sábado, 25 de junho de 2011

Papo ou História (II)

Sempre tive dificuldade de escrever pouco. Por isso nunca me meti no Twiter. Acho quase impossível escrever ou falar algo que preste em apenas 140 caracteres ou sessenta segundos. Assim, fazer o “Papo ou História” se tornou um enorme desafio, pois não dá pra contar nada que demore mais que um minuto e pouco. E é pra tentar exercitar a necessidade de ser breve que o artigo de hoje foi feito assim: aos pedaços...


Juro que nunca havia imaginado fazer qualquer coisa no rádio. Minha paixão sempre foram os livros. Mas, não há como deixar de reconhecer que, por mais extraordinário que seja, ler ou escrever é sempre um ato solitário. Já o rádio é um veiculo coletivo. Ou a gente esta junto com alguém no momento em que escuta, ou outras pessoas escutam a mesma coisa que a gente ao mesmo tempo, o que tem efeitos maravilhosos sobre o ato de contar histórias. Vejamos...

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O rádio é muito rápido. Já no segundo dia depois que o programa “Papo ou História” entrou no ar começaram os comentários. Engraçado, neste mundo informatizado em que se diz que tudo é em tempo real, on line, o rádio já faz isso há muito tempo e a gente nem se dá conta. Eu falo aqui, tu escuta ali. Como se esquece também que aonde não chegam os jornais, a TV, o celular, a internet, chega o rádio.


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O telefone toca. É Seu Rivaldo Guimarães, mais um dos bons conversadores/contadores de histórias do Acre que tenho a felicidade de conhecer. Ligou pra dizer que gostou muito do programa. Obrigado, digo eu, sem disfarçar a satisfação. E continua: É, mas aquela história do tiro de canhão esta errada. Como assim? É isso mesmo, eu tava lá na hora do tiro e não foi na praça entre o Palácio e o Memorial, mas da Praça da Biblioteca. Me repito, diante da surpresa: Como assim, o tiro partiu lá de cima? E rapidinho tento calcular mentalmente o ângulo em que o tiro de canhão teria partido daquela praça lá de longe pra acertar justo na janela do governador. E só consigo exclamar: Caraca! Então o tal soldado era bom de mira mesmo. E emendo: Mil perdões Seu Rivaldo, na próxima gravação vou corrigir a história, mas olha, vou dizer que foi tu que contou. Ao que, como bom acreano, em um tom entre desafiador e brincalhão, completa: pode falar!


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Continuo amando os livros, mas desde esse “Papo ou História” passei a ver o rádio de forma diferente. O rádio chega a muita gente simultaneamente. Muita gente falou comigo nos últimos dias, gente de todos os tipos, tamanhos, formas, cores, níveis sociais. Impressionante o poder do rádio.


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“Atenção Sr. Antonio José, na colocação Vai-quem-quer, seringal Sapopemba. Aviso-lhe que o Manuel foi atropelado e está internado no Hospital de Base com fratura craniana, três costelas quebradas, perna direita amputada e fraturas expostas nos dois braços. Peço que não se preocupe, pois ele passa bem. Abraços do Raimundo.” Muitas mensagens da Difusora Acreana, nossa velha e boa “Voz das Selvas”, se tornaram antológicas. Mas impressionante mesmo é a atualidade desta forma de comunicação no Acre em pleno século XXI. É que normalmente costumamos tomar a nossa realidade imediata como se fosse toda a realidade. Muita gente não percebe que o Acre de Rio Branco é a exceção. A regra é o interior onde muitas famílias moram a horas, as vezes dias, de qualquer outro lugar habitado e se não fosse o bom e velho programa de mensagens, ainda seria necessário transmitir notícias pelo tiro do papo amarelo ou através da batidas na sapupema...


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Adoraria dizer aqui que dez entre dez pessoas gostaram do programa, mas desde que descobri que Nelson Rodrigues sentenciou que: “Toda unanimidade é burra”, passei a achar que é melhor prestar atenção em quem não gosta do que fazemos. Assim a gente aprende a fazer melhor, se formos capazes, é claro. Entretanto, na segunda semana do programa na rádio, teve uma pessoa que publicou, num dos blogs da cidade um comentário, daqueles rasos e ferinos, que só visava desqualificar o outro de forma gratuita, o que nem é nenhuma surpresa. Afinal, como já disse Caetano: “Narciso acha feio o que não é espelho”. Ainda assim, quero agradecer à maledicente de plantão por me salvar da possível ilusão de uma pretensa unanimidade... já que de outras manifestações da maldade humana ninguém nos salva... porque é assim mesmo a nossa contraditória natureza.


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Há muito tempo a história deixou de ser pra mim apenas uma tarefa profissional. Uma técnica que se aprende e se aplica em salas de aula, em palestras, em artigos, em livros. História é cotidiano, é encantamento, é tragédia, é vida de pessoas. Não há motivo pra reduzir a história a uma mera formalidade que só precisamos saber pra passar no vestibular... Com o tempo passei a acreditar que enquanto houver alguém que conte sua história com dor e prazer, haverá histórias que valem a pena contar.


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Tenho ouvido muitas histórias nestes meus tempos acreanos. Algumas tenho contado, outras não. E não por temer ou dever a quem quer que seja, mas por respeito. Aliás, mais que apenas respeito, mas pela profunda admiração que sinto em relação à força e à dignidade que emanam da história acreana.


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Aprendi muito sobre história na Faculdade. Aprendi a necessidade da crítica e da consciência política graças ao materialismo dialético de Marx. Aprendi a desconstruir o positivismo com a história combate de Bloch. Aprendi a reconhecer o que permanece graças à Longa Duração de Braudel. Aprendi a perceber o micro na história nova. Como aprendi a misturar muitos campos científicos (graças à Freud, Yung, Sartre, Gramsci, Foucault, Shalins, entre muitos outros. Mas foi na vida real, nas ruas, que aprendi o fundamental: a história é comunicação e arte ou não é nada... Todo o resto é jeito de fazer. E desse projeto de história não mais me afastei, desde então...


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Nesta noite de sexta pra sábado, enquanto tentava escrever este artigo, uma absoluta falta de inspiração pedia (exigia) uma cerveja pra molhar a palavra e torná-la mais fluente. O jeito foi descer pra comprar. Eis que, inesperadamente, na rua me chamam, mãe e filha. Chega tomei um susto. “Tá vendo Mel”, disse a mãe pra menina. “É esse aqui que conta aquelas histórias no rádio, eu não disse que conhecia ele! É que ela adora esse programa!” E o terno sorriso da menina, mesmo impregnado da timidez característica de seus oito? anos, salvou minha noite e esse artigo... Obrigado Mel!!!!

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