sexta-feira, 28 de outubro de 2011

“Saudações a quem tem coragem” *

Já confessei aqui que sou viciado em corrida de fórmula um. Fico acordado a noite toda, acordo cedo, faço qualquer negócio pra assistir uma corrida. Só que às vezes o preço desse vício é mais alto do que se pode supor.

No começo do ano propus fazer aqui nesta coluna, de vez em quando, uma sub-coluna sobre corridas. Mas foi uma promessa vã, nunca a cumpri. Talvez me falte traquejo para tanto. Afinal, a crônica esportiva em nosso país foi alçada à condição de arte literária da mais alta qualidade por craques como Nelson Rodrigues, João Saldanha, Armando Nogueira e, localmente, Dandão. Como poderia contar sobre corridas senão com um tanto de arte, o que talvez me falte.
Entretanto, hoje queria arriscar dividir algo que sinto e que é difícil de explicar.
Lembro-me com grande clareza daquele fim de semana. O que não deixa de ser estranho por conta de que hoje em dia mais me esqueço do que lembro. Mas nada indicava que iria ser um fim de semana diferente. A não ser pelo fato de que tinha corrida e logo em seguida, na segunda-feira, eu teria uma importante viagem de trabalho. Ia escavar cavernas no sertão das Minas Gerais. Havia, por isso, certa excitação especial naqueles dias.
Já na sexta-feira saiu a notícia e a imagem da espetacular decolagem do carro do Rubinho Barrichelo durante os treinos livres. Vi no Jornal Nacional. E o acidente foi grave a ponto de Rubinho ficar fora daquela corrida. Normal, corridas implicam em riscos e acidentes ocasionalmente. Aliás, penso que é exatamente o alto risco que faz as corridas valerem o que custam. Não dá pra negar que o insano desafio à morte perpetrado por esses gladiadores pós-modernos é o que me prende a esse fútil subproduto da indústria automobilística.
Afinal, haveria outro motivo pra correr? Poderia haver outro motivo pra morrer? Dinheiro, fama? Que nada, é óbvio que os caras correm porque o desejo de desafiar a morte é maior e mais poderoso do que a própria necessidade de preservar a vida. Porque, não sei. Parte das contradições inerentes aos humanos, talvez.



O fato é que o sábado já foi bem diferente. Eu estava assistindo a classificação na hora da batida do Ratzenberger. No instante mesmo em que ele bateu compreendi: Fudeu! A pancada, meio de frente, um pouco de lado, a cabeça pendente no cockpit, inerte, não dava margem a duvida. Acho até que me lembro de grandes acidentes anteriores em que pilotos lendários como José Carlos Pace e Villeneuve morreram. Mas nunca antes, até esse momento, senti com tanta intensidade e inequívoca consciência o travo amargo da morte.
E foi um arraso. Não só na minha cabeça, mas, ao que pude perceber, também lá em Imola. Parece que todos os pilotos sentiram como eu que algo estava muito errado. A morte rondava irresistivelmente. Era uma hora difícil de suportar. Ainda assim, o show tinha que continuar!!!! Nessas ocasiões é que compreendemos nosso verdadeiro tamanho. Porra nenhuma, subextrato de pó de bosta! Apenas mais um entre os sete bilhões de seres humanos do planeta. Não faz a menor diferença, seja famoso ou anônimo. Apenas mais um nome pros almanaques (ixê coisa antiga), pros sites e blogs, digo.
Lembro-me também que um dos pilotos que mais parecem ter sentido o peso da morte de Ratzenberger foi o Senna. Logo ele que sempre foi o mais destemido, desassombrado, o mais rápido e determinado de todos - de quantos existiram na história da fórmula um, acredito eu - acusou o golpe. Estranho. Mas, se até eu a milhares de quilômetros de distancia havia sentido, não deveria estranhar que ele, um cara meio iluminado em sua santa e insana loucura, sentisse.
Manhã de domingo, 1º de Maio. Acorrida prometia ser boa com Schumaker correndo atrás do Senna que já não tinha um carro tão bom quanto se esperava. E não deu outra. Senna na frente, Schumaker atrás, numa perseguição alucinante. Até que na curva Tamburello a pancada inesperada. Senna saiu da pista pra se espatifar meio de frente, um pouco de lado, do pior jeito, portanto, no muro. Deu pra sentir na hora de novo o que havia sentido um dia antes: Fudeu!
Mas é o Senna, nosso super-homem, imbatível, irresistível, indestrutível. Nada pode acontecer com ele, pensava eu. Mas a cabeça pendente, inerte, novamente não deixava dúvida. O locutor se esgoelava tentando encontrar algum movimento em Senna, em vão. Eu até juro que o vi se mexendo no mesmo instante em que o enlouquecido narrador. E, como ele, eu sabia então que era apenas o estertor da morte. Inevitável, ainda que inacreditável. Mas era. Eu sabia, o locutor sabia e, mais importante que tudo, Senna também sabia, com a única diferença que antes de todos nós. Ainda hoje acredito que Senna sabia desde o dia anterior que a morte estava ali pra cobrar seu caro tributo. Eu nunca mais esqueci aquele soco no estomago, o amargo na boca, o choro incontido e irresistível...



E no dia seguinte viajei pra trabalhar, como previsto. Afinal, aconteça o que acontecer o show tem que continuar. Só nunca esqueci.
E, vocês sabem, estes têm sido dias estranhos novamente. Dois fins de semana seguidos, duas mortes impressionantes: Dan Wheldon na Indy e depois Simoncelli na MotoGP. Dois caras que acreditavam no que faziam e morreram fazendo o que amavam mais que a própria vida: desafiar a morte.
Porque é assim eu não sei. Só sei que assim são as corridas. E corridas são como a vida, carecem de motivos, razões ou sentidos.
* Frase da musica “Pense e dance” do Barão Vermelho.

sábado, 22 de outubro de 2011

Pequenas histórias de quintal (II)

(ou Meu quintal, minha colonha, meu mundo)

Hoje comi, pela primeira vez, açaí do meu quintal. E tava gostoso, ó! Sinto falta mesmo é do nosso coqueiro. Fiquei triste quando alargaram a rua e tivemos que tira-lo. Preferia ele ao muro e a calçada e a rua alargada...

Foi graças ao coqueiro que a gente plantou esses Açaís. Não daqueles Açaís solteiros das matas daqui, mas os de touceira que vieram lá do Pará. Santa mistura amazônica. E ficaram bonitos nossos Açaís. Duas touceiras parrudas com muitas hastes e muitos, muitos, cachos. Terna palmeira que chora minúsculas lágrimas tão roxas quanto seus frutos e atrai hordas de periquitos galhofeiros todos os dias.
Quem ainda não quis dar de jeito nenhum, apesar de já ter também uns seis anos, foi o pé de Jabuticaba. Este veio de uma casa no Bosque onde fui por acaso e estava lá bonito, novinho, esperando na forquilha d’um pé de Jabuticaba pra lá de carregado. E a pequenina muda não só vingou como cresceu galhudo e saudável. Mas Jabuticaba que é bom mesmo, até agora nada. Alguém me disse que Jabuticaba demora mesmo muito pra dar. Mas não vejo a hora, gosto por demais de Jabuticaba e dá menos trabalho ainda que Cajá. É só espocar e pronto. Nem suja a mão.
Da mesma época, mas com um caráter oposto ao da Jabuticaba, é o pé de Carambola lá do fundo. Este é dadeiro... Não deixa de estar carregado em tempo nenhum. Ninguém dá conta. Sobra demais a tal Carambola. Até os galhos dela são engraçados: finos e encurvados pelos cachos cheios. Até parecem pedir: anda, pega uma carambolinha aqui! Diria mesmo que são oferecidas essas tais Carambolas...
Aliás, desse jeito também é a Acerola. Tão novinha quanto o pé de Araçá, mas produz muito o tempo todo. Pena que dá tanta coceira pegar essas coisinhas vermelhas que viram um suco tão bom. Basta triscar no galho e pronto. Coça, coça que só a peste. Mas tenho muita pena mesmo quando não dá pra escapar do decreto da Duy: Pega lá uma acerolinha pros meninos... Então tenho pena demais de mim...
Pra compensar, porque tudo na vida tem sua compensação, o pezinho de Aracá que falei ainda pouco, é pequeninho, baixinho, facinho de cuidar, mas dá cada Araçá parrudo e pesado que é quase uma jarra inteira de suco. E é forte o suco do Araçá. Presente do velho Francisquinho Seringueiro que mora lá embaixo do morro, depois desse igarapé que também chama Francisco.


Acho engraçado como as plantas são diferentes entre si. Tem daquelas que ficam bem sozinhas. Mas têm outras que só vivem de duas, no mínimo. E não adianta o que se faça, elas vão sempre dar um jeito pra ficar acompanhadas. Assim é a Cuité. Tão teimosa que virou no vento, parecia que ia morrer, ficou pensa, de raízes pra fora, mas tornou a brolhar. Como se ela não pudesse deixar a Cuité mais novinha do meio do quintal ficar sozinha. Eu gostei. Porque arvore bonita é a Cuité quando perde as folhas que depois renascem diretamente de seus galhos-troncos com um dos verdes mais bonitos que já vi. Além dos grandes frutos que servem pra fazer cuia de tacacá, vaso pra plantas, luminárias pra casa, tigelas pros cachorros... Dizem até que os índios usavam também pra chocalhos mágicos, mas isso eu não sei fazer.
Igual também que as Castanhas Elétricas que o velho bruxo Hélio Khoury nos deu. Eram duas mudas entrelaçadas num saco só. Plantei assim mesmo pra depois deixar apenas a maior. Mas as duas vingaram e cresceram entrelaçadas. Hoje parecem uma só e não dá mais pra tirar uma sem tirar também a outra. E, mesmo não sendo de comer, além de florar direto suaves e belas flores amarelas, a Castanha Elétrica é muito útil: serve pra não se perder na mata, pra afastar mordida de cobra, pra curar dor de cabeça, pra tirar mal pensamento, pra dar sorte e energia pra quem carrega, como ensinava sempre Seu Hélio.
E têm ainda outras que nascem sozinhas, mesmo sem terem sido chamadas, como esse pé de Cacau que nasceu bem na porta de casa. A coisa mais atrapalhada do mundo. Dá dó de tirar o teimoso. Até porque dar Cacau que é bom, até agora nada. Bem que parece ter tentado. Floriu um bocado, aquelas pequeníssimas flores do cacau e, ainda, botou uns frutinhos que foram crescendo, crescendo, mas caíram. Fora o trabalho que dá podar pra não atrapalhar a escada... O certo é que ainda não sei ao certo o que fazer com esse Cacau inxerido.
Diferente do Pinhão Roxo que, desde que cheguei por aqui, teima em ficar na porta de casa. E ainda muda de lugar. Uma hora ele está do lado de cá, cresce, dá flores e sementes e murcha e some. Tempos depois um de seus filhotes reaparece pra lá do portão. Mas nunca deixa de ficar por ali, perto da porta rondando. Ainda bem! O povo diz que é bom ter Pinhão Roxo na porta de casa, porque afasta o mau-olhado, dizem. Eu até gosto de suas flores breves e brutas, como gosto do vermelho meio verde que suas folhas tem de vez em quando. Mas gosto mesmo é de pensar que eu protejo ela no quintal e ela protege nós todos aqui em casa das maldades do mundo lá fora.
É. Faltava ainda falar das outras flores, dos passarinhos e dos bichos que chegam de repente e ficam com gente... Mas não vai dar pra falar disso tudo ainda, acabou-se o espaço pra essa história. Tem problema não, fica pra outra hora. É que, como vocês podem ver o meu quintal é um mundo vasto. Quem vê os limites de seus muros, não adivinha quanta vida ele tem e quantas histórias vivemos todos nós juntos: eu, a Duy, os meninos, as arvores e suas frutas, as plantas e seus mistérios, os bichos e seus jeitos, o pedaço de céu que nos abriga, de chão que nos sustenta, de floresta em que crescemos. Afinal, o universo inteiro cabe em nosso quintal.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Pequenas histórias de quintal (I)

(ou Meu quintal, minha colonha, meu mundo)
conforme prometido

Hoje comi, pela primeira vez, açaí do meu quintal. Não que ele ainda não tivesse dado. Pelo contrário, já deu muitas vezes, mas tirar açaí do pé e prepará-lo dá um trabalho danado. Deixa pros periquitos que todos os dias nos visitam, então. Mas, dessa vez, os meninos que passaram e pediram o açaí, além de colher e levar, trouxeram de volta dois litros. E tava gostoso, ó!

Na verdade, meu quintal é muito generoso. Tanto que, às vezes, chega a ser inacreditável. Pra você ver. Teve um dia em que Maria Duy, da janela de nosso quarto, olhava o espaço vazio entre o muro e a casa e pensou alto: “Bem que podia ter um pé de goiaba aqui. Ai eu ia poder colher da janela e comer sentada no batente.” E achando pouco o que ainda só imaginava, exagerou: “Mas tem que ser da vermelha, minha preferida!”
O tempo passou e quando ninguém mais lembrava daquele desejo passageiro de uma tarde caseira, reparamos que um pé de goiaba, caprichosamente, crescia a menos de dois metros da janela. E logo na primeira carga, devidamente colhida pela janela, comprovamos o capricho: era goiaba vermelha! Parece brincadeira, mas é verdade verdadeira... como diriam os meninos.
Eu não estranho. É um terreno bom onde moramos. Mas, ainda assim, um quintal incrustado na cidade, no meio do asfalto, da rua, do bairro antigo. De qualquer modo é uma terra boa, na qual já havia muitas moradoras quando cheguei. Como a forte Mangueira que todo ano nos dá tanta manga que faz lama e me faz muita raiva quando quebra um monte de telhas. Ou o Pau d’arco roxo que ainda é bastante jovem para um pau-d’arco. Deve ter, sei lá, 30, 40 anos? Já a Mangueira eu acho que é mais velha, teve ter lá seus 50 ou 60 anos. Mas isso tudo é achismo, porque de arvores não entendo nada. Só gosto muito.
Dessa mesma geração mais antiga eram as outras muitas mangueiras que também existiam por aqui, só neste pedacinho do meu quintal. Acredito que foram plantadas na época em que esse pedaço de floresta virou colônia agrícola, mais conhecida como Colonha São Francisco. Mas eram muitas, não dava pra ficar com todas. Ficou essa daqui do lado, a mais gostosa e viçosa de todas. Além do que a floresta também está aqui ainda, nos pés de Ouricuri, vários. Palheiras indomáveis brolhando persistentes no canto de lá... Parece que ouricuri não sabe viver sozinho e por isso aparece logo de ruma. O jeito foi deixar crescer quatro deles, arrumados lá no canto que escolheram. Aliás, como são aprumados e bonitos nossos Ouricuris. Apesar d’eu ter preguiça de roer seus coquinhos e só como deles, quando Duy corta os filetes pros meninos. Ai eu como também, de carona. Tenho preguiça de comer fruta, acho que já deu pra perceber.

Melhor é o cajá. Casquinha fininha, doce e azedinho, suculento que só. Podia dar mais cajá, mas só dá duas vezes no ano. Tem problema não. Gosto de ter a Cajazeira aqui com a gente. Certa vez conheci um lugar de pretos antigos que tinha uma Cajazeira Sagrada, imensa no meio do terreiro. Como haviam, muito tempo antes, me pedido que assim fizesse fui lá e toquei em suas raízes. Por isso e por outros acontecimentos, aquele foi um dia muito especial e abençoado. Mais tarde, uma senhora daqui, vizinha nesse perto-longe que é o São Francisco, pediu pra entrar e tirar um pedaço da casca de minha jovem Cajazeira. Deixei ressabiado, já que era pra fazer remédio. Mas ela teve cuidado e tirou só o bocado que estava precisando. Santa sabedoria desse povo mais antigo que os jovens não conseguem compreender.
Sinto falta mesmo é do coqueiro. Apesar de magrelo, desconfio que ele fosse tão velho quanto as mangueiras. Era firme e empinado nosso coqueiro. E dava bem sempre o filho da mãe. Só que desses cocos, não tinha jeito, sempre sobrava pra mim abrir, tirar água, abrir mais, comer coco verde ou maduro, dependia do dia e do gosto, mas tinha sempre. Fiquei triste quando alargaram a rua e ele teve que sair pra recuarem o muro e colocarem calçadas. Sabe como é. Uma cidade precisa de calçadas. Eu moro na cidade, o que podia fazer? Mas tenho saudade de nosso coqueiro. Preferia ele que o muro novo e a calçada e a rua alargada...

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Por enquanto...

Como já deu pra perceber, domingo passado não teve Miolo de Pote. Uma conjunção de circunstâncias impediu que pudesse postar até mesmo um texto recuperado dos arquivos que acumulo em meu novo HD externo... Fazer o quê? Não gosto de falhar, mas as vezes acontece...
De qualquer maneira, pra não deixar esse blog totalmente desatualizado trago pra cá, provisóriamente, um pedaço do texto que me escapou ante-donte e que provavelmente vai pra coluna do próximo fim de semana. Isso é... se eu conseguir diminui-lo, já que passou muito do tamanho regulamentar dos textos da coluna. Meu pequeno e rotineiro drama de toda semana.


Pequenas histórias de quintal (titulo provisório)

Hoje comi, pela primeira vez, açaí do meu quintal. Não que ele ainda não tivesse dado. Pelo contrário, já deu muitas vezes, mas tirar açaí do pé e prepará-lo dá um trabalho danado. Deixa pros periquitos que todos os dias nos visitam, então. Mas, dessa vez, os meninos que passaram e pediram o açaí, além de colher e levar, trouxeram de volta dois litros. E tava gostoso, ó!
Na verdade, meu quintal é muito generoso. Tanto que, às vezes, chega a ser inacreditável. Pra você ver. Teve um dia em que Maria Duy, da janela de nosso quarto, olhava a terra entre o muro e a casa e pensou alto: “Bem que podia ter um pé de goiaba aqui. Ai eu ia poder colher da janela e comer aqui sentada no batente.” E achando pouco o que ainda só imaginava, exagerou: “Mas tem que ser da vermelha, minha preferida!”
O tempo passou e quando ninguém mais lembrava daquele desejo passageiro de uma tarde caseira, reparamos que um pé de goiaba, caprichosamente, crescia a menos de dois metros da janela. E logo na primeira carga, devidamente colhida pela janela, comprovamos o capricho, era goiaba vermelha... Parece brincadeira, mas é verdade verdadeira... como diriam os meninos.

domingo, 2 de outubro de 2011

Duas vezes cem miolos

Foi no 12º ano de existência do jornal Página 20, em um domingo, 12 de novembro de 2006, que estreei a coluna Miolo de Pote. E numa dessas coincidências do destino, o artigo numero 200 desta coluna não coincidiu com o aniversário de cinco anos da coluna. Fazer o que? Nem tudo é perfeito nessa vida, mas decidi registrar o fato mesmo assim. Já que pra mim, de todo jeito, esta é uma marca inédita.

Quando comecei essa brincadeira de Miolo de Pote não podia imaginar que ela iria tão longe... Mas como, logo de início, peguei a mania de numerar os arquivos acabei prestando atenção ao acumulo de artigos até chegar, hoje, ao numero 200.
O que significa isso? Absolutamente nada, eu sei...
Porém, como os homens, desde o início dos tempos, gostam de calendários e gostam ainda mais de números redondos, não se pode estranhar, humano que sou, esse meu desejo de também considerar o artigo de numero 200 algo especial, como se fosse o próprio dia do fim do mundo...
Na verdade, este artigo é apenas uma oportunidade autoconcedida de pensar o que tem sido essa brincadeira séria chamada “coluna Miolo de Pote”.



Já contei aqui que o nome da coluna foi generosamente sugerido pelo Toinho Alves. Por mim o nome seria algo como “Botija de Histórias”, numa referencia à lendária botija de ouro (às vezes revelada pela misteriosa mãe do ouro) que encantava os seringueiros nos seringais de tempos idos. Mas, como bom tituleiro que o Toinho sempre foi, perguntei sua opinião... E ele me saiu com essa: porque não Miolo de Pote, já que não tem nada mais tradicional no Acre do que conversar miolo de pote numa sombra ou varanda qualquer?
De imediato gostei da idéia de tratar de coisas do interior das coisas e, ao mesmo tempo, ser tão despretensioso e descontraído quanto um bom papo furado. Era bem o que eu queria... e assim ficou sendo. Afinal, admitir a própria desimportância pode ser uma poderosa vacina contra os erros da prepotência, tão recorrente neste dias loucos em que vivemos...



Também já revelei aqui, em diferentes ocasiões, meus motivos pra ter essa coluna. Anteriormente eu havia escrito em outros jornais ou revistas, assinando colunas e/ou artigos, em caráter temporário ou permanente, e, em todas as vezes, foi uma experiência muito prazerosa. Até porque quem gosta de ler, quase sempre também gosta de escrever.
Mas, quem escreve sabe que, ao longo da vida, esse prazer, que no início parece tão inocente, vai se tornando uma necessidade, uma compulsão tão irresistível quanto respirar. Assim, confesso, escrevo porque preciso.
Além disso, conhecer a história do Acre se tornou outro vício incurável. Quanto mais leio, ouço, aprendo, maior minha vontade de contar os acontecidos desse mundo imaginário chamado Acre. Se não, aprender pra que?
E tem também as encrencas em que sempre me meto, porque simplesmente não consigo ficar quieto ao ver a história acreana sendo tratada com desonestidade. Em uma de suas geniais musicas Renato Russo disse que o mal do século é a solidão. Pois eu discordo, acho que o mal deste século e também dos passados é a vaidade. O que os homens são capazes de fazer em prol de seus próprios egos é inacreditável. Seja uma pesquisa mal feita aqui, uma coleção de documentos roubados ali, seja um sutil contrabando de material arqueológico acolá. Assim, acabei me tornando um seguidor da história-combate proposta por Marc Bloch no tempo dos Annales. Ainda que isso, às vezes, me custe caro. Fazer o que?! Como diz o outro são os “ossos do ofício”.
Finalmente, mas não menos importante, tem ainda meu apego ao que sai impresso em papel nestes tempos estranhos de internet. Desconfio que 99% do que sai na rede não vai sobreviver mais do que dez anos. É tudo muito virtual pra ser real por muito tempo. Vai que o sol decide embrabecer, provoque uma tempestade magnética e apague todos os discos rígidos do planeta... lascou-se...
Sou historiador e minha matéria-prima é o que sobrevive ao tempo. Além do que, não há nesta vida prazer comparável a encontrar aquele velho livro imprescindível para a atual pesquisa, ou a matéria de jornal que explica o que você nem desconfiava, ou ainda o documento amarelado perdido entre trocentos outros documentos onde se prova o que poderia parecer completamente improvável. Ou seja, acredito ser fundamental publicar num jornal impresso de verdade... talvez, assim, esses artigos sobrevivam para além de mim...



Só pra variar e permanecer fiel ao hábito que toda semana me atormenta na hora de fazer o artigo, acabei escrevendo demais e ainda não falei nem metade do que queria e nem lembrei de um terço das pessoas que queria agradecer... o jeito é, de novo, deixar pra próxima...