quarta-feira, 23 de junho de 2010

A luta sem fim (1ª Parte)

Os 100 anos da Revolta Autonomista do Juruá

Nas semanas anteriores vimos textos sobre os cem anos de fundação da cidade de Brasiléia. Agora chegou a vez de vermos as histórias da Revolta Autonomista de 1910, a primeira ocorrida no Território Federal do Acre, em Cruzeiro do Sul. Apenas a primeira de uma série de revoltas que marcaram o início do movimento autonomista acreano.

São amplamente conhecidas as histórias da Revolução Acreana, que se estendeu de 1899 a 1903, período no qual se lutou contra a dominação boliviana do Acre. Porém, poucos refletem sobre o fato de que a assinatura do Tratado de Petrópolis (1903) com a Bolívia e do Tratado do Rio de Janeiro (1909) com o Peru não encerrou a luta acreana por seu direito à cidadania brasileira. Pelo contrário, a criação do Território Federal do Acre marcou o início de uma nova fase de lutas necessárias.
Até o final da Questão do Acre não havia no Brasil o sistema de territórios federais. O país recém saído da enorme mudança política que foi o fim da Monarquia e o início da República (1889), era constituído por uma federação de estados autônomos. Isso vinha de encontro ao desejo republicano de uma relativa descentralização oposta ao forte papel desempenhado pelo governo no período monárquico.
Com a vitória dos revolucionários acreanos contra a dominação estrangeira em 1903 puseram-se em confronto os interesses do Amazonas, que queria que as terras acreanas lhe fossem anexadas; do Pará, que não queria o aumento da participação amazonense no mercado internacional da borracha; e dos próprios acreanos que esperavam ver o Acre transformado no mais novo estado da Republica brasileira. Ao vitorioso desse confronto caberiam as ricas rendas da alfândega do Acre, maior produtor da borracha de melhor qualidade (a famosa Acre fina) de toda a Amazônia e, portanto, do mundo. Contrariando e surpreendendo a todos esses interesses o Governo Federal decidiu, então, criar a figura do Território Federal, a ser administrado diretamente pelo poder central. Matavam-se vários coelhos com uma só cajadada! Evitava-se com isso acirrar ainda mais a disputa entre o Amazonas e o Pará, evitava-se também o aumento do poder dos seringalistas acreanos que passaram a ser temidos ao vencer um conflito internacional às suas próprias custas e, não menos importante, passava-se a engordar o Tesouro Nacional com a ambicionada renda da borracha acreana.
Os mais prejudicados por essa decisão, sancionada pelo próprio Barão do Rio Branco, foram os acreanos. O regime criado para o Território Federal do Acre não previa nenhuma forma de participação da sociedade acreana na gestão do poder regional. Os Prefeitos dos três Departamentos (Alto-Acre, Alto-Purus e Alto-Juruá) em que foi dividido o Território eram nomeados diretamente pelo Presidente da Republica, não foi criado nenhum tipo de poder legislativo e o poder judiciário estava situado em Manaus, a milhares de quilômetros de distância das terras acreanas. Além disso tudo, a verba enviada para custeio do governo do Território Federal do Acre era insuficiente e infinitamente menor que as rendas obtidas dos impostos cobrados sobre a borracha.
Claro está que esse conjunto de medidas não poderia dar bons resultados. Logo os Prefeitos Departamentais (não todos, mas sem dúvida a maioria) revelaram todo o autoritarismo contido nesse esdrúxulo regime político. Com extrema falta de sensibilidade o governo federal nomeou sucessivamente militares e/ou políticos de outras regiões do país que não possuíam o menor conhecimento da realidade regional e nem o menor traço de representatividade social. Muitos desses Prefeitos Departamentais nomeados trouxeram quase todos os seus auxiliares de fora, outros tantos enriqueceram rapidamente através de práticas ilegais para logo em seguida dar o fora do Acre sob os mais variados pretextos.
O resultado foi uma ampla, irrestrita e justificada insatisfação dos diversos segmentos sociais acreanos. Todos - desde os seringueiros, passando pelos moradores dos povoados, pelos comerciantes e até os seringalistas - ficaram completamente atônitos diante de situação tão inesperada. Logo eles que haviam lutado tanto pelo direito de serem brasileiros eram tratados com tanto descaso pelo governo de seu próprio país. A única esperança possível para os acreanos era a de que essa fosse uma condição passageira e que logo o governo federal caísse em si do absurdo de tal situação.
Porém o tempo passava sem nada mudar. Entre 1904 - quando foi criado o Território Federal do Acre - e 1908 todas as tentativas feitas no Congresso Nacional para promover mudanças no regime político administrativo implantado no Acre foram abafadas pelo governo federal. Apesar dos enormes protestos dos acreanos as únicas ações efetivas do novo Presidente da República Afonso Pena foi o estabelecimento de um grande plano de obras que nunca chegou a ser verdadeiramente implementado e uma tímida reforma administrativa e judiciária que não alterava nada na prática. Enquanto isso, o alto preço da borracha no mercado internacional proporcionava grandes rendas para o Rio de Janeiro (então capital da Republica) através da cobrança de impostos escorchantes, ao mesmo tempo em que começavam a circular notícias alarmantes do início da produção de borracha de cultivo pelos ingleses na Ásia, que ameaçava seriamente a hegemonia da borracha amazônica.
As vozes da revolta popular voltaram a se espalhar pelos rios acreanos. Desde as margens do Abunã até o Moa, a indignação era geral e conduzia a sociedade a buscar as mais diversas soluções para o eminente conflito que se anunciava. Além da inflexibilidade do governo federal, contra o Acre pesava ainda as enormes dificuldades de comunicação entre os vales de seus principais rios. Eram necessários meses para fazer chegar notícias do rio Acre ao rio Juruá. Com muito mais dificuldade se poderia propor uma ação conjunta e coordenada de toda a sociedade acreana. Os homens de maior liderança na região eram instados a tomar atitudes práticas contra as injustiças cometidas pelos prefeitos departamentais nomeados pelo governo federal. Enquanto que outros influentes senhores do Acre eram cooptados por essas autoridades e consentiam com seu autoritarismo. A eminência de um conflito de grandes proporções era cada vez mais evidente.
Foi nesse contexto que, em 1909, uma das maiores lideranças da época no Acre, o Coronel Plácido de Castro, foi traiçoeiramente assassinado numa emboscada tramada, segundo a voz popular, pelo próprio Prefeito Departamental do Alto-Acre, o engenheiro militar Gabino Besouro. Parecia não haver mais espaço para uma solução negociada.Cruzeiro do Sul, a sede do Departamento do Alto-Juruá, tomou então à frente das manifestações de insatisfação e preparou um movimento revoltoso cujo único objetivo era demonstrar ao governo brasileiro a injustiça que se estava cometendo contra o povo acreano. O que se queria era muito simples e podia ser resumida em uma única palavra: AUTONOMIA.

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