Com os meses de
junho e julho, além
dos dias e noites mais bonitos do ano, chegam também as festas e
arraiais que mobilizam os acreanos. E como, esse ano, ainda voltou o FAMP, começo
hoje a trazer pra cá uma nova série de artigos sobre a música
acreana.
As ultimas
décadas do século passado e o despontar do século XX, encontraram uma região da
Amazônia, que tornou-se conhecida como Acre, cujo universo cultural, assim como
o econômico, girava em torno dos seringais. Um modo de vida original em sua
organização, cotidiano e relações foi criado naqueles anos em que milhares de
homens chegaram pelos rios, vindos de diversas partes do Brasil, e do mundo,
para tentar a sorte na extração da borracha. Os povos indígenas acuados por
aquela invasão arrebatadora, ora resistiam, ora colaboravam, buscando
mecanismos de sobrevivência étnica e individual.
Um mundo tenso
onde as raças encontravam-se, as nacionalidades chocavam-se e as culturas
mesclavam-se. Um mundo novo, onde os homens passavam semanas a fio isolados em
meio à floresta gigantesca e inesgotável, vencendo a dureza do trabalho, a
umidade do ambiente, a ameaça do impaludismo, em nome do sonho de uma vida
pródiga.
Mas nem só de
sacrifícios podiam viver os homens e era preciso esquecer um pouco a batalha
diária, como era preciso lembrar a doçura da terra natal, dos parentes
distantes e das mulheres amadas que os esperavam na volta para casa. Por isso o
seringal criou suas próprias possibilidades de festejar, cantar, dançar e
lembrar o que existia de belo no passado e no futuro de cada um. A casa de
algum seringueiro ou o barracão do abastado e poderoso seringalista, eram assim
transformados regularmente em lugar de encontro e por consequência de música.
As festas nos dias santos, nos dias da pátria, nos dias de aniversário do
pessoal do barracão, na chegada de visitantes importantes pelos vapores, tudo
servia de motivo para a comemoração. Os bailes deveriam então tirar o atraso em
que homens e mulheres encontravam-se depois de meses sem uma folguinha para
distrair o pensamento. Por isso tornou-se tradicional que as festas, ou bailes
(se realizados na casa do patrão), durassem a noite inteira, até que o
amanhecer de domingo viesse decretar o necessário descanso para a luta a ser
reiniciada na segunda-feira.
O único registro
possível dessas antigas festas seringueiras nos ficou pelas páginas dos
romances de José Potyguara, Océlio de Medeiros, Ferreira de Castro e quantos
outros pintaram as cores da ficção-real daqueles anos longínquos em que a
riqueza da borracha era tanta que chegou a ganhar o apelido de ouro negro (em
razão da cor escura das pelas de borracha defumadas).
Porém, para além
dos possíveis registros escritos ou gravados, permaneceu registrado,
principalmente, aquele modo de vida criado nos seringais. Modo de vida
tradicional e pouco alterado a ponto de ainda hoje possuir algumas de suas
antigas características. Quem anda pelo interior acreano não deve, portanto,
surpreender-se ao encontrar com patrões e regatões que aviam mercadorias por
preços exorbitantes e com seringueiros que ainda dividem seu tempo entre a
borracha, a pequena roça e a caça para a mistura das refeições. Tão pouco pode
surpreender aos desavisados o costume dos forrós de final de semana, por
ocasião dos dias especiais, tocados pelas sanfonas, ou pelas violas, ou pelas
rabecas, ou pelas zabumbas (dificilmente por todos juntos), até o dia
amanhecer.
Já as cidades
das três ultimas décadas do século passado nem podiam ser chamadas assim. Eram,
na verdade, povoados com meia dúzia de casas alinhadas a margem dos rios, onde
realizava-se o comércio e o abastecimento de embarcações em viagem. Essa
característica comercial implicava naturalmente na diversidade dos produtos
oferecidos à freguesia e o lazer aparecia como um desses produtos a ser
oferecido aos consumidores esporádicos ou regulares dos povoados. Criou-se
assim um modo de vida divergente daquele do seringal e que lhe servia como
complemento e/ou oposição. Se os seringais eram o local da dispersão dos homens
e do trabalho, os povoados eram o lugar da concentração e do lazer, onde
podia-se gastar o dinheiro tão duramente obtido na faina da borracha.
O período da
entre-safra anual da seringa, que coincidia com as cheias do rio e a
consequente invasão dos vapores trazendo gentes e novidades, era a época em que
os povoados tornavam-se ainda mais movimentados e importantes. Aqui a música de
salão predominava - com suas valsas, polcas, mazurcas e lundus - mas sem as
restrições impostas pelo trabalho nos seringais. As casas onde o jogo rolava
solto e onde os seringueiros em atraso podiam visitar mulheres especialmente
trazidas de Manaus e Belém (o que incluía algumas européias), invariavelmente
eram também os salões onde a música e a dança reuniam homens e mulheres dos
mais variados interesses e atitudes.
Mas o primeiro
registro realmente documental que pudemos encontrar diz respeito àquela música
presente nos dias das revoluções acreanas, quando a música tornara-se menos
lazer e mais reafirmação do poder ou da identidade. Data dessa época a história
da música emblemática do Acre, que nem era musica ainda, mas uma poesia do
soldado-médico-poeta Dr. Francisco Mangabeira que em um momento de descanso,
nas trincheiras da Revolução, escreveu os versos que anos mais tarde seria
musicado por Mozart Donizeti e tornaria-se o hino acreano.
É desse período
também a foto dos batalhões acreanos em marcha pela floresta com parte de seus
soldados carregando instrumentos musicais, além das armas, demonstrando que a
música era então, como todo o resto, guerra.
Aliás, um dos
episódios mais interessantes da Revolução Acreana não é a história de um
combate, mas de um pequeno acontecimento entre as renhidas lutas que
travavam-se em Porto Acre. Foi quando brasileiros e bolivianos em trincheiras
opostas juntaram-se por alguns minutos unidos pelo som tirado de uma flauta.
Esse episódio, com toda sua simplicidade, tornou-se um dos eventos mais
memoráveis daquela época, reafirmando a capacidade exclusiva da música de unir
aos contrários mesmo que durante o mais intenso confronto.
* Este artigo,
que aqui na coluna será publicado em partes, foi feito para a revista do
Registro Musical, um projeto muito bacana do qual participei junto com Jorge
Nazaré, Silvio Margarido e Danilo de S`Acre nos idos de 1996.
Essa história da cultura Acreana sao as bases da cultura Brasileira muito obrigado por ensinar a cultura Brasileira
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