terça-feira, 8 de junho de 2010

Nas fronteiras da guerra*

Na cidade de Porvenir, às margens do rio Tahuamano, existe um estranho monumento comemorativo do combate do Igarapé Bahia. Esse monumento é estranho porque possui três estátuas ao invés de uma. A primeira estátua carrega um papel nas mãos e retrata Nicolas Suarez, o maior proprietário de seringais do norte da Bolívia e financiador da guerra contra os brasileiros; a segunda, de armas na mão, representa Maximiliano Paredes, comandante da heróica coluna Porvenir; e o terceiro personagem é um índio Ixiameño, de nome Bruno Racua, responsável pela vitória que tanto orgulha até hoje os bolivianos.

A guerra do Acre se deu em várias frentes ao mesmo tempo. Enquanto o exército de seringueiros comandado por Plácido de Castro lutava contra as tropas regulares do exército boliviano nas regiões de Rio Branco e de Porto Acre, os habitantes do Alto Acre, Xapuri, tinham que lutar em cada seringal contra os seringueiros, campesinos e proprietários bolivianos. Foram muitas emboscadas e encontros casuais que resultaram em mortes de parte a parte, perseguições e fuzilamentos de suspeitos de espionagem e traição, boatos de novas invasões e confrontos que rapidamente se espalhavam pelos centros da mata e pelas margens dos rios. O povo que vivia nas vastas florestas acreanas conheceu tempos muito difíceis então.
Ao chegarem notícias de um combate entre brasileiros e bolivianos no barracão do Igarapé Bahia, José Galdino, comandante dos batalhões revolucionários sediados em Xapuri, ordenou que um destacamento fosse até a região para enfrentar os inimigos antes que eles avançassem mais.
No dia 02 de outubro de 1902 partiu de Xapuri uma força de 80 homens comandados por Manoel Nunes Tavares que foi aumentando pelo caminho segundo o relato que foi publicado no jornal Correio do Acre de Xapuri (1910): “... cujas fileiras sentiram-se engrossar à proporção que marchava, pelos voluntários que apareciam, tal era a corrente dominadora de idéias em prol da revolução ...”. Ao alcançar o seringal Porvir Velho a tropa foi recebida pelo gerente Major Francisco Conde que aumentou ainda mais as fileiras acreanas. Ao chegar no barracão do seringal Nazaré, já se contavam 150 homens em armas, aumentando a força para 180 homens durante sua estadia ali.
Entretanto, ao chegarem ao igarapé Bahia as tropas acreanas não encontraram nenhuma força boliviana na área. Manoel Nunes decidiu então acampar, abrir trincheiras para fortificar as defesas e saquear o barracão que pertencia à Nicolas Suarez. Os brasileiros passaram nessa faina cinco dias sem sinal dos inimigos. Até que na tarde do dia 10 de outubro, inesperadamente, os brasileiros sofreram o assalto da Coluna Porvenir, muito superior numericamente e com a vantagem da surpresa. Ainda assim, os brasileiros conseguiram repelir esse primeiro assalto. Percebendo, porém, que dificilmente resistiriam durante muito tempo. Por isso, Manoel Nunes destacou o índio Capenary para, protegido pela noite, escapar ao cerco boliviano e buscar reforços em Xapuri.
No dia seguinte, a superioridade boliviana ficou ainda mais evidente. As trincheiras escavadas pelos brasileiros estavam mal posicionadas, próximas demais do barracão do Bahia. Percebendo essa falha na defesa acreana, um índio Ixiameño, chamado Bruno Racua, lançou diversas flechas incendiarias sobre as construções do seringal.
A situação dos brasileiros se tornou extremamente grave, já que ficaram cercados entre o fogo do barracão e as balas dos inimigos bem posicionados. Diante da iminente derrota os oficiais brasileiros deliberaram pela debandada da tropa. Assim foi que, ao som das cornetas os brasileiros abandonaram as trincheiras e saíram correndo em campo aberto, sendo colhidos em cheio pelos tiros bolivianos. Era um verdadeiro “salve-se quem puder” que resultou na morte de grande numero de brasileiros.
Apesar dessa derrota acreana ter sido posteriormente vingada pelo massacre dos bolivianos de Santa Rosa por parte das tropas de Plácido de Castro, havia ficado evidente que o igarapé Bahia demarcava, não a fronteira imaginária dos tratados e mapas mas, os limites reais entre dois povos em luta.

* Artigo publicado no jornal Estado do Acre – 04 de março de 2002

OBS: Enquanto fuçava na internet atrás de imagens para esta coluna (aliás nem consegui o que queria, que era uma foto da estátua tripla de Porvenir), acabei me deparando com a incrível história do neto do herói indígena Bruno Racua que também se tornou um grande líder comunitário e foi recentemente morto nos conflitos entre os partidários de Evo Morales e Leopoldo Fernadez aqui ao lado, em Pando. Quem sabe, um dia, possamos tratar desta história aqui na coluna. Surpreendente Bolívia e sua secular história de resistência indígena. Mereceria ser melhor conhecida e compreendida ao invés de ser tratada apenas como um velho e incomodo problema, como fez o Serra essa semana.

Um comentário:

  1. A HISTÓRIA É UMA LIÇÃO

    O Tempo passa Ensinando.
    E vai toda gente aprendendo.
    E vamos assim avançando.
    Superando e nos entendendo.
    Cada um vai dando a mão.
    Pra toda pobreza superar.
    Ser irmão é a grande lição.
    Vamos todos nos irmanar.

    Hoje há consciência e Luz.
    Há Entendimento e Cidadania.
    Somos Seguidores de Jesus.
    E Honramos a Soberania.
    Hoje queremos Igualdade.
    E cada Povo se Respeitar.
    O Humano é uma Irmandade.
    É Não ser explorado e nem explorar.

    Das fronteiras da Guerra.
    Para o Congraçamento.
    Garantindo Paz na Terra.
    E pra todos o Desenvolvimento.
    O Respeito e a Igualdade.
    Paz, pois Humano é tudo Irmão.
    Amor ao próximo e Boa Vontade.
    Misericórdia e imensidão.

    Abração Amigo para todos.
    Azuir Filho.

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