segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Pequenas histórias de quintal (I)

(ou Meu quintal, minha colonha, meu mundo)
conforme prometido

Hoje comi, pela primeira vez, açaí do meu quintal. Não que ele ainda não tivesse dado. Pelo contrário, já deu muitas vezes, mas tirar açaí do pé e prepará-lo dá um trabalho danado. Deixa pros periquitos que todos os dias nos visitam, então. Mas, dessa vez, os meninos que passaram e pediram o açaí, além de colher e levar, trouxeram de volta dois litros. E tava gostoso, ó!

Na verdade, meu quintal é muito generoso. Tanto que, às vezes, chega a ser inacreditável. Pra você ver. Teve um dia em que Maria Duy, da janela de nosso quarto, olhava o espaço vazio entre o muro e a casa e pensou alto: “Bem que podia ter um pé de goiaba aqui. Ai eu ia poder colher da janela e comer sentada no batente.” E achando pouco o que ainda só imaginava, exagerou: “Mas tem que ser da vermelha, minha preferida!”
O tempo passou e quando ninguém mais lembrava daquele desejo passageiro de uma tarde caseira, reparamos que um pé de goiaba, caprichosamente, crescia a menos de dois metros da janela. E logo na primeira carga, devidamente colhida pela janela, comprovamos o capricho: era goiaba vermelha! Parece brincadeira, mas é verdade verdadeira... como diriam os meninos.
Eu não estranho. É um terreno bom onde moramos. Mas, ainda assim, um quintal incrustado na cidade, no meio do asfalto, da rua, do bairro antigo. De qualquer modo é uma terra boa, na qual já havia muitas moradoras quando cheguei. Como a forte Mangueira que todo ano nos dá tanta manga que faz lama e me faz muita raiva quando quebra um monte de telhas. Ou o Pau d’arco roxo que ainda é bastante jovem para um pau-d’arco. Deve ter, sei lá, 30, 40 anos? Já a Mangueira eu acho que é mais velha, teve ter lá seus 50 ou 60 anos. Mas isso tudo é achismo, porque de arvores não entendo nada. Só gosto muito.
Dessa mesma geração mais antiga eram as outras muitas mangueiras que também existiam por aqui, só neste pedacinho do meu quintal. Acredito que foram plantadas na época em que esse pedaço de floresta virou colônia agrícola, mais conhecida como Colonha São Francisco. Mas eram muitas, não dava pra ficar com todas. Ficou essa daqui do lado, a mais gostosa e viçosa de todas. Além do que a floresta também está aqui ainda, nos pés de Ouricuri, vários. Palheiras indomáveis brolhando persistentes no canto de lá... Parece que ouricuri não sabe viver sozinho e por isso aparece logo de ruma. O jeito foi deixar crescer quatro deles, arrumados lá no canto que escolheram. Aliás, como são aprumados e bonitos nossos Ouricuris. Apesar d’eu ter preguiça de roer seus coquinhos e só como deles, quando Duy corta os filetes pros meninos. Ai eu como também, de carona. Tenho preguiça de comer fruta, acho que já deu pra perceber.

Melhor é o cajá. Casquinha fininha, doce e azedinho, suculento que só. Podia dar mais cajá, mas só dá duas vezes no ano. Tem problema não. Gosto de ter a Cajazeira aqui com a gente. Certa vez conheci um lugar de pretos antigos que tinha uma Cajazeira Sagrada, imensa no meio do terreiro. Como haviam, muito tempo antes, me pedido que assim fizesse fui lá e toquei em suas raízes. Por isso e por outros acontecimentos, aquele foi um dia muito especial e abençoado. Mais tarde, uma senhora daqui, vizinha nesse perto-longe que é o São Francisco, pediu pra entrar e tirar um pedaço da casca de minha jovem Cajazeira. Deixei ressabiado, já que era pra fazer remédio. Mas ela teve cuidado e tirou só o bocado que estava precisando. Santa sabedoria desse povo mais antigo que os jovens não conseguem compreender.
Sinto falta mesmo é do coqueiro. Apesar de magrelo, desconfio que ele fosse tão velho quanto as mangueiras. Era firme e empinado nosso coqueiro. E dava bem sempre o filho da mãe. Só que desses cocos, não tinha jeito, sempre sobrava pra mim abrir, tirar água, abrir mais, comer coco verde ou maduro, dependia do dia e do gosto, mas tinha sempre. Fiquei triste quando alargaram a rua e ele teve que sair pra recuarem o muro e colocarem calçadas. Sabe como é. Uma cidade precisa de calçadas. Eu moro na cidade, o que podia fazer? Mas tenho saudade de nosso coqueiro. Preferia ele que o muro novo e a calçada e a rua alargada...

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