terça-feira, 17 de abril de 2012

Dignidade Acreana

Aqui existe algo extraordinário. Uma coisa simples, mas muito rara de se encontrar e que faz toda a diferença: a dedicação que os acreanos de verdade tem por essa terra. Talvez esse seja mesmo o maior de todos os bens conquistados de que fala nosso hino. E, algumas vezes, esse bem se realiza plenamente através da vida de homens muito especiais.

Quinta-feira, pela manhã, estava meio angustiado. Mesmo sem saber muito bem porque. Então, num impulso, fiz algo que havia se tornado muito comum pra mim nos últimos tempos: peguei o telefone e liguei pro Rivaldo Guimarães. Ele bem poderia me ajudar a encontrar algumas boas histórias e antigos autonomistas pra dar entrevista pro documentário que a TV Senado irá produzir, por iniciativa do Senador Jorge Viana, sobre os cinqüenta anos da transformação do Acre em Estado.

Mas, pra minha surpresa, não foi ele que atendeu e sim sua filha. E as noticias que ela me deu não eram boas. Ele estava naquele momento em São Paulo, na UTI do hospital, e seu estado de saúde era muito, muito, grave. Não preciso nem dizer que fiquei arrasado, tentando apenas não perder as esperanças de que ele conseguisse se recuperar que era tudo o que podia fazer neste momento. Porém, nem bem passava de uma hora da tarde quando recebi a noticia que Seu Rivaldo, como eu costumava chamá-lo, havia nos deixado.

* * *

Não faz muito tempo, desde que começou a ser veiculado o programa Papo ou História na Aldeia FM, me acostumei a falar com Seu Rivaldo praticamente toda semana. Na verdade, ele sempre foi um grande e disponível colaborador quando o assunto eram as coisas do Acre e de sua história. Mas agora com o programa de rádio ele me ligava constantemente, corrigindo minhas ratadas com tal arte e amabilidade que a conversa sobre este ou aquele detalhe das histórias contadas no rádio derivava por mil e um assuntos, cada qual mais fascinante e esclarecedor que o outro. Nunca menos que 30 ou 40 minutos de boa prosa, coisa de acreano.

E nem era pra menos. Seu Rivaldo, irmão de outro grande e saudoso amigo, Jorge Nazaré, transpirava alegria enquanto falava. Não havia lugar para coisas ruins ou maledicência contra quem quer que fosse em nossas longas conversas. Como quando me contou as hilárias histórias do Tomé Manteiga, enquanto eu bolava de rir do outro lado da linha. Ou como quando, animado, me contou da nova fase de seu clube do coração: o Juventus. Ele sempre via o lado luminoso das pessoas e dos acontecimentos. Sem dúvida nenhuma, reflexo do estado de espírito luminoso que ele manteve ao longo de toda a vida.

Só uma vez senti em sua voz certo pesar. Foi quando, no auge da animação de uma dessas nossas conversas, o chamei para sentarmos numa mesa de bar para podermos falar ainda mais longamente. Ele me disse, então: Podemos sim meu filho, apesar de minha situação de saúde ultimamente não me permitir nem mais tomar água direito. Ali entendi que aquele homem que amava intensamente a vida estava com sérios problemas de saúde que o machucavam muito. Mas, ele logo puxou outro assunto e nossa conversa retomou o ritmo e a animação costumeiras.

* * *

Não vou aqui cometer o pecado de tentar falar da biografia do Seu Rivaldo. Até porque se eu não fosse preciso nas informações ele certamente ficaria brabo comigo. Mas não posso me furtar de lembrar que esse homem extraordinário aqui desenvolveu as mais diversas atividades. Desde aluno brilhante do Colégio Acreano - a ponto de despertar a admiração dos que haviam ali entrado depois dele, como lembrou neste sabado o Senador Jorge Viana em emocionado discurso no momento de seu enterro - a plantador e vendedor de hortaliças que produzia no Bairro da Capoeira quando este nem era ainda conhecido como bairro, passando pela função de importante jornalista e influente formador de opinião e chegando ao posto de Juiz depois de se formar na primeira turma de direito da UFAC, quando esta ainda nem era chamada de UFAC.

Mas pra além de tudo, Rivaldo sempre foi um homem de bem, defensor do Acre e dos acreanos nas mais diversas circunstancias. Sua esposa Arnete Guimarães, num esforço sobre humano para conter a avassaladora tristeza que sentia, lembrou do amor que um dos muitos jovens acreanos que tiveram suas vidas recuperadas pela mão amiga do Juiz Rivaldo Guimarães declarou por aquele que considerava seu verdadeiro pai. Um momento de enorme emoção na despedida desse grande homem.

Na verdade, nesta semana eu deveria estar escrevendo a continuação do artigo iniciado semana passada, mas não poderia deixar de prestar hoje uma homenagem a esse acreano que, apesar de ter nascido na Paraíba, amava essa terra com todas as fibras de seu ser. Até porque ninguém vai me convencer que não foi ele mesmo quem estava me avisando de sua partida quando me vi ligando, aparentemente por acaso, para ele na quinta-feira, coisa de amigo.

Assim como não posso deixar de considerar absoluta verdade o que ouvi hoje em meio as homenagens a ele prestadas. Que Rivaldo Guimarães era exatamente como a água pura e boa de beber que existe no miolo do pote... essa água cristalina do generoso pote acreano que Seu Rivaldo, honrando nossas mais profundas raízes, passou a vida servindo aos que tinham sede.

Obrigado meu amigo, apenas desejo que sua nova jornada seja luminosa e cheia de amor como foi sua vida terrena. E tenha certeza que não haveremos de esquecê-lo.

Um comentário:

  1. Valeu Marcos, muito bom.
    Merecidíssima homenágem prestada ao amigo e irmão Rivaldo Guimarães. Ele foi e continua sendo, porque não deixou de existir, um homem digno, altamente respeitável e sábio também.

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