segunda-feira, 16 de julho de 2012

Breve história da música no (vale do) Acre - II*

Durante o apogeu dos seringais no início do século XX a tensão entre músicas eruditas e populares era tão permanente quanto a tensão entre os seringais e as cidades acreanas. E foi a partir dessas tensões que teve inicio a formação de um cenário musical na região.


Com o fim da Revolução Acreana o retorno ao cotidiano de trabalho e prosperidade renovou a distinção entre os seringais e as cidades, agora com uma importância e concentração populacional considerável por parte das ultimas. Dois mundos mais distintos ainda devido ao caráter metropolizante e burguês que caracterizava as cidades do inicio do século, assimilando as influencias da “Belle Epóque” européia, com seus maneirismos, modas e forte elitização da sociedade.

Mas os modos de vida do seringal e da cidade ainda que diversos não podiam ser excludentes, já que só existiam em mútua relação. Através da complementação funcional entre os seringais e as cidades de então, as diferentes tendências reuniam-se sob uma mesma identidade cultural. É evidente que em uma relação desse tipo as cidades, por menores que fossem, com sua vocação para o comércio do lazer e do prazer, acabaram exercendo acentuada influencia musical sobre os seringais.

Ou seja, na medida em que as cidades acreanas consolidavam-se, aumentavam as influencias exercidas por outros núcleos urbanos, especialmente Manaus, Belém e Rio de Janeiro (então capital da Republica), que possuíam ligações diretas e permanentes com o Acre. Estas cidades vinham assumindo ares de metrópoles em seu processo urbanístico e impunham, por conseguinte, a presença de uma cultura e música tidas como eruditas. O resultado disso é que a música podia ser encontrada nas casas das famílias mais abonadas das cidades acreanas (estendendo-se aos principais seringais) que exibiam pianos trazidos com grande dificuldade e custo pelos vapores da rota dos altos rios. Mais amplamente ainda, os modismos burgueses da “Belle Epóque” eram seguidos nas reuniões sociais realizadas entre essas mesmas famílias da elite acreana.


Mas também havia nas cidades uma forte, por vezes até maior, presença de uma música mais popular, afeita aos bares, cassinos e casas de prostituição, instituições importantes que eram no relacionamento seringal-cidade da época. Nestes locais, era possível encontrar músicas de salão de origem européia, como valsas, scotichs, operetas e polcas, misturadas aos ritmos e musicas brasileiras do início do século tiradas nas violas, ou qualquer outro instrumento que estivesse à mão. As camadas populares apropriavam-se assim das linguagens e recursos da elite para tornar seu próprio universo mais atraente e desejável, provocando a reação inversa por parte das elites que também acabavam adotando gostos e comportamentos da população em geral.

A tensão resultante desse confronto dissimulado entre uma cultura elitizada e outra mais popular gerou embates interessantes durante o desenrolar das primeiras décadas deste século, como a criação da Tentamen. A fundação desse clube, na década de 20, foi uma clara reação da elite de Rio Branco ao predomino dos cassinos e casas de prostituição na oferta de lazer do que hoje seria chamada “a indústria do entretenimento”.

Neste contexto começaram, a partir da década de 10, a formar-se em diversas cidades do Acre, orquestras e bandas que tinham como objetivo animar os bailes, as exibições de cinema mudo e as apresentações teatrais, sempre sob inspiração dos padrões europeus.

Como se não bastasse o poderio econômico e político das elites sobre os setores menos favorecidos da sociedade, a história da música no Acre registraria ainda mais uma forma de dominação sutil, porém eficiente: a intervenção do Estado na cultura popular através da criação de uma banda oficial.
Sena Madureira, sede do Departamento do Alto Purus, havia saído na frente criando uma Banda da Companhia Regional em 1914, mas essa iniciativa não resultou duradoura. Nova investida foi efetivada em Rio Branco, em 1916, durante o governo do Prefeito do Departamento do Alto Acre Augusto Monteiro que criou também uma “Banda da Companhia Regional”. O comando dessa Banda foi entregue a Pedro de Vasconcelos Filho que possuía uma “charanga” em Rio Branco e já havia passado por Xapuri, dois anos antes, para organizar uma banda por lá também.

A partir daí, a “Banda da Companhia Regional”, com atividade centrada em Rio Branco, sofreria diversas modificações institucionais porém não mais deixaria de estar presente em todos os atos oficiais promovidos pelo Estado e em grande parte das manifestações populares.

Não é novidade que a presença da maquina oficial do Estado impôs-se nos mais diversos níveis da vida no Acre. Isto se deve, entre outros fatores, ao sistema territorial mantido pelo governo federal que impossibilitava o exercício político da maioria da sociedade acreana. A surpresa é constatar que esse intervencionismo oficial ocorreu até mesmo na música, enquanto movimento coletivo.


O que pode parecer exagero, à primeira vista, é uma constatação feita a partir dos depoimentos de antigos moradores de Rio Branco e de Sena Madureira, bem como dos ex-integrantes da Banda. Segundo esses depoimentos, a Banda oficial dominou o movimento musical de Rio Branco até os anos 50, enquanto que nos outros municípios onde não existia esse tipo de banda institucionalizada, acabou ocorrendo uma musica mais variada e espontânea.

*Texto publicado originalmente na Revista Registro Musical, FGB, 1996

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