sábado, 22 de maio de 2010
Dez anos ... (2ª Parte)
(1ª parte – domingo)
Formalmente seu nome todo era Mauricélia Barrozo Alves de Sousa (Barrozo com z e Sousa com s, favor não se enganar). Mas ninguém a chamava assim. Nem em casa e nem na rua. Para todos ela era apenas Célia e para alguns, muitos, ainda, simplesmente Celinha (...).
(2ª Parte – terça-feira)
A mesma turma que - junto com o Prof. Rui Duarte (em memoráveis viagens ao Sítio Los Angeles – Xapuri) e, um pouco mais tarde, com o Prof. Oldemar Blasi - fez as primeiras e únicas (infelizmente) pesquisas arqueológicas realizadas pela UFAC até hoje. Uma experiência que determinou que Célia viesse a se tornar a primeira arqueóloga acreana.
Mas não só. Além de ser uma das técnicas da Fundação Cultural que ajudou a organizar e manter o Museu da Borracha, desde os anos 80; foi também Coordenadora do Patrimônio Histórico e Cultural da Fundação Garibaldi Brasil na gestão de Antonio Alves, quando deu início a todo esse trabalho de recuperação, revitalização e valorização de nosso Patrimônio Cultural que depois se consolidou nas duas gestões do Governador Jorge Viana e que pode ser facilmente reconhecido por toda a cidade de Rio Branco e do Estado do Acre.
A par de suas atividades como gestora pública, seu talento e disciplina para a pesquisa tornaram-na a maior especialista que já tivemos em fontes hemerográficas do Acre. Sua paixão pelos jornais antigos foi canalizada para muitas outras paixões, dentre as quais, em especial, a história do cinema e do teatro acreanos. O que resultou em sua monografia de conclusão de curso, infelizmente ainda desconhecida da maioria dos pesquisadores (o que teremos que corrigir em breve), onde desfiou histórias desde os primeiros tempos do cinematógrapho que funcionava no Campo dos Pipiras, nas primeiras décadas da existência de Rio Branco, até a consolidação do gosto da sociedade local pelo cinema com a criação do Cine-teatro Recreio, Cine Acre e Cine Rio Branco.
Mais tarde tive o prazer e a honra de compartilhar com ela a publicação de diversos artigos e livros sobre diferentes temas da história acreana, tais como o álbum fotográfico sobre a formação do Bairro Seis de Agosto e o livro “O Capitão e as seringueiras”, sobre a origem do Parque Capitão Ciriaco. Fora aquilo que fizemos e ainda não foi publicado, como o livro Vertentes da Memória sobre o Cacimbão da Capoeira através da história oral, e uma infinidade de pesquisas temáticas que continuam norteando o trabalho de Patrimônio Histórico aqui no Acre.
Mas, independente de qualquer outra paixão, o que mais falava ao coração da Célia era mesmo a arqueologia acreana. E não foi por outro motivo que ela se despencou para o Rio de Janeiro, onde em menos de três anos se tornou uma das principais pesquisadoras do Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB); desenvolvendo inúmeras pesquisas no Rio, em Minas Gerais e na Amazônia, através do que se tornou especialista em cerâmica pré-histórica.
Com isso conseguiu financiamento do Smithsonian Intitution e da National Geographic Society para realizar aqui no Acre diversas missões de pesquisa arqueológica nos sítios arqueológicos com estruturas de terra geométricas (“geoglífos”) que haviam sido descobertos por Ondemar Dias, no final dos anos setenta.
Sua fecunda atividade como arqueóloga, além de ter motivado duas teses de doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF), era tema da dissertação de mestrado que estava elaborando na Universidade Federal do Rio de Janeiro (ICS-UFRJ), quando o destino ocasionou uma reviravolta completa em nossas vidas.
Em 1998, em meio a uma série de acontecimentos muito dolorosos em sua família, Célia teve que começar uma enorme batalha por sua própria vida. Uma luta que durou dois anos, durante os quais ela nunca esmoreceu ou se entregou, numa impressionante demonstração de força e fé.
Até seus últimos dias, já imersa num doloroso tratamento rádio e quimioterápico, continuava frequentando a Biblioteca Nacional, atrás reunir matérias sobre o Acre nos jornais do início do século XX. Era uma forma de, com infinita coragem e determinação, não esquecer quem era e nem o que fazia nesta terra.
Até que em um domingo, dia das mães, 14 de maio de 2000, Mauricélia - mãe de meu filho João Luiz que hoje, dez anos depois, já é um belo e digno homem - nos deixou... Mas tenho certeza que, como eu, todos aqueles que tiveram o privilégio de conviver com ela são incapazes de esquecer o tanto que ela fez pelo Acre e por nós...
E quando penso nisso não consigo evitar a sensação de que a vida é mesmo como o rio Acre, tem tantas curvas, voltas e reviravoltas que às vezes é quase impossível saber o preciso rumo de nossos destinos. Só nos resta, então, realizar nesta vida o que há de melhor em nós, pois que assim era a Celinha. E ter fé de que um dia iremos nos reencontrar, afinal...
“Vou seguindo pela vida
Varejando de ubá.
Todos os rios dessa terra
unidos chegarão ao mar”
(Pia Vila, Felipe Jardim, Txai Terri)
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