Lembro-me bem, apesar de já estar chegando aos cinquenta, dos primeiros amores de minha vida. Afinal, amor de menino é assim: puro, inocente, ingênuo, mas intenso e definitivo. E, o melhor, agora eu sei, provoca na gente um tipo de lembrança que faz juz ao sentido do termo “recordar”: do latim re cordis, voltar ao coração. Memórias tão profundas e entranhadas em mim que ao sair de algum canto recôndito de meu ser e voltar ao coração fazem a respiração falhar, o corpo estremecer e a mente sorrir. Como é bom ser menino e crescer com coisas boas pra lembrar.
Pois bem, toda essa onda de explicita nostalgia foi só pra introduzir o assunto do artigo de hoje. É que, neste inicio de ano, finalmente, levei meus pequenos pra conhecer o mar... E tenho que confessar que a simples expectativa de fazer isso me encheu de lembranças. Porque, como nasci em Copacabana e cresci no Flamengo, ambos bairros com praias, vivi muitas histórias boas ou terríveis no mar.
Assim, como numa preparação ao que iria acontecer me pus a lembrar de como era bom passar o dia inteiro na praia numa época em que sequer existia essa coisa de filtro solar e as meninas cultivavam a lenda de que passar coca-cola melhorava o bronzeado. Lembrei de quantos castelos de areia construí e de como catava os “Tatuís” enterrados para povoar meus magníficos castelos destinados a desaparecer na primeira onda mais forte que viesse lamber as areias onde eu brincava. E de como era bom ter o corpo inteiro coberto pela areia quentinha de sol e depois sair rolando todo “enfarofado” até alcançar a água. É que, em nossa inocência, não sabíamos ainda das famigeradas micoses que certamente estariam escondidas naquela areia aparentemente tão branquinha e limpinha. Assim como podíamos realizar intermináveis guerras de nossas temíveis “bombas de areia”, feitas com areia molhada recoberta por areia seca e que tornávamos bolas perfeitamente esféricas graças à sutil arte de menino, sem que nenhum adulto brigasse com a gente já que no fim da tarde a praia ficava vazia e era toda nossa.
Mas, nenhuma outra lembrança voltou com tanta força, nestes dias pré-viagem, que a sensação, impregnada de absoluta certeza, de que era o mar que gostava de mim e brincava comigo mandando pequenas ondas nas quais me jogava pra que elas me levassem até a areia, só pra voltar pulando, correndo e rindo pra mergulhar de novo “furando” a próxima onda. Rapaz!!! Olhando hoje pra essas imagens, que vejo quando fecho os olhos, tenho novamente a sensação, impregnada de absoluta certeza, de que o mar foi meu primeiro grande amor de menino. Afinal, naquela época eu não me interessava ainda por meninas, a não ser como companheiras ou rivais de brincadeiras. Além do que é óbvio que não to contando com o amor de/pela mãe, porque esse não está fora, já nasce com a gente, existe desde sempre, ou se preferir, desde o ventre.
Por isso, não é difícil imaginar como eu estava ansioso por ver meus meninos na praia. Como reagiriam? Conseguiriam superar o medo natural dessa entidade tão grande e poderosa que é o mar? Saberia eu conduzir seus primeiros passos mar adentro como meu próprio pai havia feito comigo?
Mas minhas preocupações logo se revelaram uma grande besteira. Foi lindo ver a surpresa nos olhos deles já ao pisar na areia quente. Então é assim que é a praia pai? Começa com essa longa travessia, driblando gente, quarda-sóis, barcos de pesca e vendedores ambulantes? E o que dizer da água gelada, então? Pai!!! A água é salgada, olha só! Diziam os dois quase ao mesmo tempo enquanto passavam a língua pelos lábios e descobriam por eles mesmos aquelas coisas que não pode ser explicadas ou contadas, devem ser vividas pra se tornarem verdadeiras. Menino! Não faz isso que essa água é suja!!!
Não demorou muito pra que o Yago, do alto de seus sete anos, se jogasse na primeira ondinha que ousou desafiá-lo. Enquanto Vinicius, com toda a “cautela” que Deus houve por bem lhe dar, graças a Deus, experimentava entrar só até a canela pra então voltar pra areia. E, desconfiadamente, bem de acordo com seus cinco anos de forte personalidade, entrar de novo na água pra ir até o joelho e voltar pra areia. E repetir o mesmo processo até que a água chegasse à sua cintura, sua barriga, seu peito, onde decidiu: aqui já tá bom. Chega!
Daí pra frente foi presenciar, satisfeito, as mesmas cenas que meu coração de menino guardava já faz tanto tempo. Os meninos bolando na areia, o prazer das ondas que vem e vão jogando a gente pro raso e pro fundo numa interminável brincadeira, a construção de novos e efêmeros castelos de areia, os barcos chegando repletos de peixes de cores e formatos ao mesmo tempo atraentes e estranhos. Até que o por do sol, pr’além do fim do mar, definisse chegada a hora de ir pra casa, em meio a infinitos e invencíveis protestos de meus meninos felizes.
Pois foi assim que foi. E isso tudo não passaria de pequenas lembranças de férias, não tivesse o Yago, nesta semana, me perguntado: Pai a gente pode ir pra praia de novo no mês que vem? Foi quando não pude deixar de sorrir de sua inocência e ficar feliz por perceber que meu menino havia encontrado um dos primeiros amores de sua vida.
Você não narrou com riqueza de detalhes somente um dos primeiros amores da vida do Yago. Esse teu texto descreveu o primeiro encontro com o mar de cada um que já viveu isso. Phoda!
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