“Poder conservar uma tranquila alegria no coração, e ainda assim estar apreensivo em pensamento: desse modo se pode determinar a boa fortuna ou o infortúnio na terra e concluir tudo o que é difícil sobre a terra.”(I Ching, o Livro das Mutações, Pág. 268)
Seção Memórias (Crônicas) de agora
Esta semana, um dos eventos mais importantes de que já participei, foi em grande medida ignorado ou, quando não, incompreendido pela “poderosa” mídia tradicional. O que, aliás, vem se tornando uma tônica da imprensa brasileira quando o assunto é o uso cultural da Ayahuasca. Felizmente, e paradoxalmente, este foi também um dos eventos mais discutidos e repercutidos nas ruas de Rio Branco e de muitos outros cantos do planeta, o que, no mínimo, nos faz refletir sobre o pretenso “poder” dos veículos de comunicação formais.
Coincidentemente, nesta sexta-feira conversava por telefone com uma querida amiga que está passando uma temporada longe do Acre em busca de se aperfeiçoar na arte da comunicação. E, como sempre, conversamos sobre diversos assuntos que fazem parte de nossa pauta usual. Novas mídias, promoção cultural em tempos de internet, limites e possibilidades das mídias formais como tv, rádio e jornais.
Mas, como já confessei aqui - diversas vezes, aliás - tenho certas dificuldades (ou implicâncias) com esse novo mundo pós-moderno chamado internet. Por isso nunca deixo passar a chance de mexer com essa amiga (blogueira de primeira hora) enfatizando as lacunas e as falhas que as novíssimas e fascinantes ferramentas digitais, bem como as mídias mais tradicionais, revelam a todo instante. Daí para meu velho conjunto de argumentos sobre o fascínio e a duração da palavra escrita, é um pulo. Mas dessa vez a conversa tomou um rumo um pouco diferente.
Acontece que, ao longo de toda a história da humanidade, cada um dos diferentes povos que já existiu sobre a face da terra sempre engendra, inventa, suas próprias formas de comunicação. O que nos faz constatar que a necessidade de transmitir notícias, informações, impressões, acontecimentos, é tão antiga quanto o próprio homem. Ou, como diria o Velho Guerreiro, em sua forma simples e direta: “Quem não se comunica se trumbica”. E no Acre não teria porque ser diferente.
Assim me lembrei de uma história antiga que li de algum alfarrábio do qual não me lembro ao certo (a idade é mesmo um problema) que contava que a comunicação na floresta amazônica nunca foi fácil. E nem é difícil de entender por que. Trata-se de um meio-ambiente com características muito especiais. A vegetação extremamente densa restringe muito o campo de visão e faz com que no meio da mata os principais sentidos sejam a audição e o olfato. O que já é muito diferente para nós seres urbanos que somos tão guiados pela visão. Sem mencionar as grandes distancias que normalmente separam os que moram na floresta,
Além disso, a densa vegetação também impede a propagação ao longe de sons agudos (que são os mais altos). Assim, os povos indígenas da Amazônia criaram sistemas de comunicação muito originais. Diferente dos famosos (graças ao cinema) povos indígenas das pradarias norte-americanas que usavam sinais de fumaça para se comunicar à distancia, nossos povos da floresta descobriram que só os sons muito graves possuíam a capacidade de se propagar em meio a floresta para atingir locais mais longínquos. Por isso desenvolveram buzinas feitas de cerâmica, rabo de tatu e outros materiais cuja finalidade era mandar breves mensagens entre uma comunidade e outra, ou para viabilizar o contato entre grupos que se deslocavam em expedições de caça ou de guerra.
Outro meio também muito utilizado pelos povos indígenas, e que mais tarde foi assimilado por seringueiros, é bater nas enormes abas das sapupemas das gigantescas árvores amazônicas. O som grave assim produzido ecoa muito longe dentro da mata e consegue transmitir notícias e informações através de códigos bem estabelecidos. Uma batida significa isso, duas aquilo, e assim por diante.
Mais tarde os seringueiros do ciclo da borracha readaptaram esse sistema usando tiros de papo-amarelo para anunciar o nascimento de uma criança, um acidente, uma morte, a chegada de viajantes à certa colocação, etc. Provando que a capacidade do homem de se reinventar e adaptar a qualquer meio-ambiente do planeta, por mais hostil que pareça, é infinita.
Assim, me aproveitei do fato de que essa minha amiga, além de jornalista, toca(va) baixo num conjunto de Rock e, portanto, é apaixonada pelos sons graves, para provar a tese que eu defendia no momento: de que não será por ausência de internet, televisão ou jornais, que vamos deixar de nos comunicar. Como nos lembra, aliás, todos os dias, um dos meios mais populares da comunicação destas terras de Galvez, a famosa e eficiente Rádio Cipó.
É como está escrito em nosso tradicional Senadinho: “Quando o povo diz, ou é, ou foi, ou será”. Antes assim.