Com o fim da Revolução
Acreana o retorno ao cotidiano de trabalho e prosperidade renovou a distinção
entre os seringais e as cidades, agora com uma importância e concentração
populacional considerável por parte das ultimas. Dois mundos mais distintos
ainda devido ao caráter metropolizante e burguês que caracterizava as cidades
do inicio do século, assimilando as influencias da “Belle Epóque” européia, com
seus maneirismos, modas e forte elitização da sociedade.
Mas os modos de
vida do seringal e da cidade ainda que diversos não podiam ser excludentes, já
que só existiam em mútua relação. Através da complementação funcional entre os
seringais e as cidades de então, as diferentes tendências reuniam-se sob uma
mesma identidade cultural. É evidente que em uma relação desse tipo as cidades,
por menores que fossem, com sua vocação para o comércio do lazer e do prazer,
acabaram exercendo acentuada influencia musical sobre os seringais.
Ou seja, na
medida em que as cidades acreanas consolidavam-se, aumentavam as influencias
exercidas por outros núcleos urbanos, especialmente Manaus, Belém e Rio de
Janeiro (então capital da Republica), que possuíam ligações diretas e
permanentes com o Acre. Estas cidades vinham assumindo ares de metrópoles em
seu processo urbanístico e impunham, por conseguinte, a presença de uma cultura
e música tidas como eruditas. O resultado disso é que a música podia ser
encontrada nas casas das famílias mais abonadas das cidades acreanas (estendendo-se
aos principais seringais) que exibiam pianos trazidos com grande dificuldade e
custo pelos vapores da rota dos altos rios. Mais amplamente ainda, os modismos
burgueses da “Belle Epóque” eram seguidos nas reuniões sociais realizadas entre
essas mesmas famílias da elite acreana.
Mas também havia
nas cidades uma forte, por vezes até maior, presença de uma música mais
popular, afeita aos bares, cassinos e casas de prostituição, instituições
importantes que eram no relacionamento seringal-cidade da época. Nestes locais,
era possível encontrar músicas de salão de origem européia, como valsas,
scotichs, operetas e polcas, misturadas aos ritmos e musicas brasileiras do
início do século tiradas nas violas, ou qualquer outro instrumento que
estivesse à mão. As camadas populares apropriavam-se assim das linguagens e
recursos da elite para tornar seu próprio universo mais atraente e desejável,
provocando a reação inversa por parte das elites que também acabavam adotando
gostos e comportamentos da população em geral.
A tensão
resultante desse confronto dissimulado entre uma cultura elitizada e outra mais
popular gerou embates interessantes durante o desenrolar das primeiras décadas
deste século, como a criação da Tentamen. A fundação desse clube, na década de
20, foi uma clara reação da elite de Rio Branco ao predomino dos cassinos e
casas de prostituição na oferta de lazer do que hoje seria chamada “a indústria
do entretenimento”.
Neste contexto
começaram, a partir da década de 10, a formar-se em diversas cidades do Acre,
orquestras e bandas que tinham como objetivo animar os bailes, as exibições de
cinema mudo e as apresentações teatrais, sempre sob inspiração dos padrões
europeus.
Como se não
bastasse o poderio econômico e político das elites sobre os setores menos
favorecidos da sociedade, a história da música no Acre registraria ainda mais
uma forma de dominação sutil, porém eficiente: a intervenção do Estado na
cultura popular através da criação de uma banda oficial.
Sena Madureira,
sede do Departamento do Alto Purus, havia saído na frente criando uma Banda da
Companhia Regional em 1914, mas essa iniciativa não resultou duradoura. Nova
investida foi efetivada em Rio Branco, em 1916, durante o governo do Prefeito
do Departamento do Alto Acre Augusto Monteiro que criou também uma “Banda da
Companhia Regional”. O comando dessa Banda foi entregue a Pedro de Vasconcelos
Filho que possuía uma “charanga” em Rio Branco e já havia passado por Xapuri,
dois anos antes, para organizar uma banda por lá também.
A partir daí, a
“Banda da Companhia Regional”, com atividade centrada em Rio Branco, sofreria
diversas modificações institucionais porém não mais deixaria de estar presente
em todos os atos oficiais promovidos pelo Estado e em grande parte das
manifestações populares.
Não é novidade
que a presença da maquina oficial do Estado impôs-se nos mais diversos níveis
da vida no Acre. Isto se deve, entre outros fatores, ao sistema territorial
mantido pelo governo federal que impossibilitava o exercício político da
maioria da sociedade acreana. A surpresa é constatar que esse intervencionismo
oficial ocorreu até mesmo na música, enquanto movimento coletivo.
O que pode
parecer exagero, à primeira vista, é uma constatação feita a partir dos
depoimentos de antigos moradores de Rio Branco e de Sena Madureira, bem como
dos ex-integrantes da Banda. Segundo esses depoimentos, a Banda oficial dominou
o movimento musical de Rio Branco até os anos 50, enquanto que nos outros
municípios onde não existia esse tipo de banda institucionalizada, acabou
ocorrendo uma musica mais variada e espontânea.
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