Antes tarde do que tarde demais...
“O Livro das Mutações contém a medida do céu e da terra; por isso ele possibilita a compreensão do Tão do céu e da terra.
No livro se encontram as formas e os domínios de todas as configurações no céu e na terra, de modo que nada lhe escapa. Nele todos os seres se completam e nenhum lhe falta. Por isso, por seu intermédio, podemos penetrar o Tão do dia e da noite, de modo a compreende-lo. O espírito, portanto, não está vinculado a nenhum lugar específico, nem o Livro das Mutações a qualquer forma em particular.”(I Ching, o Livro das Mutações, Págs. 228 e 229)
Peço desculpas aos improváveis leitores desta coluna pelas duas ultimas semanas de ausência por aqui. Mas o tempo não para e as coisas, às vezes, acocham... Afinal, também preciso ganhar o pão de cada dia... Aliás, ôôôô tempinho agitado esse...

“É chamado de caçador marupiara, aquele homem de sorte em suas caçadas que, além de profissional, conhece os mistérios da caça.
O Marupiara, quando anda na mata e vê muitos vestígios de caça grande, não atira para não espantar outras maiores. A caça grande é a anta, o caititu, o veado e outros. A caça miúda, ou seja, a embiara, o Nambu, Jacu, a Cutia e assim por diante.
Para alguns caçadores profissionais, panema, azar, tudo isso não passa de ilusão.
O caçador experiente, quando demora a matar a caça, não desanima, porque ele sabe que nem todo dia é dia de caça. A vezes, o caçador a procura para um lado e ela está pra outro bem diferente.
Também, o caçador, quando faz suas boas caçadas, dá carne de caça a quem quer que seja e não atinge moleza. Até parece dar sorte.
Por outro lado, sabe-se que existem mistérios, mas nem tanto como alguns pensam. Para ser bom caçador, tem que seguir a seguinte regra: não ter medo de onça; conhecer a mata; ter paciência e conhecer os mistérios da caça.”
In Hélio Melo – A experiência do caçador e os mistérios da caça – do seringueiro para o seringueiro; Rio Branco, 1996; pág. 10
Inter ativa
Agradeço aos comentários e sugestões dos leitores ao ultimo artigo desta coluna. E conforme prometido vou tentar atender aos seus pedidos e questionamentos. Portanto, nesta e nas próximas semanas vou tentar trazer pra cá algumas “histórias de seringal” conforme pedido por Kellen Maria.
Quanto à pergunta do Valdo: “Porque a igreja católica não divulga a Nossa Senhora da Seringueira?”
O que posso dizer é o seguinte... Se olharmos com atenção a trajetória da Igreja católica no Acre poderemos perceber que sua estratégia consistiu em aceitar os santos e mártires de devoção local. Condição, por exemplo, do São João do Guarani, da Santa Raimunda do Bonsucesso e tantos outros espalhados pelos seringais e cidades acreanas. Ou seja, a Igreja, oficialmente, fazia vista grossa às manifestações de fé a esses santos populares, sem reconhecê-los, mas também sem negá-los explicitamente. O que, convenhamos, era uma estratégia inteligente.
Ao mesmo tempo, entretanto, a Igreja tratava de importar Santos de origem européia tentando com isso estabelecer uma gradativa substituição ou sublimação da fé do povo em favor de seus preceitos tradicionais. O próprio Bispo Dom Joaquim Pertinez trata desse assunto em seu livro “História da Diocese de Rio Branco”, afirmando que “Ao chegarem ao Acre, os padres trouxeram toda a bagagem do catolicismo romano. (...) achavam que o catolicismo brasileiro fosse muito bagunçado. (...) não tendo na devida conta a experiência secular do catolicismo do povo. (...) Os santos de devoção italiana, começaram a tomar o lugar dos santos do povo(...) Estes santos, começaram até fazer mais milagres, sobretudo São Filipe e São Peregrino, que ganharam de São Sebastião e São Francisco (...)”(págs. 159, 160 e 161)
Mas, o mesmo Bispo Dom Joaquim, com muita coerência, aliás, ressalta que essa prática não foi assimilada sem reações da população e cita um dos muitos casos que tiveram lugar em diversas partes do, então, Território Federal do Acre: “(...) o povo de Sena Madureira não ficou conformado, afinal a imagem de São Peregrino estava ocupando o lugar central do Altar Mor, enquanto a de Nossa Senhora tinha sido rebaixada num altar lateral. Assim durante a noite a estátua do novo santo, que por sinal pesava mais de cem quilos, foi colocada por vinte homens no altar lateral e a de Nossa Senhora no Altar Mor. Os padres chamaram a polícia para verificar o acontecido que eles não teriam possibilidade de explicar. Só no dia seguinte, uma carta assinada ‘a união dos vinte’ procurava dar esclarecimentos sobre o gesto, pois o novo santo, recém chegado, não poderia ocupar o primeiro lugar na igreja.” (pág.161)
Portanto, no caso da N. S. do Acre e também da N.S. da Seringueira, penso que temos casos similares aos descritos acima. Por outro lado, me parece que desde os anos 80, a situação começou a mudar e diferentes manifestações da fé popular, voltaram a ser valorizadas pela igreja, como conseqüência de teologia da libertação e sua “opção pelos pobres”. E, mais recentemente, o trabalho de restauração e musealização do histórico quadro da N.S. da Seringueira empreendido conjuntamente pela Diocese de Rio Branco, Governo do Estado e Prefeitura revela um processo de valorização do Patrimônio Histórico e Cultural acreano. No qual se inserem também outras ações, como a realização de pesquisas, edição de livros sobre a história da Igreja no Acre e as obras realizadas na Catedral N.S.de Nazaré.
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