sábado, 24 de setembro de 2011

Sobre a tolerância e a fé



Parece que muito pouca gente já se deu conta, mas o Instituto Fé e Política vem fazendo no Acre um trabalho extraordinário. Sinceramente ainda não vi por ai outra abordagem ecumênica tão interessante e efetiva como essa. O que vejo, isso sim, são homens que continuam a matar outros homens em nome de Deus, pelo mundo a fora. Que tal prestar atenção, então?




Sábado passado, depois de terminar o artigo desta coluna, fui a mais uma reunião do Instituto Fé e Política. Ali estavam espíritas, daimistas, evangélicos e católicos. Nesta reunião, excepcionalmente, faltou o povo dos terreiros de matriz africana, mas não por nada não, apenas por problemas de agenda, porque eles também participam ativa e rotineiramente dos trabalhos desenvolvidos pelo Instituto.
E o clima da reunião foi, como sempre, muito bom. Afinal, estão todos diante de um grande desafio: produzir uma cartilha ecumênica que oriente o ensino religioso nas escolas públicas acreanas. Já que essa área do ensino, vamos combinar, é hoje uma bagunça danada. Cada professor passa para seus alunos o conteúdo que bem quiser, orientado apenas por suas próprias convicções religiosas pessoais. E como existem no Acre religiões majoritárias e outras minoritárias, os seguidores destas últimas acabam inevitavelmente sendo alvo de todo tipo de preconceito e discriminação.
Como o estado é laico, não deveria haver o predomínio ou o favorecimento desta ou daquela religião em escolas publicas. Este tipo de abordagem cabe, no máximo, em escolas particulares que pertencem a grupos religiosos específicos ou possuem clara e explicita orientação religiosa, caso no qual os pais já matriculam seus filhos com consciência do que eles irão aprender lá dentro.
Assim, o Instituto Fé e Política - depois de promover uma série de palestras, debates e atividades ecumênicas que conseguiu criar um verdadeiro clima de tolerância entre representantes de diferentes religiões, o que, convenhamos, anda em falta ultimamente neste mundão de meu Deus!!! – assumiu a espinhosa missão de elaborar uma publicação que possa ser utilizada como base por professores para um ensino religioso mais baseado na compreensão e no respeito pelo outro do que no preconceito.
Um processo, por si só, muito interessante porque cada segmento religioso está encarregado de preparar seu material. Com isso o próprio esforço de definir o que abordar, o que enfatizar, como superar divergências internas de cada uma das cinco matrizes religiosas envolvidas neste trabalho, está obrigando cada uma delas a olhar para si mesmo e reconhecer suas características e necessidades.
De minha parte, tenho participado deste trabalho por conta das discussões da Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Rio Branco, que acompanho não como religioso, mas como historiador. Até porque não acredito ser possível compreender a formação da sociedade local sem entender a(s) trajetória(s) dessa configuração religiosa tão caracteristicamente acreana que é o Daime.




Por outro lado, poder observar, não só a existência dessa ou daquela manifestação religiosa, mas as relações estabelecidas entre elas tem sido muito interessante. Especialmente porque essas relações históricas são reveladoras de importantes dinâmicas sociais, com suas respectivas contradições, muito antigas e enraizadas por aqui.
Afinal, o Acre já foi predominantemente católico, apesar de certa tensão permanente entre o catolicismo popular e o oficial. Da mesma forma como, desde muito cedo, várias cidades acreanas tem ou tiveram centros espíritas muito importantes, que se caracterizaram por certa discrição muito sintomática. Ou como diferentes grupos de umbanda e candomblé surgiram, desapareceram ou permaneceram vitimas de uma crônica invisibilidade provocada por uma mal disfarçada discriminação. Como, também, o Acre viu diferentes denominações protestantes ou evangélicas (como se prefira chamar) crescerem aceleradamente em tempos mais recentes, a par de muitas divergências entre elas. Ou, ainda, como Brasiléia, a cidade que viu surgir as primeiras experiências daimistas acreanas, não possuir atualmente nenhuma expressividade neste campo, enquanto que Rio Branco não só conheceu um grande crescimento de diferentes centros daimistas, como se tornou de algum modo um centro de difusão dessas práticas religiosas para o mundo todo.
Ou seja, o estudo, a compreensão e o ensino da história das religiões acreanas nas escolas pode ser um poderoso instrumento para a formação dos nossos futuros cidadãos. Desde que seja equilibrada e plural. Com isso o Acre pode vir a dar um exemplo concreto da possibilidade de vivermos numa sociedade em que a fé em Deus, ou Deuses, não seja causa de tantas guerras como as que assolam a humanidade há milênios, mas sim uma ferramenta fundamental para a paz entre homens de boa vontade.
E é por isso que, devo confessar, estou encantado com o trabalho de todos os homens e mulheres que vem se reunindo no Instituto Fé e Política. Porque, além de tudo, acredito que uma verdadeira e sincera união pode até ser rara, mas, sem duvida, haverá de ser poderosa.

sábado, 17 de setembro de 2011

A Utopia

(você lembra?)

Mensagens que chegam. Assim, inesperadamente.
Me lembram histórias antigas que ainda não ouvi.
Presto atenção, suspendo o nariz, apuro o faro,
Porque breve é o tempo em que caminhamos lado a lado.

Ouço a música nova
Que vem no vento do sul e toca
As cordas do que pressinto... agora.

“O trem da utopia há muito partiu para o céu
deixando pra trás a terra,
todas as misérias.
Para quem ficou
Restou uma dura missão:
Construí-lo outra vez.” *


Leio Thomas Morus
Que me chega em edição de bolso
E no longo espaço de apenas um vôo
Preenche com sentido o que nem ouço,
Só sinto.

Porque mesmo na pequena ilha de Utopia,
Lá entre o sempre e o lugar nenhum,
ainda existe a guerra e a religião.
E por isso mesmo me pergunto
Qual pode ser o lugar da igualdade
Onde ainda reinam a Morte e Deus.
Ou dito de outro modo,
Homens sobre homens.
Poder de um sobre todos.

Quisera ser Homero
Saber fazer de poesia
Um épico eterno
Povoando a memória
e a inconsciência dos homens
através de línguas antigas,
há muito esquecidas.
Mas sou simplesmente um contador...
só posso contar pra você
de pontas que se unem
Inesperadamente.
De repente...
tocando muita, muita gente
Simultaneamente.

Desculpe-me.
Sei que minha rima é pobre
Mas só assim consigo rimar...
Eira com beira
Esteira com peneira
Besteira... bobeira...
Asneira com lesêra...
Porque entre a risada e a arte
Ainda fico com a primeira.


Por isso não me desconheça meu amigo.
Não tô baixando nessa infinita bubuia.
Ainda trilho o rumo,
mais ou menos inseguro,
daquela impossível ilha de Utopia.
Ainda sigo...
subindo o tortuoso rio que me guia.
desde o início...

Mas estou tranquilo.
Sei que não sou o único!
Ainda tem...
você também!
Mesmo assim escrevo
Como que pra você,
como que pra ninguém,
Porque me enternece menos
o raro que o comum.
E essa é a tristeza de meu coração.
Viver a contar dessa utópica ilha
que só existe na alma do homem
e em outro tempo
e outro lugar algum.

Para um amigo,
tão sutil e imaginário
como a própria ilha
que um dia povoou
meus sonhos...


* (CD Trem da Utopia de Alvaro Santi, musica de Gedson Meira)

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Foi um Rio que passou em minha vida

(e meu coração se deixou levar...)

Esta semana, excepcionalmente, estou escrevendo este artigo num outro rio que não minha querida Rio Branco. Estou no Rio de Janeiro que me viu nascer. Vim a trabalho, como tem sido nos últimos anos, para gravar uma participação no programa “Livros que amei” que está em fase de produção e deverá ser exibido pelo canal Futura entre dezembro e fevereiro. Quando souber ao certo, aviso. Até porque, como não poderia deixar de ser, falei muito do Acre através do original olhar de Euclides da Cunha em seu “Paraíso Perdido”. Mas já vou adiantando que foi um dia de trabalho muito agradável numa antiga casa do Alto da Boa Vista, um dos lugares mais bonitos deste vasto mundo.
Ou seja, esta tinha tudo pra ser uma viagem muito prazerosa. Entretanto, nesta sexta feira, aconteceu algo que, sinceramente, eu não esperava e mexeu profundamente comigo.
É que, como sempre faço quando venho ao Rio e tenho tempo disponível, fui ao centro da cidade onde, durante anos a fio, costumava perambular em meio aquele verdadeiro formigueiro humano observando pessoas, ouvindo fragmentos de conversas e conferindo a profusão de novidades e velhidades das vitrines.
Mas, em todos estes anos, estivesse eu fazendo o que fosse, ocupado ou ocioso, sempre que vinha ao centro dava um jeito de passar num lugar muito especial: o tradicional sebo do edifício Avenida Central, que já havia sido em um passado não muito remoto, o prédio mais alto do Rio de Janeiro. Pra mim, a melhor e mais importante livraria do Rio e, por conseguinte, do mundo.
Ali passei intermináveis horas de minha vida. Na maioria das vezes sem nem comprar nada. Apenas olhando, namorando, desejando livros que um dia eu haveria de conseguir levar pra casa, nem que pra isso tivesse que juntar dinheiro por meses. Entranhou-se assim, em meu ser, o gosto pelo delicioso cheiro de papel velho, o vício incurável de respirar ácaros literários, a estranha admiração por livros empilhados em anarquia absoluta - como em todo e qualquer sebo que se preza e que constitui aquela santa confusão que tanto revela quanto esconde - mantendo viva a possibilidade de novas e surpreendentes descobertas no dia seguinte e fazendo-me voltar e voltar e voltar sempre...



Por isso amo os sebos


Porém, mal saltei da escada rolante, meu olhar buscou o lugar do sebo, naquele gesto tantas vezes repetido que se tornou quase automático, e só havia uma profusão de lojas de informática. Confesso que fiquei instantaneamente atordoado. Devia ter alguma coisa errada. Será que me enganei de entrada, devia ser a do outro lado e me confundi. Afinal já faz mais de cinco anos desde que vim aqui pela ultima vez. Dei a volta apressado na sobreloja inteira, angustiado, peito oprimido, só pra ter certeza do que eu já tinha. O velho sebo não está mais ali. Em todo o andar, só lojas e mais lojas de notebooks, periféricos, softwares, jogos para Play Station, X-box e outras tantas tranqueiras informáticas desse nosso estranho mundo virtual. Confesso que fiquei tão atordoado que acabei entrando na loja que agora ocupa o lugar do sebo e, sem ter o que fazer ali, comprei um carregador de celular pirata. Acho que foi uma pequena, surda e inútil vingança. Uma forma de não me render ao não deixar de entrar naquele, agora irreconhecível, lugar que eu tanto amara... Como se dissesse silenciosamente: vocês acabaram com o Sebo mas eu estou aqui pra continuar comprando nele... Coitada da vendedora, não deve ter entendido porque eu trazia tamanha raiva e frustração nos olhos e na voz...
Mas eu não estava mesmo disposto a me dar por vencido. Tanto que no mesmo passo em que vinha me mandei lá pro outro lado da Avenida Rio Branco. Fui pra Rua do Rosário, uma viela estreita, repleta de sobrados antigos, perto da Praça 15, que abrigava o meu segundo sebo predileto. Um sebo muito charmoso porque, se não era tão maravilhosamente entulhado como o primeiro, tinha um jirau alto e estreito onde as estantes empoeiradas costumavam guardar algumas das melhores preciosidades em forma de livros velhos que já encontrei. Este sim deveria ainda estar em seu lugar. Afinal aquela não era uma das áreas comerciais mais valorizadas do centro da cidade.
Mas pra quê? Antes eu tivesse ido embora sem espernear. No lugar deste outro sebo agora está instalada uma charmosa loja de produtos para decoração...


Onde foi parar aquele Rio que conheci tão bem? Nada aqui é mais como era antes. Compreendi então o misto de saudade e melancolia que os mais velhos costumam sentir em relação aos tempos passados. É completamente estranho e desesperador ver que o mundo que você conhece e confia, já não existe mais. Que está tudo diferente, tudo mudado pra pior. Ver que livros foram substituídos por computadores ou bibelôs. Perceber que coisas muito, muito, muito importantes foram destruídas e substituídas por absurdas inutilidades, dói.



Palacio Monroe que ficava no fim da Avenida Rio Branco e que foi demolido de forma insana, para a construção do Metrô quando eu era apenas um menino, demarcando um Rio de Janeiro que não existe mais...


Acho que, pela primeira vez na minha vida, tive a absoluta certeza de estar envelhecendo.
Decidi, então, não prolongar mais aquele suplício e fui pra estação do Metrô. Dizia-me: vou-me embora antes que piore e descubra que não há mais nada aqui que eu conheça e de que goste de verdade. Voltei então pro edifício Avenida Central pra pegar o Metrô na Estação da Carioca que fica ali do lado. Mas, nem bem botei o pé na rua da estação, ouvi um som grave e doce de saxofone. Era aquela musica linda que já foi cantada por tanta gente (inclusive o bom e velho Elvis) e mais recentemente virou tema do filme Ghost – do outro lado da vida. Meu coração deu um pulo. Não conseguia acreditar que o velho do sax continuava tocando aqui no meio da rua.
Imediatamente minha mente voltou anos atrás, quando aquele menino que subia feliz pro sebo, parava pra ouvir o negro de enormes bochechas que sopravam e sopravam musicas intermináveis num surrado sax, só pra ganhar umas poucas moedas que os passantes colocavam em seu chapéu. Quantas vezes o menino havia parado pra ouvir e ver com tristeza que aquele formigueiro humano agitado e incessante parecia nem perceber verdadeiramente a arte do velho saxofonista, que ainda assim prosseguia entoando suas longas e quentes melodias, indiferente à indiferença dos passantes apressados.
Me senti salvo, então. E, antes de descer a escada do Metrô, sorri (um sorriso de puro agradecimento) pro velho do sax e suas enormes bochechas que sopravam e sopravam “Unchained Melody”. Durante muito tempo ainda, mesmo dentro do barulhento trem do Metrô, eu segui assobiando aquela “melodia” que “libertou” e aqueceu novamente meu coração.
“And time goes by, so slowly… (E o tempo vai passando, tão lentamente...)
Lonely rivers flow to the sea, to the sea,” (Os rios só fluem ao mar, ao mar...)

sábado, 3 de setembro de 2011

Machu Picchu – Um século (III)

(ou: Mistérios da floresta na montanha)

Faz um século desde que a cidadela de Machu Picchu foi redescoberta e passou a nos inundar de perguntas e paradoxos. E o que isso a tem a ver com o Acre? Tudo indica que muito mais do que podemos desconfiar a principio.

No artigo anterior dessa série contei, com muito menos detalhes do que eu gostaria, sobre a experiência de percorrer o Caminho Inca. Uma das longas trilhas construídas pelos Incas para interligar seu vasto império. Na verdade, foi seu extenso e bem consolidado sistema de estradas, chamado como “Qhapaq Ñan” por alguns autores, que fez com que a civilização Inca fosse uma das mais extraordinárias da antiguidade americana e possibilitou que o Tahuantinsuyu se tornasse o Império das quatro direções.
Já mencionei no artigo anterior meu espanto ao percorrer o trecho do “Caminho Inca” que leva a Machu Picchu e ver a excelência e a engenhosidade com que foi construído. A todo o momento nos surpreendíamos. Aqui um túnel que possibilitava ultrapassar uma rocha enorme sem ter que fazer um extenso contorno. Acolá, um tanque de água cristalina que nos esperava no topo de um dos muitos “passos” (ponto culminante de uma montanha do caminho) para nos refrescar, como há de ter refrescado muitos “Chasquis” (os corredores que constituíam o serviço de correio dos Incas) há séculos antes de nós.



Mas, surpreso mesmo fiquei quando entramos no ultimo trecho do “Caminho”. É que, nas três horas finais de caminhada, antes de alcançarmos Machu Picchu, percorremos uma espessa floresta, aparentemente muito semelhante à floresta que nos acostumamos a conhecer por aqui pelo Acre. E depois de dois dias e meio caminhando por campos amarelos ressecados e pelas franjas dos brancos picos nevados das montanhas andinas causa um profundo estranhamento se ver em meio a uma vegetação tão verde e fechada que chega a provocar certa sensação de sufocamento.
Começamos assim a descobrir que Machu Picchu se encontra estrategicamente localizada no limiar entre dois mundos: o do altiplano e o das florestas. Alguns autores inclusive levantam a hipótese de que Machu Picchu teria sido construída por exatamente com a finalidade de coordenar e controlar povos da floresta submetidos pelo Império Inca, garantindo o acesso e o fluxo dos diversos produtos que vinham do Antisuyu para abastecer a nobreza Inca.


Para quem não está familiarizado com a história incaica, talvez seja importante ressaltar que este Império se dividia em quatro reinos, ou suyus. O Chinchaysuyu se encontrava ao norte, correspondendo ao rico litoral norte do Peru e se estendia até a Colômbia e o Equador. O Collasuyu ficava ao sul, era o maior dos quatro reinos e incluía o Lago Titicaca, tido como região mítica de onde se originaram os primeiros Incas. O Cuntisuyu ficava a oeste do Império e era formado pelas terras áridas da vertente ocidental dos Andes e pelo litoral centro-sul peruano. Já o Antisuyu ficava a leste de Cuzco (que era o centro de todo o Império) e era constituído pelas vastas florestas que se estendiam desde as vertentes orientais dos Andes (também chamada de região de Montaña) até as terras baixas amazônicas.
E foi exatamente este ultimo reino o mais difícil de ser dominado pelos Incas. Segundo a historiadora María Rostworowski foi no reinado do Inca Pachacutec (apontado também como o possível construtor de Machu Picchu) que se deu a expansão do Império na direção dos povos “Antis”, como eram denominados pelos Incas os povos da floresta. A dispersão territorial característica desses povos, os inúmeros obstáculos enfrentados por exércitos acostumados aos territórios abertos do altiplano em meio à floresta fechada, a própria resistência empreendida pelos “Antis” tornaram essa conquista extremamente difícil.




Tanto assim que “os exércitos cuzquenhos, sempre vitoriosos, sofreram na selva sua primeira derrota” (Rostworowski, 2001, pg.188). Sobre este acontecimento o cronista Cieza de León contou que as tropas incas foram dizimadas na densa floresta e poucos conseguiram voltar a Cuzco com a notícia do desastre. Como maneira de se explicar frente ao enfurecido Inca, os sobreviventes teriam inventado uma lenda: a de que haviam sido monstruosas serpentes que haviam atacado e matado o grosso das tropas. Foi quando uma velha feiticeira se apresentou para apaziguar os monstruosos animais com magias e encantamentos, depois do que os exércitos puderam se internar na floresta sem temer ser destruídos pelos monstros lendários.
Com ou sem feiticeira, Pachacutec Inca Yupanqui decidiu comandar ele mesmo uma nova expedição à região. Para tanto mandou batedores e espiões para as florestas das terras baixas com a missão de observar seus misteriosos habitantes e a frente de um grande exército invadiu a região. Entretanto, ao chegar a Marcapata, Pachacutec teria recebido noticias de uma rebelião que agitava seu Império, o que o fez retornar rapidamente a Cuzco.
Coincidentemente, ao observarmos os mapas da região entre Cuzco e o Acre, vemos que as nascentes do rio Madre de Diós se encontram muito próximas da capital Inca. E o nome Quéchua deste rio é Amaru Mayo, ou Rio da Serpente. O que pode nos levar a concluir que foi este rio a rota seguida por aquela expedição militar que teria sido derrotada por monstruosas serpentes. Até porque é obvio que um numeroso exército teria muita dificuldade em avançar por terra na região da densa floresta amazônica, tornando o rio o caminho natural para este avanço.




Além disso, muito recentemente arqueólogos finlandeses e bolivianos encontraram em Riberalta, na confluência entre os rios Beni e Madre de Diós (o velho Amarumayo), uma ruína Inca, que parece comprovar definitivamente a expansão do Império e do comércio Inca até bem próximo do Acre.
O certo é que, hoje, quando penso na rodovia do Pacífico, não consigo me livrar da sensação de que essa estrada não tem nada de novo. É como se, depois de alguns poucos cinco séculos, apenas começássemos a nos lembrar de um outro caminho, muito antigo, do qual havíamos nos esquecido.

OBS: Outras informações sobre as possíveis ligações entre os Incas e os povos da floresta, já foram disponibilizadas nesta coluna através da longa série “Do Acre aos Andes” que publiquei aqui, em 2009.