domingo, 20 de março de 2011

De novo, velhas histórias!

(ou: O eterno retorno e a volta dos que não foram.)

Extra! Extra! O plantão extraordinário do Miolo de Pote, abalado pelas ultimas noticias que circularam na imprensa local e nacional, interrompe a série sobre a ayahuasca para repercutir o que não pode, não deve, ser ignorado...

Esta semana se tornou estranhamente significativa por conta de uma série de recorrências históricas. Mais estranhas ainda porque são acontecimentos aparentemente desconectados entre si. Porém, se olharmos com mais atenção, talvez seja possível encontrar fios históricos insuspeitos, que certamente encerram interessantes significados. Vejamos pois.



Leio com espanto a recente notícia de conflitos, rebelião e quebra-quebra generalizados no canteiro de obras da Usina do Madeira. Não consegui evitar então a imediata regressão a um tempo em que se tentou construir uma ferrovia naquela mesma região com resultados, de certa forma, bastante semelhantes. Voltemos, portanto, ainda que brevemente, há um século.
Graças a um certo Tratado de Petrópolis, assinado em 1903, se empreendeu a construção, entre 1907 e 1912, de uma ferrovia que viabilizasse o comércio da borracha, ultrapassando os obstáculos impostos pelas cachoeiras do rio Madeira. Uma obra notoriamente difícil de ser realizada. Tanto que, na década de 70 do século XIX, tentativas anteriores já haviam fracassado de forma retumbante. Tratava-se de uma construção tão perigosa que ganhou o singelo apelido de “Ferrovia do Diabo” e deu origem à lenda de que havia cobrado a vida de um trabalhador para cada dormente ali fincado.
Quantas e quantas notícias passaram então a circular nos jornais brasileiros sobre as inúmeras revoltas que aconteceram durante a construção da Madeira-Mamoré? Revoltas que começavam ainda nos navios que traziam homens de várias partes do mundo para trabalhar na obra (chineses, alemães, ingleses, barbadianos, etc.), muitos dos quais se recusaram a desembarcar, devido à assustadora fama da ferrovia. Além, é claro, das diversas revoltas que eclodiram em seus canteiros de obras, motivadas pelas péssimas condições de trabalho, pela falta de suporte adequado para os trabalhadores, pelas febres e doenças variadas que dizimavam dezenas de vidas a cada dia. Mas esses fatos tem exatos cem anos e fazem parte de um longínquo passado de um Brasil que já não é mais o mesmo.



Mas não é que, hoje (quinta-feira), leio a notícia de que os alegados motivos para o quebra-quebra promovido por trabalhadores no canteiro de obras de Jirau é que “Os trabalhadores se queixam das condições de trabalho oferecidas na obra e exigem aumento salarial. Acusam ainda o consórcio ESBR (Energia Sustentável do Brasil) --formado pelas empresas Chesf, Eletrosul, Suez e Camargo Corrêa--, responsável pela obra, de não oferecer infraestrutura adequada para tratar um surto de malária que atinge o canteiro de obras.” (UOL-notícias). Oxê, coisa estranha, sô.
E diante de tanta coincidência só nos resta esperar que a Hidrelétrica do Madeira, prevista para ficar pronta em 2012, não tenha um destino semelhante ao da Ferrovia Madeira-Mamoré que foi inaugurada em 1912. Aquele ano que foi exatamente o ultimo do 1º Ciclo da Borracha Amazônica – ciclo econômico colapsado, a partir de 1913, por conta das plantações inglesas de seringueiras na Malásia - fazendo com que a tão sonhada ferrovia entrasse em um longo e sofrido processo de decadência que se arrastou até seu melancólico fechamento, em 1972. Não, isso não é possível, afinal, como dizia o velho Marx, a história não se repete jamais.


Por outro lado, leio aqui e acolá no vasto universo da internet, preocupantes notícias de que o governo peruano estaria trazendo indígenas da região da montaña (região da floresta sub-andina), para as florestas da fronteira peruana com o Acre, colocando em risco os povos isolados que ainda perambulam por ali. E, imediatamente, minha memória saltou para a segunda metade do século XIX, ao lembrar das inúmeras histórias de caucheiros peruanos trazendo índios das beiras do altiplano pra dizimar os índios “brabos” que habitavam por aqui, com o início do 1º Ciclo da Borracha. E sou obrigado a reconhecer que os “altos interesses” da Republica do Peru (traduzidos sob a forma de madeiras nobres, petróleo e hidrelétricas), bem seriam capazes de fazer com que se reeditassem práticas de um século e meio atrás. Um período dramático da história amazônica, quando povos inteiros foram dizimados e desapareceram para sempre. Seria mesmo possível tal absurda repetição de tão tristes histórias em plena civilização planetária do século XXI? Não, o velho Marx, senhor da consciência da sociedade capitalista, não poderia estar errado. A história não se repete.



Mas... Para que também não me acusem de estar sendo excessivamente mal-humorado, ou pessimista, não posso deixar de contar que não consegui conter um sorriso (quase riso) quando li, no início da semana, a notícia do protesto de uma deputada estadual sobre a farra carnavalesca dos marinheiros do navio-hospital em Cruzeiro do Sul.
Entretanto, antes que me julguem erradamente, tenho que esclarecer que meu sorriso (quase riso) não foi devido à atuação da deputada, cuja preocupação com o atendimento (mal) feito às pressas da população em função da extremada vontade de brincar o carnaval juruaense dos marinheiros, é legitima e compreensível.
É que não consegui evitar a imediata lembrança que essa matéria despertou. Falo do fato de que foi exatamente Cruzeiro do Sul o principal palco de uma das mais animadas e originais manifestações carnavalescas de toda a história do Acre: a “Marujada”. Uma brincadeira, difundida pelos Senhores Bianêz, Aldenor, entre vários outros, ao longo de muitas décadas, na qual, além de cantarem um vasto repertório de marchinhas carnavalescas, os brincantes representavam um motim ocorrido no navio que, depois de dominado pelo comandante, terminava em uma enorme festa dos marinheiros felizes por chegar ao porto, à terra firme, ao final de sua longa viagem pelos rios amazônicos.
Neste caso, parece que essa recente notícia dos marinheiros de Cruzeiro do Sul é a prova definitiva de que a história pode se repetir sim, senão como farsa, mas, pelo menos, como festa. Afinal, brincar é preciso, como navegar, viver é que não é preciso.
Ao contrário das histórias dos trabalhadores do Madeira e dos índios das fronteiras. Estas, sim, nos obrigam a admitir, ainda que com tristeza e pesar, que Marx tinha mesmo razão. A história realmente não se repete jamais, apenas continua sendo a mesma velha e injustificável história de uma humanidade, por tantas vezes, incompreensível.

Obs: Eu sei que deveria ter dado continuidade à serie de artigos sobre a história da ayahuasca, em respeito àqueles que a estão seguindo. Porém, não consegui resistir ao inesperado e avassalador assalto de tantas novas(?) noticias. Assim, peço desculpas aos improváveis leitores desta coluna... garantindo voltar, na próxima semana, àquela história que ainda me faz acreditar que haja algum sentido para a humanidade.

2 comentários:

  1. valeu a pausa na série, pois seu artigo nos alerta para coisas desapercebidas por memórias desatentas e/ou desavisadas.

    passei pelas obras da Jirau e senti um clima meio faroeste, depois da passagem dos jagunços... sem muito movimento, sem colorido da vida...

    vamos rezar vamos rezar!
    e fazer nossa pequena parte onde estivermos!

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  2. Caro Marcos,

    Em primeiro quero parabenizar seu Blog, é sempre importante encontrar neste mar de informações, quase sempre superficiais e desencontradas, um espaço que trate as religiões ayhuasqueiras tradicionais com respeito.

    Porém escolhi este artigo sobre as Hidrelétricas, e principalmente sobre os acontecimentos ocorridos no último mês de março na Usina Jirau, para postar este comentário. Senti-me na obrigação de destacar que, assim como acontece com as nossas religiões amazônicas,boa parte da mídia Nacional e Regional, não procura aprofundar e realmente informar com imparcialidade sobre o que realmente aconteceu. E como trabalho na área de comunicação, me intristece ver que cada vez mais o que interessa a mídia é o sensacionalismo, e a desinformação. Notícias que anunciam "péssimas condições de trabalho, escravidão e outras semelhantes", são no mínimo inresponsáveis, quando se trata de empresas inclusive Federais ( lembrando que no consórcio existe empresas do sistema ELetrobrás). Desculpe o breve desabafo. Fica aqui o convite para, vir conhecer as Usina. Talvez quem sabe as suas impressões mudem.

    abraço fraterno

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