toda a família Torres... Um forte abraço...
* Texto publicado originalmente na revista “Registro Musical”; Rio Branco, FGB-MinC, 1998;
** Artigo selecionado para a coluna desta semana com a co-participação de Silvio Margarido on-line graças ao G-Talk.
*** Pra quem quiser ir direto à fonte o link é: http://reorientando.blogspot.com/2008/11/registro-musical.html
José da Costa Torres, ficou mais conhecido como Zeca Torres I, ou primeiro, ou Zeca Torres Grande, em oposição ao outro Zeca Torres (Pequeno). Seja como for que o chamemos, o que conta é que este acreano de Xapuri foi um dos maiores músicos da história do Acre.
Zeca Torres I integrou-se à Banda da Polícia Militar, provavelmente no início da década de 40, aonde chegou à posição de Contramestre. Seu estilo musical acompanhava a personalidade de homem polido, que não bebia, e concentrava-se na composição e execução de musicas lentas como foxes, valsas e boleros. Mas sua fama se devia à facilidade para compor e escrever musicas, preparando as pautas a serem executadas pela Banda com extrema fluência e rapidez.
Consta que certa vez, ao integrar um conjunto que iria fazer uma alvorada no Segundo Distrito, Zeca Torres e seus companheiros ficaram fazendo hora em um bar, esperando que as luzes da cidade fossem apagadas às 11 horas da noite, como era a pratica então. Em meio à conversa alguém disse que seria bom se tivessem preparado uma musica especial em homenagem à filha do dono da casa onde iriam tocar a alvorada. Ao que Zeca Torres I perguntou o nome da moça: Orieta. Dito isso, pediu ao dono do bar um papel de embrulho e por lá ficou rabiscando. Na hora marcada, os músicos atravessaram o rio e ao chegar a casa onde seria executada a alvorada Zeca Torres pediu uma lanterna e executou uma valsa inédita que ele havia composto no pouco tempo em que estiveram no bar, escrita em papel de embrulho, e que foi devidamente instrumentalizada no dia seguinte. Nome da valsa: Orieta.
Esta habilidade musical era reafirmada todas as vezes que artistas de fora do Acre vinham aqui se apresentar e necessitavam dos serviços dos músicos da Banda para o acompanhamento de seus shows. Foram várias situações em que artistas de renome nacional, ao confrontar-se com sua aptidão musical, perguntavam:
- Você é de fora do Acre?
Ao que ele respondia sempre com simplicidade.
- Não, eu sou de Xapuri mesmo, do seringal.
Em uma dessas ocasiões, em que o artista Alcides Gerard ensaiava com integrantes da Banda da Guarda Territorial, ele disse:
- Rapaz eu tô chateado porque tem um samba que eu gosto muito, mas que não veio na bagagem.
Diante disso, Zeca Torres I perguntou-lhe.
- O senhor canta esse samba há muito tempo?
- Canto.
- Como é o samba?
Alcides Gerard começou a cantarolar o samba e o Zeca Torres, assim de lado, anotava tudo em um papel. Depois instrumentou toda a composição e distribuiu pros outros músicos da banda e disse:
- Agora o senhor pode cantar seu samba.
- Mas eu não trouxe
- Pode cantar, que já ta ai.
Ai ele cantou e no fim da musica chegou pro Zeca Torres e perguntou:
- Você disse que aprendeu musica em Xapuri?
- Foi.
- Você é um gênio homem. Você vai pro Rio de Janeiro que eu vou conseguir pra você fazer umas gravações.
Com efeito, pouco tempo depois chegou um telegrama do Alcides Gerard chamando Zeca Torres pra ir ao Rio. Zeca aposentou-se e foi, mas não chegou a gravar. Acontece que na semana da gravação Zeca Torres foi assistir a um jogo do Vasco da Gama, seu time do coração, e não suportando a emoção, teve um fulminante ataque cardíaco que apagou uma das mais brilhantes estrelas musicais que o Acre já teve.**
Stefany Nascimento deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Registro Musical":***
Olá!!
Estava fuçando por aqui e achei esse blog que por sinal é muito interessante... Parabéns!!!
Fico imensamente feliz e agradecida por essa postagem linda sobre Zeca Torres I... Sou bisneta dele e é muito gratificante ver seu nome "reconhecido" como um dos maiores músicos da história do Acre... Agradeço de coração em nome de toda a família Torres... Um forte abraço...
* Texto publicado originalmente na revista “Registro Musical”; Rio Branco, FGB-MinC, 1998;
** Artigo selecionado para a coluna desta semana com a co-participação de Silvio Margarido on-line graças ao G-Talk.
*** Pra quem quiser ir direto à fonte o link é: http://reorientando.blogspot.com/2008/11/registro-musical.html
domingo, 6 de novembro de 2011
“Guia históricamente incorreto da propaganda do Brasil”
Se o cara queria fazer propaganda de si mesmo... conseguiu. Vendeu uma penca de livros e ganhou um bocado de grana. Bom negócio, portanto. Mas, convenhamos, o meio que ele escolheu para se auto-promover beira o mau-caratismo. Terá sido então tão bom negócio assim?
Já deve estar óbvio que estou falando do livro que andou freqüentando a lista dos mais vendidos no ano passado e que só agora tive oportunidade de ler: o “Guia politicamente incorreto da história do Brasil”. O próprio site do livro anuncia gloriosamente que este livro vendeu mais de 200.000 exemplares. Ou seja, um best seller e sonho de consumo de qualquer editora. Ainda mais nestes tempos bicudos em que os tablets renovam a ameaça de que o mercado editorial esteja em crise tal como o mercado fonográfico.
E a fórmula de tanto sucesso é simples. Pegam-se alguns dos personagens e processos históricos mais conhecidos pela sociedade brasileira e os desqualificam radicalmente através de uma simplória e superficial remontagem de informações históricas. Com isso ganham-se sensacionais manchetes destinadas a promover a polêmica e, é claro, por tabela também seu autor.
Por exemplo: a FEIJOADA NÃO É BRASILEIRA e nem foi inventada pelos escravos nas senzalas sendo, na verdade, um produto da culinária européia; SANTOS DUMONT NÃO INVENTOU O AVIÃO e nem o relógio de pulso; ZUMBI DOS PALMARES ERA ESCRAVISTA; e assim por diante...
Do alto dessas manchetes polêmicas seu autor, um jornalista paranaense, surfa numa crítica ácida que o leva a conclusões inacreditáveis e por vezes muito, muito, perigosas. Talvez, se ele tivesse se limitado a tentar desconstruir paradigmas cristalizados da história nacional a partir de pesquisas aprofundadas o resultado fosse bastante interessante até. O problema é que, além da evidente superficialidade de algumas de suas abordagens, aqui e acolá lança mão de comentários “engraçadinhos”, mas completamente irresponsáveis.
Vejamos o caso que nos diz respeito mais de perto para exemplificar o que acontece também com outros temas do livro. Um dos capítulos do livro diz respeito ao Acre e ao suposto preço que teria sido pago por ele como resultado de sua anexação ao Brasil. Percorrendo o texto fica evidente que o autor, além de ter se baseado predominantemente em uma única fonte (a Formação Histórica do Acre, de Leandro Tocantins), não faz justiça à fonte citada ao distorcer boa parte de suas conclusões sem embasamento suficiente para tanto. A impressão que passa é que nem leu realmente todo o trabalho de Leandro Tocantins antes de concluir que o Acre “não vale o que a gata enterra” (para usar o dialeto local).
Os exemplos do que afirmo acima são muitos e não caberiam no espaço deste artigo. Mas, por exemplo, quando afirma que o Acre deu e continua dando prejuízo ao Brasil ignora solene e, acredito que também, propositalmente, que durante todo o primeiro ciclo da borracha o Acre deu muito lucro ao governo brasileiro se pagando muitas vezes. Nem precisaria procurar em teses e dissertações recentemente elaboradas. Tivesse seu autor consultado outro clássico da historiografia acreana como A conquista do Deserto Ocidental de Craveiro Costa, teria descoberto que o Acre se tornou Território Federal exatamente por conta da ganância do governo brasileiro em arrecadar os ricos impostos sobre a borracha que, em menos de cinco anos, pagou com sobras o que foi gasto com a indenização à Bolívia e a construção da ferrovia Madeira-Mamoré.
Mas parece que ceder à tentação de acompanhar a preconceituosa, infeliz e polêmica afirmação do Diogo Mainardi feita anos atrás no programa Manhatan Connection sobre o Acre não valer o preço de um pangaré era poderosa demais pra ser desperdiçada. Afinal este livro e sua venda milionária vivem exatamente disso: polêmicas a qualquer preço.
Outro exemplo eloqüente do tipo de falácia praticada pelo autor do referido livro nem faz parte deste. Não faz muito tempo, quando da divulgação das fotos aéreas dos índios isolados em nossa fronteira com o Peru, o jornalista fez uma crítica à veracidade da caracterização destes povos como isolados já que numa das fotos uma das meninas carregava um terçado de metal. Para ele isso seria o bastante para provar que estes índios não tinham nada de isolados...
Parece desconhecer o douto jornalista, sem entrar no mérito de sua intenção no caso, que o termo correto que se emprega atualmente para designar estes povos indígenas que permanecem sem contato com nossa sociedade é: “povos em isolamento voluntário”.
Ou seja, com isso se deixa claro que o tal “isolamento” não significa NENHUM contato, mas sim uma escolha autônoma destes grupos de não manter RELAÇÕES permanentes ou temporárias conosco, mas sem significar que contatos - que são, inclusive, muito perigosos para ambos os lados - entre índios e não-índios não ocorram eventualmente, o que nos dias de hoje - em que o assédio de madeireiros peruanos e narcotraficantes é permanente nas áreas dos isolados - seria impossível.
O perigo de tais conclusões superficiais e destinadas a atrair a atenção da mídia é que alguém mais apressado e mal-intencionado pode logo concluir: mas se estes índios não são verdadeiramente isolados então não precisam de cuidados diferenciados e tem que ser tratados como todos os outros povos indígenas do país. O que poderia ser uma verdadeira tragédia para a sobrevivência dessas populações.
Com este tipo de abordagem só poderíamos concluir que seu autor é um completo irresponsável. Mas quando ficamos sabendo que ele é egresso da redação da revista Veja, um dos veículos de comunicação mais reacionários deste país, as coisas começam a fazer mais sentido. Além do que, se o objetivo primordial do autor era se promover ele de fato conseguiu. Tanto que já foi lançado um novo livro: o Guia Politicamente Incorreto da História da América Latina. Mas, sinceramente, continuo achando que esse tipo de sensacionalismo barato acaba sendo um péssimo tipo de propaganda porque é claramente fajuto e se torna depreciativo de quem o pratica.
Já deve estar óbvio que estou falando do livro que andou freqüentando a lista dos mais vendidos no ano passado e que só agora tive oportunidade de ler: o “Guia politicamente incorreto da história do Brasil”. O próprio site do livro anuncia gloriosamente que este livro vendeu mais de 200.000 exemplares. Ou seja, um best seller e sonho de consumo de qualquer editora. Ainda mais nestes tempos bicudos em que os tablets renovam a ameaça de que o mercado editorial esteja em crise tal como o mercado fonográfico.
E a fórmula de tanto sucesso é simples. Pegam-se alguns dos personagens e processos históricos mais conhecidos pela sociedade brasileira e os desqualificam radicalmente através de uma simplória e superficial remontagem de informações históricas. Com isso ganham-se sensacionais manchetes destinadas a promover a polêmica e, é claro, por tabela também seu autor.
Por exemplo: a FEIJOADA NÃO É BRASILEIRA e nem foi inventada pelos escravos nas senzalas sendo, na verdade, um produto da culinária européia; SANTOS DUMONT NÃO INVENTOU O AVIÃO e nem o relógio de pulso; ZUMBI DOS PALMARES ERA ESCRAVISTA; e assim por diante...
Do alto dessas manchetes polêmicas seu autor, um jornalista paranaense, surfa numa crítica ácida que o leva a conclusões inacreditáveis e por vezes muito, muito, perigosas. Talvez, se ele tivesse se limitado a tentar desconstruir paradigmas cristalizados da história nacional a partir de pesquisas aprofundadas o resultado fosse bastante interessante até. O problema é que, além da evidente superficialidade de algumas de suas abordagens, aqui e acolá lança mão de comentários “engraçadinhos”, mas completamente irresponsáveis.
Vejamos o caso que nos diz respeito mais de perto para exemplificar o que acontece também com outros temas do livro. Um dos capítulos do livro diz respeito ao Acre e ao suposto preço que teria sido pago por ele como resultado de sua anexação ao Brasil. Percorrendo o texto fica evidente que o autor, além de ter se baseado predominantemente em uma única fonte (a Formação Histórica do Acre, de Leandro Tocantins), não faz justiça à fonte citada ao distorcer boa parte de suas conclusões sem embasamento suficiente para tanto. A impressão que passa é que nem leu realmente todo o trabalho de Leandro Tocantins antes de concluir que o Acre “não vale o que a gata enterra” (para usar o dialeto local).
Os exemplos do que afirmo acima são muitos e não caberiam no espaço deste artigo. Mas, por exemplo, quando afirma que o Acre deu e continua dando prejuízo ao Brasil ignora solene e, acredito que também, propositalmente, que durante todo o primeiro ciclo da borracha o Acre deu muito lucro ao governo brasileiro se pagando muitas vezes. Nem precisaria procurar em teses e dissertações recentemente elaboradas. Tivesse seu autor consultado outro clássico da historiografia acreana como A conquista do Deserto Ocidental de Craveiro Costa, teria descoberto que o Acre se tornou Território Federal exatamente por conta da ganância do governo brasileiro em arrecadar os ricos impostos sobre a borracha que, em menos de cinco anos, pagou com sobras o que foi gasto com a indenização à Bolívia e a construção da ferrovia Madeira-Mamoré.
Mas parece que ceder à tentação de acompanhar a preconceituosa, infeliz e polêmica afirmação do Diogo Mainardi feita anos atrás no programa Manhatan Connection sobre o Acre não valer o preço de um pangaré era poderosa demais pra ser desperdiçada. Afinal este livro e sua venda milionária vivem exatamente disso: polêmicas a qualquer preço.
Outro exemplo eloqüente do tipo de falácia praticada pelo autor do referido livro nem faz parte deste. Não faz muito tempo, quando da divulgação das fotos aéreas dos índios isolados em nossa fronteira com o Peru, o jornalista fez uma crítica à veracidade da caracterização destes povos como isolados já que numa das fotos uma das meninas carregava um terçado de metal. Para ele isso seria o bastante para provar que estes índios não tinham nada de isolados...
Parece desconhecer o douto jornalista, sem entrar no mérito de sua intenção no caso, que o termo correto que se emprega atualmente para designar estes povos indígenas que permanecem sem contato com nossa sociedade é: “povos em isolamento voluntário”.
Ou seja, com isso se deixa claro que o tal “isolamento” não significa NENHUM contato, mas sim uma escolha autônoma destes grupos de não manter RELAÇÕES permanentes ou temporárias conosco, mas sem significar que contatos - que são, inclusive, muito perigosos para ambos os lados - entre índios e não-índios não ocorram eventualmente, o que nos dias de hoje - em que o assédio de madeireiros peruanos e narcotraficantes é permanente nas áreas dos isolados - seria impossível.
O perigo de tais conclusões superficiais e destinadas a atrair a atenção da mídia é que alguém mais apressado e mal-intencionado pode logo concluir: mas se estes índios não são verdadeiramente isolados então não precisam de cuidados diferenciados e tem que ser tratados como todos os outros povos indígenas do país. O que poderia ser uma verdadeira tragédia para a sobrevivência dessas populações.
Com este tipo de abordagem só poderíamos concluir que seu autor é um completo irresponsável. Mas quando ficamos sabendo que ele é egresso da redação da revista Veja, um dos veículos de comunicação mais reacionários deste país, as coisas começam a fazer mais sentido. Além do que, se o objetivo primordial do autor era se promover ele de fato conseguiu. Tanto que já foi lançado um novo livro: o Guia Politicamente Incorreto da História da América Latina. Mas, sinceramente, continuo achando que esse tipo de sensacionalismo barato acaba sendo um péssimo tipo de propaganda porque é claramente fajuto e se torna depreciativo de quem o pratica.
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