A
“Banda da Companhia Regional” dominou o movimento musical de Rio Branco até os
anos 50, enquanto que nos outros municípios, onde não existia esse tipo de
banda institucionalizada, acabou ocorrendo uma musica mais variada e
espontânea.
Essa hegemonia
musical da Banda pode ser explicada pela caracterização de suas atividades como
instrumentos da política clientelista e da dominação social das elites sobre
a população em geral. A Banda de Pedro
de Vasconcelos Filho estava presente em todas as atividades oficiais do
governo, nas solenidades, nas inaugurações, nas posses de políticos, nos
desfiles cívicos, mas atuava também nas retretas realizadas nas ruas e praças e
que serviam como pano de fundo para os namoros e para o lazer popular.
Como a Banda era
militar (leia-se à serviço do Governo) os integrantes do poder e seus
correligionários podiam desfrutar dos melhores músicos da banda em seus saraus
ou alvoradas realizadas quase que diuturnamente. As famílias urbanas menos
abastadas, integrantes dos escalões inferiores da maquina publica, ainda
recebiam parte dessas benesses oficiais ao terem os músicos menos destacados da
banda escalados para tocarem em suas alvoradas. Quanto ao povo em geral, esse
devia se contentar mesmo só com os eventos públicos patrocinados pelo governo.
Assim a Banda passou
a atender, ao longo dos anos, ao clientelismo característico do fazer político
acreano. Tinha dias, em que as solicitações de músicos para serenatas e
alvoradas eram tantas que faltavam músicos, apesar da Banda ser dividida em
cinco, seis ou mais conjuntos menores. Como a escala de serviço vinha de cima,
do comando, a composição dos conjuntos favorecia sempre as principais famílias
da cidade que só queriam os melhores músicos, até porque os favores da Banda
eram de graça. Mesmo a música dos bailes realizados nos clubes, como a Tentâmen
e o Rio Branco, corria por conta dos conjuntos formados por integrantes da
Banda e, por conseguinte, do Estado.
É claro que essa
hegemonia da Banda oficial não se deu logo ao início de suas atividades, mas
foi sendo estabelecida entre as décadas de 10 e 40. A própria composição de
músicos da Banda variou muito ao longo do tempo e a presença de indivíduos de
origens mais simples no seu interior amenizava muito essa situação de
elitização musical.
Voltamos aqui à
existência de certa tensão entre duas tendências mais gerais da musica em Rio
Branco. Tratava-se de estabelecer um tênue equilíbrio entre os diversos
segmentos sociais reunidos na área urbana. Um bom indício disso é a dissimulada
participação dos músicos da banda, nos salões dos bares e cassinos noturnos,
aproximando o oficial e o marginal, o militar e o boêmio. Tanto que
disseminou-se entre os músicos da Banda a tradição de que um músico só podia se
considerar como tal depois de haver tocado no Papôco (Mela Coxa), Seis de
Agosto (Bagunça do Cicarelli) ou no Quinze (Rodovaldo). Nessas áreas de
prostituição e vida noturna agitada, o músico tinha que tocar das seis da tarde
até as quatro da manhã sem muito descanso e mantendo a animação, no mais das
vezes tocando sozinho.
Além disso, haviam
também os chamados grupos de “pau e corda”, que opondo-se a predominância dos
instrumentos de metal característicos das bandas, possuíam um repertório bem
mais popular, composto especialmente por ritmos brasileiros, ou por estilos
musicais que apesar da origem européia já haviam sido disseminados de tal forma
que possuíam caráter verdadeiramente popular como a valsa, o tango, o fox, e
ainda por ritmos mais recentes mas igualmente populares como o samba e toda a
sua variação rítmica e melódica (samba, samba-canção, choro, etc.). Assim as
camadas populares exerciam seu potencial artístico atuando na boêmia,
fabricando seus próprios instrumentos, fazendo festas nas casas mais humildes
das cidades e dos seringais, que ainda mantinham-se praticamente com o mesmo
modo de vida, apesar da imensa crise que assolou a economia da borracha a partir
de meados da década de 10.
Os aspectos até aqui
abordados compõe um pequeno panorama da musica acreana compreendida entre o
final do século XIX e a década de 40, entretanto para completá-lo dois pontos
mais precisam ser ainda mencionados.
Primeiro é necessário
atentar para o relativo isolamento geográfico e de comunicações do Acre com o
restante do país e entre as próprias cidades acreanas. A inexistência de estradas
que possibilitassem o contato regular entre as cidades do Acre e com a capital
do pais produziram um isolamento musical que ao início só era superado pelos
gramofones que supriam a necessidade de musicas mais elaboradas ou mais
“modernas”. Quanto a isso é necessário lembrar, por exemplo, que a Casa Edison,
que já gravava discos com compositores populares desde 1902, possuía uma filial
em Belém. Ainda assim, esse era um contato bastante restrito, já que os rios
acreanos só apresentavam franca navegação durante metade do ano, na estação das
cheias, quando chegavam pelos vapores as novidades musicais gravadas nos
grossos e pesados discos de então.
Depois, com o auge da
economia gumífera, tornou-se comum a vinda de companhias artísticas das praças
de Belém e Manaus. Boa parte dessas companhias eram estrangeiras e imprimiam
geralmente um conteúdo elitizante em suas apresentações.
Essas companhias
estrangeiras foram muito comuns nas décadas de 10 e 20, quando apresentavam-se
nos Cine-teatros - mais uma moda urbana dessas décadas - diminuindo drasticamente sua presença nos
anos 30, com o acirramento da crise da borracha. Fica fácil de compreender,
portanto, como o Acre sofreu, nesse período, de uma grande dificuldade para
acompanhar as influencias e tendências musicais do restante do país.
O segundo aspecto que
ainda precisa ser destacado neste período diz respeito à caracterização da
musica religiosa no Acre. Para tanto torna-se necessário considerar o papel
desempenhado pelos muitos padres que em suas desobrigas perambulavam por todo o
interior acreano fazendo e incentivando a prática da musica como possibilidade
de congraçamento dos fiéis. Além disso, não foram poucas as ocasiões em que as
igrejas localizadas nas cidades organizaram festas religiosas que também davam
vazão aos talentos e às composições musicais acreanas.
*Texto publicado originalmente na Revista
Registro Musical, FGB, 1996
que bueno
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