segunda-feira, 23 de julho de 2012

Breve história da música no (vale do) Acre - III*

A “Banda da Companhia Regional” dominou o movimento musical de Rio Branco até os anos 50, enquanto que nos outros municípios, onde não existia esse tipo de banda institucionalizada, acabou ocorrendo uma musica mais variada e espontânea.


Essa hegemonia musical da Banda pode ser explicada pela caracterização de suas atividades como instrumentos da política clientelista e da dominação social das elites sobre a  população em geral. A Banda de Pedro de Vasconcelos Filho estava presente em todas as atividades oficiais do governo, nas solenidades, nas inaugurações, nas posses de políticos, nos desfiles cívicos, mas atuava também nas retretas realizadas nas ruas e praças e que serviam como pano de fundo para os namoros e para o lazer popular. 

Como a Banda era militar (leia-se à serviço do Governo) os integrantes do poder e seus correligionários podiam desfrutar dos melhores músicos da banda em seus saraus ou alvoradas realizadas quase que diuturnamente. As famílias urbanas menos abastadas, integrantes dos escalões inferiores da maquina publica, ainda recebiam parte dessas benesses oficiais ao terem os músicos menos destacados da banda escalados para tocarem em suas alvoradas. Quanto ao povo em geral, esse devia se contentar mesmo só com os eventos públicos patrocinados pelo governo.


Assim a Banda passou a atender, ao longo dos anos, ao clientelismo característico do fazer político acreano. Tinha dias, em que as solicitações de músicos para serenatas e alvoradas eram tantas que faltavam músicos, apesar da Banda ser dividida em cinco, seis ou mais conjuntos menores. Como a escala de serviço vinha de cima, do comando, a composição dos conjuntos favorecia sempre as principais famílias da cidade que só queriam os melhores músicos, até porque os favores da Banda eram de graça. Mesmo a música dos bailes realizados nos clubes, como a Tentâmen e o Rio Branco, corria por conta dos conjuntos formados por integrantes da Banda e, por conseguinte, do Estado.

É claro que essa hegemonia da Banda oficial não se deu logo ao início de suas atividades, mas foi sendo estabelecida entre as décadas de 10 e 40. A própria composição de músicos da Banda variou muito ao longo do tempo e a presença de indivíduos de origens mais simples no seu interior amenizava muito essa situação de elitização musical. 

Voltamos aqui à existência de certa tensão entre duas tendências mais gerais da musica em Rio Branco. Tratava-se de estabelecer um tênue equilíbrio entre os diversos segmentos sociais reunidos na área urbana. Um bom indício disso é a dissimulada participação dos músicos da banda, nos salões dos bares e cassinos noturnos, aproximando o oficial e o marginal, o militar e o boêmio. Tanto que disseminou-se entre os músicos da Banda a tradição de que um músico só podia se considerar como tal depois de haver tocado no Papôco (Mela Coxa), Seis de Agosto (Bagunça do Cicarelli) ou no Quinze (Rodovaldo). Nessas áreas de prostituição e vida noturna agitada, o músico tinha que tocar das seis da tarde até as quatro da manhã sem muito descanso e mantendo a animação, no mais das vezes tocando sozinho.

Além disso, haviam também os chamados grupos de “pau e corda”, que opondo-se a predominância dos instrumentos de metal característicos das bandas, possuíam um repertório bem mais popular, composto especialmente por ritmos brasileiros, ou por estilos musicais que apesar da origem européia já haviam sido disseminados de tal forma que possuíam caráter verdadeiramente popular como a valsa, o tango, o fox, e ainda por ritmos mais recentes mas igualmente populares como o samba e toda a sua variação rítmica e melódica (samba, samba-canção, choro, etc.). Assim as camadas populares exerciam seu potencial artístico atuando na boêmia, fabricando seus próprios instrumentos, fazendo festas nas casas mais humildes das cidades e dos seringais, que ainda mantinham-se praticamente com o mesmo modo de vida, apesar da imensa crise que assolou a economia da borracha a partir de meados da década de 10.
 
Os aspectos até aqui abordados compõe um pequeno panorama da musica acreana compreendida entre o final do século XIX e a década de 40, entretanto para completá-lo dois pontos mais precisam ser ainda mencionados. 

Primeiro é necessário atentar para o relativo isolamento geográfico e de comunicações do Acre com o restante do país e entre as próprias cidades acreanas. A inexistência de estradas que possibilitassem o contato regular entre as cidades do Acre e com a capital do pais produziram um isolamento musical que ao início só era superado pelos gramofones que supriam a necessidade de musicas mais elaboradas ou mais “modernas”. Quanto a isso é necessário lembrar, por exemplo, que a Casa Edison, que já gravava discos com compositores populares desde 1902, possuía uma filial em Belém. Ainda assim, esse era um contato bastante restrito, já que os rios acreanos só apresentavam franca navegação durante metade do ano, na estação das cheias, quando chegavam pelos vapores as novidades musicais gravadas nos grossos e pesados discos de então. 


Depois, com o auge da economia gumífera, tornou-se comum a vinda de companhias artísticas das praças de Belém e Manaus. Boa parte dessas companhias eram estrangeiras e imprimiam geralmente um conteúdo elitizante em suas apresentações.

Essas companhias estrangeiras foram muito comuns nas décadas de 10 e 20, quando apresentavam-se nos Cine-teatros - mais uma moda urbana dessas décadas -  diminuindo drasticamente sua presença nos anos 30, com o acirramento da crise da borracha. Fica fácil de compreender, portanto, como o Acre sofreu, nesse período, de uma grande dificuldade para acompanhar as influencias e tendências musicais do restante do país.

O segundo aspecto que ainda precisa ser destacado neste período diz respeito à caracterização da musica religiosa no Acre. Para tanto torna-se necessário considerar o papel desempenhado pelos muitos padres que em suas desobrigas perambulavam por todo o interior acreano fazendo e incentivando a prática da musica como possibilidade de congraçamento dos fiéis. Além disso, não foram poucas as ocasiões em que as igrejas localizadas nas cidades organizaram festas religiosas que também davam vazão aos talentos e às composições musicais acreanas.

*Texto publicado originalmente na Revista Registro Musical, FGB, 1996

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