quarta-feira, 6 de abril de 2011

História política recente da Ayahuasca (VI)

Todo o movimento até aqui descrito me faz acreditar que o reconhecimento das grandes diferenças existentes entre os três “campos ayahuasqueiros” – originário, tradicional e eclético - é capaz de possibilitar a pacificação, a união e uma construção coletiva que contemple a todos.


“Padrinho Sebastião da Colônia Cinco Mil

Do Santo Daime, da Santa Maria...

Em Corrente com Antonio Conselheiro

Esta anunciando

Que o Acre vai virar pasto de boi...”

(Pia Vila)




3 - O “Campo Neo-Ayahuasqueiro” (ou Eclético) é o mais recente, tem cerca de 40 anos de desenvolvimento. Mas é, talvez, o mais numeroso de todos, já que está, hoje, presente tanto no Brasil quanto em diversos outros países da América e da Europa. Ao passo que é, também, muito provavelmente, o campo de expansão mais acelerada.

Este campo foi iniciado por um outro “Mestre Fundador”, o Padrinho Sebastião Mota, também no Acre. De certa forma, essa expressão religiosa poderia até ser vista como parte do tronco do Alto Santo, porque, inicialmente, o Padrinho Sebastião também seguia estritamente a doutrina de Mestre Irineu. Entretanto, o processo social, histórico e político da Amazônia brasileira já era completamente diferente e exigiu, desta comunidade, novas e distintas respostas que resultaram numa outra configuração ritual e simbólica que, na prática, tornou-a fundadora deste novo “campo ayahuasqueiro”. Quando Padrinho Sebastião saiu do Alto Santo, após a morte de Mestre Irineu - fundando a colônia Cinco Mil e, mais tarde, o Céu do Mapiá - o Acre e Rondônia haviam se tornado regiões de grandes conflitos e crise social profunda. A ditadura militar transformou a Amazônia em área de expansão desenfreada da fronteira agrícola. Agora, o grande “negócio” era devastar a floresta, vender a madeira e plantar gado e soja. Resultado: grilagem de terras, expulsão de famílias da floresta, importação de trabalhadores sem terra do sul do país, assassinatos, corrupção, explosão populacional das cidades, convulsão social, etc.etc.etc. Entretanto, na Amazônia Ocidental e, em especial, no Acre, ocorreu uma forte resistência que, em grande medida, era eminentemente cultural e se expressou de diferentes formas. Enquanto seringueiros resistiam “empatando” a derrubada da floresta, índios rompiam com os “marreteiros”, intelectuais locais publicavam denúncias e faziam músicas de protesto, as comunidades tradicionais da ayahuasca se fecharam em si mesmas, sentindo-se, mais uma vez, ameaçadas pelo desconhecimento dos poderosos da hora, que eram “de fora”. Já o Padrinho Sebastião Mota e sua comunidade se abriram a uma parte dessa nova leva de migração das grandes cidades brasileiras do sul para a distante e exótica fronteira do Brasil. É bom lembrar que a década de 70 englobou os anos da contracultura, do amor livre, de Woodstok, do desbunde geral, e de um “renascimento” espiritual expresso através de novas formas de religiosidade “esotérica”. Enquanto ensinava o conhecimento amazônico da ayahuasca aos visitantes, Padrinho Sebastião também adquiria novas práticas e elementos culturais que, até então, não faziam parte das doutrinas tradicionais. Em especial, a decisão de utilizar outras “medicinas sagradas”, além da ayahuasca, em seus rituais e simbologia. Neste tempo, além dos fazendeiros e grileiros que invadiam o Acre e Rondônia, alguns integrantes das elites intelectuais e artísticas dos grandes centros urbanos começaram a peregrinar ao Acre e a professar o uso da ayahuasca no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília, o que resultou numa radical expansão da agora chamada doutrina do “Santo Daime”. A partir dos anos 80 abriu-se, portanto, um canal de diálogo direto entre uma comunidade ayahuasqueira amazônica e segmentos das classes médias e altas urbanas que começaram a influir, não só na reconfiguração gradativa da doutrina de Padrinho Sebastião Mota, como também num fenômeno ainda mais recente: a proliferação de novas denominações e práticas religiosas, muito mais variadas, que passaram a incluir, de uma forma ou outra, o uso da Ayahuasca. Atualmente, existem centenas de igrejas espalhadas por todo o Brasil e diversos outros países. Elas têm as mais distintas configurações. Algumas seguem elementos doutrinários do Padrinho Sebastião, com o acréscimo de algumas novas características, outras dizem seguir os ensinamentos dos Mestres Irineu, Daniel ou Gabriel, mas divergem em seus rituais e práticas, enquanto outras fazem misturas completamente inusuais e dissociadas do que foi legado pelos “mestres fundadores”, mesclando yoga, meditação transcendental, esoterismos diversos, umbandaíme, taoísmo, medicina alternativa, etc., etc., etc. E, mesmo que estas novas configurações místicas ou religiosas constituam formas de expressão tão legitimas quanto quaisquer outras, são claramente distintas daquelas estabelecidas pelo campo dos ayahuasqueiros tradicionais. Torna-se, assim, evidente, que o reconhecimento das grandes diferenças existentes entre os três “campos ayahuasqueiros” podem possibilitar a união e uma construção coletiva que contemple a todos os ayahuasqueiros. Eis a sintaxe, uma proposta de vocabulário... Sinceramente falando, então. Hoje, os índios argumentam que a ayahuasca é deles, e que os não-índios deveriam pagar royaltis por sua cultura estar sendo usurpada. Os tradicionais, por conseguinte, acusam os neo-ayahuasqueiros de desvirtuar princípios fundamentais deixados pelos mestres fundadores. E os neo-ayahuasqueiros, por sua vez, criticam o governo brasileiro por tratá-los com preconceito e intolerância. Ou seja, todos reclamam de todos e pouco se conversa. E, é por isso que neste texto tanto insistimos sobre a necessidade de que a proposta de um arranjo específico para o inventário da ayahuasca seja, na prática, uma “pactuação política”. Um entendimento semelhante ao que, recentemente, ocorreu entre as comunidades tradicionais, como descrito nos artigos anteriores, e que resultou na iniciativa de propor um “olhar cultural” para as questões legais relacionadas à ayahuasca no Brasil. Uma pactuação política entre originários, tradicionais e neo-ayahuasqueiros que estabeleça, além de uma motivação comum, também o respeito pelas diferenças e pela necessidade de todos, um dia, falarem a mesma língua... a antiga linguagem (linhagem) cultural revelada pelo “vinho das almas”. Eis o Confessionário... Hora de voltar à pergunta: Qual mesmo a imagem do uso cultural da Ayahuasca para o povo brasileiro? Certamente, uma imagem ainda imprecisa, mas fruto de uma milenar mistura de ingredientes especiais: fogo, água, cipó Jagube cortado e batido, folhas limpas de Rainha, arte de quem faz, índios - muitos e diversos, negros fugidos ou desterrados, europeus e sua vasta descendência de mestiços, árabes e orientais de todas as cores, caboclos de tantas incertas origens. Misteriosa mistura de alquimias e rituais antigos... há muito curtidos em fervura branda para não desandar... Este é o trecho da história que tenho presenciado e o que compreendo dele... obs: Rapaz, acabei de me convencer que sou mesmo um analfabeto digital, pois como voces podem perceber desde o post passado que este blog resolveu por conta prórpria engolir todas as marcas de paragrafo e eu não sei o que fazer mais... Se alguem souber... Socorro!!!

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