domingo, 24 de junho de 2012

As cinco décadas do Estado do Acre (IV- final)

Hoje concluímos a série de artigos sobre a criação do Estado do Acre. Nesta semana a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional com suas muitas idas e vindas e uma breve reflexão sobre os últimos 50 anos da história política acreana.

No Congresso

Segundo a Professora Maria José Bezerra, a maior pesquisadora da atuação de Guiomard Santos desde o período em que foi governador do Território Federal do Acre, originalmente o Deputado Federal Guiomard Santos, eleito pelo Acre, quis apresentar o projeto de transformação do território em Estado ainda no início da legislatura, em 1954. Entretanto, só o fez efetivamente em 1957.

E, como normalmente acontece até hoje no Congresso Nacional, a tramitação do projeto não foi rápida. Certamente contribuiu muito para essa lentidão o fato de que nesta época já haviam outros territórios federais no Brasil. E o que acontecesse ao Acre, certamente iria acontecer também com os outros. Além disso, havia a forte oposição do PTB de Oscar Passos e grandes interesses corporativos em jogo, especialmente de certos setores do funcionalismo público que não queria de nenhuma forma deixar de ser federal para se tornar estadual. Bem como outras questões delicadas como a propriedade das terras públicas acreanas e uma nova repartição orcamentária para prover o novo estado com condições para se manter.

Aliás este último assunto foi, de longe, o mais intensamente debatido tanto aqui no Acre, quanto no Congresso. Como poderia se manter o novo Estado do Acre se sua arrecadação não era suficiente? Pesou muito para a solução desta questão a realidade de outros estados brasileiros, como o gigante e importante Estado de Minas Gerais, que também era deficitário na época.

O certo é que entre uma comissão e outra, e as discussões de plenário, foram cinco anos de grandes debates e várias mudancas do projeto original. E, cabe ressaltar, que essa verdadeira batalha legislativa ocorreu sobretudo no âmbito da Câmara dos Deputados onde se digladiavam Guiomard Santos e Oscar Passos, com a participação de vários outros deputados, entre os quais Océlio de Medeiros que era acreano de nascimento, mas havia sido eleito pelo Estado do Pará, já que cumpria um certo “exílio branco“ do Acre. Já no Senado Federal tudo foi bem tranquilo e célere.

Assinatura da Lei 4.070

Por outro lado, havia também a própria crise política e institucional enfrentada pelo país. Não custa lembrar que a lei 4.070 que criou o Estado do Acre teve que ser sancionada, além do Presidente da República Joao Goulart, pelo Primeiro Ministro Tancredo Neves, já que o Brasil vivia então sob um regime parlamentarista provisório. Uma crise que em 1964 iria desaguar no malfadado golpe militar. E, o que pouca gente costuma lembrar, apesar da lei ter sido sancionada em 15 de junho de 1962, foi preciso ainda resolver a questão de alguns vetos que o Presidente Jango fez à Lei 4.070, que só foram definitivamente sanados pelo Congresso em novembro.

No Acre

Enquanto isso tudo acontecia no Congresso, aqui no Acre a animação era grande. Os pessedistas criaram nos sete municípios acreanos os chamados Cômites Pró-Autonomia que se encarregavam de disseminar as possíveis vantagens do projeto do Acre Estado, tirar as dúvidas que eram suscitadas e rebater os boatos e versões negativas disseminadas pelos petebistas. E como os acreanos quase não gostam de política... é fácil de imaginar que tempos de comícios e manifestações intensas foram aqueles. Especialmente se considerarmos, segundo o que contam muitos dos participantes, que as mulheres tiveram uma atuação muito forte e incisiva durante essa etapa final do movimento autonomista.

Uma festa política que logo foi seguida por uma festa democrática ainda maior, até porque muito aguardada. As primeiras eleições para governador de toda a história do Acre. Um momento que, depois de longos 58 anos, marcou a transição quase definitiva do velho Território Federal do Acre para um novo estado pleno de direitos politicos para os acreanos.

Eu disse que foi uma transição quase definitiva porque pouco mais de um ano após essas primeiras eleições, o golpe militar restituiu no Acre a prática da nomeação dos governadores. E foram mais 18 anos sem direito à democracia. Uma trágica ironia que só não foi completamente similar aquela da época do Território Federal porque o Governo Militar teve a “gentileza“ de nomear em sequencia quatro governadores acreanos, enquanto que no Território isso nunca acontecia.

O processo de redemocratizacao promovido lentamente pela Ditadura só permitiu a volta das eleições diretas para governadores no país em 1982. Assim, neste ano em que, pelo menos em tese, o Acre completa cinquenta anos de Estado se completa, na verdade, apenas trinta anos de democracia desde que o Acre foi anexado ao Brasil, em 1903. Um tempo, certamente, breve demais para se exigir maior maturidade da democracia acreana.

Campanha de 1990

Talvez por isso mesmo não seja tão estranho constatar uma certa instabilidade política pós-ditadura no que diz respeito à definição de um projeto de Acre pelo proprio povo acreano. Afinal, entre 1982 e 1990, a esquerda conseguiu ocupar o governo estadual por dois mandatos seguidos, oito anos. Mas, a falta de solução para os conflitos sociais que assolavam o Acre desde os anos 70, e a esse respeito não custa lembrar que o assassinato de Chico Mendes se deu em 1988, bem como escândalos que envolviam a malversação de recursos públicos parece ter sido decisiva para a volta da direita ao poder em 1990 com Edmundo Pinto. Direita que se manteve no poder também por dois mandados consecutivos até 1998, caracterizando um dos períodos mais problemáticos da história do Acre devido ao crescimento e a institucionalização do crime organizado e a desestruturação completa das instituições públicas.

Só a partir de 1999, com a volta de setores mais progressistas ao poder, devido à eleição de Jorge Viana e a chegada da Frente Popular ao governo do estado, a sociedade acreana passou a dispor de um projeto politico consistente e organizado que evidentemente proporcionou, nos últimos 14 anos, maior estabilidade politica e econômica à jovem democracia acreana.

sábado, 16 de junho de 2012

As cinco décadas do Estado do Acre (III)

Na sexta-feira o Acre completou cinquenta anos desde que tornou Estado. Resultado de um longo processo histórico que teve muitos altos e baixos. No artigo de hoje, o que aconteceu com o movimento autonomista durante os duros anos da crise da borracha, quando tudo parecia perdido...


Com e sem borracha

Nas semanas anteriores vimos como e porque foi criado o Território Federal do Acre. E também que esse regime estranho e autoritário deu origem à uma intensa fase de revoltas e lutas armadas pela autonomia politica e desenvolvimento econômico do Acre. Afinal, como nos conta Craveiro Costa na "Conquista do Deserto Ocidental", só com os impostos federais sobre sua borracha, em cerca de cinco anos, o Acre já havia pago ao governo brasileiro todas as despezas decorrentes da anexação ao Brasil.

Assim, depois das intensas lutas autonomistas ocorridas entre 1904 e 1920, a grave crise da borracha, iniciada em 1913, quando, pela primeira vez, toda a produção de borracha amazônica foi superada pela borracha de cultivo do sudoeste asiático derrubando o preço desta matéria prima, começava a deixar muito poucos motivos para que o Acre continuasse reivindicando sua autonomia. Pensando bem, talvez fosse melhor mesmo ser Território Federal porque isso ao menos garantia que as despesas continuariam sendo pagas pela República.

Na verdade, nos anos 20 e 30 do século passado, com a crise da borracha o Acre havia se tornado aquilo que Océlio de Medeiros chamou, em seu livro "A Represa", de "Um igapó de almas, rios que perderam seus destinos para se tornar como que um pântano de águas putrefatas..." De fato, os seringais faliam um atrás do outro e se esvaziavam de trabalhadores que, sem a motivação do enriquecimento rapido proporcionado pelo corte da seringa iam embora aos milhares, invertendo o fluxo migratório que anos antes havia povoado essas florestas.

Ainda assim, em varias cidades acreanas, continuavam circulando jornais que mantinham vivas as ideias autonomistas, mesmo que sem grande ressonância numa sociedade combalida pela decadência econômica pronunciada.


Corocas e Urucubacas

A situação política só comecou a mudar mesmo com a Revolução de 30 que abalou as estruturas da República Velha. Até então a questão da autonomia do Território Federal do Acre só havia sido debatida no Congresso Nacional gracas à atuação de parlamentares de outros estados, notadamente Ceará e Rio Grande do Sul, já que o Acre não dispunha de representação no legislativo nacional.

Com a constituição de 1934, o Acre passou a ter direito de eleger dois deputados federais para defender seus interesses no Congresso. Mas, para tanto, seria necessário antes organizar partidos politicos já que com a falta de democracia no Território, só havia clubes e agremiações politicas sem caráter legal.

Assim, os diversos grupos autonomistas se agruparam em um partido chamado de Legião Autonomista e os segmentos contrários à transformação do Acre em Estado reuniram-se no Partido Construtor, pela idéia de que primeiro seria necessário construir o Acre para só depois torna-lo um Estado de fato e de direito. E foram esse dois partidos políticos que passaram a disputar eleições a cada quatro anos para eleger deputados federais.

Mas, como aqui no Acre, eleições, apesar de sempre muito aciradas, acabam invariavelmente desaguando em ironia e galhofa. Os integrantes dos dois partidos políticos acabavam denominando seus adversarios por jocosos apelidos. Uns eram os "Corocas" (os velhos de idéias caquéticas) e outros os "Urucubacas" (azarados pra quem nada dava certo). Ou seja, a partir de 1934 o movimento autonomista entrou numa nova fase. Um período de organização político-partidária que logo teria uma mudança de configuração.


Petebistas e Pessedistas

Esta situação permaneceu até 1945 quando o fim da Ditadura Vargas e da Segunda Guerra Mundial, que havia promovido no Acre a "Batalha da Borracha" e a recuperação da economia seringalista, deu lugar a uma nova constituição federal. E, por conta deste novo arranjo politico em que se estabeleceram partidos nacionais, no Acre a Legião Autonomista se tornou o PTB, e o Partido Construtor se transformou no PSD. Criaram-se também a UDN, o PCB, entre outros, mas estes nunca conseguiram adquirir grande expressão local.

A partir de 1946, portanto, a representação do movimento autonomista passou a ser abrigada no interior do PTB, pelo menos em tese, já que o carater nacional destes partidos parece ter diluido os ideiais autonomistas nesta fase da história acreana. Tanto assim que, em 1957, quem apresenta no Congresso Nacional um polêmico projeto de lei de transformação do Território em Estado foi o Deputado Federal Guiomard Santos, então lider do PSD acreano.

A julgar por sua origem historica, quem deveria ter apresentado esse projeto era o PTB. Mas, como Guiomard Santos e o PSD tomaram pra si essa bandeira, não restou outra alternativa aos petebistas liderados por Oscar Passos senão ficar contra o projeto do Acre Estado. Porque essa era a lógica política acreana então... se o PSD era a favor, o PTB tinha que ser contra, e vice versa, fosse qual fosse o tema em questão. Começava assim, sob o signo de uma inerente contradição histórica, a ultima fase do movimento autonomista acreano.

domingo, 10 de junho de 2012

As cinco décadas do Estado do Acre (II)

Neste mês em que o Acre completa cinquenta anos desde que tornou Estado essa coluna está trazendo uma série de artigos dedicados aos processos históricos associados a este acontecimento que marcaram profundas transformações na sociedade acreana.


O difícil reinício...

Com a criação do Território Federal do Acre os maiores prejudicados foram os acreanos. Este estranho regime não previa nenhuma forma de participação da sociedade acreana na gestão do poder político e administrativo regional. Os Prefeitos dos três Departamentos (Alto-Acre, Alto-Purus e Alto-Juruá) em que foi dividido o Território eram nomeados diretamente pelo Presidente da Republica. Além disso, não foi criado nenhum tipo de poder legislativo, já que as leis que regiam o Acre eram federais, e o poder judiciário estava situado em Manaus, à milhares de quilômetros de distância das terras acreanas.

Mas, como se isso tudo não bastasse, a verba destinada ao governo do Território Federal do Acre era irrisória e infinitamente menor que as rendas obtidas dos impostos sobre a borracha. Esse foi o preço que o Acre teve que pagar por sua determinação e ousadia em se tornar parte do Brasil.

Não demorou muito para que os Prefeitos Departamentais nomeados para governar o Acre revelassem todo o autoritarismo desse esdrúxulo regime político. Estes eram militares e/ou políticos de outras regiões do país que não possuíam o menor conhecimento da realidade regional e nenhum traço de representatividade social, com honrosas excessões (como Thaumaturgo de Azevedo, por exemplo) que não faziam mais do que confirmar a regra.

Entre 1904, quando foi criado o Território Federal, e 1908 todas as tentativas feitas no Congresso Nacional para promover mudanças neste regime político administrativo foram abafadas pelo governo federal. Enquanto isso, o alto preço da borracha no mercado internacional proporcionava grandes rendas para o Rio de Janeiro (que era então a capital da Republica) através da cobrança de impostos escorchantes, ao mesmo tempo em que começavam a circular preocupantes notícias sobre o início da produção de borracha de cultivo pelos ingleses no sudoeste asiático.

Não demorou para que as vozes da revolta voltassem a se espalhar pelos rios acreanos. Contra o Acre, além da falta de sensibilidade do governo federal, pesava muito a enorme dificuldade de comunicação entre os principais vales do Território. Eram necessários meses para levar notícias do rio Acre ao rio Juruá. Era praticamente impossível, então, propor uma ação conjunta e coordenada de toda a sociedade acreana.

Cruzeiro do Sul - 1910

A volta das revoltas

Foi nesse contexto que, em 1909, uma das maiores lideranças do Acre na época, o Coronel Plácido de Castro, que havia fundado em Xapuri o Club Político 24 de Janeiro para lutar pela autonomia acreana, foi traiçoeiramente assassinado numa emboscada. Uma ação tramada, segundo a voz popular, pelo próprio Prefeito Departamental do Alto-Acre, o engenheiro militar Gabino Besouro. Parecia não haver mais espaço para uma solução negociada.

Logo em seguida Cruzeiro do Sul, sede do Departamento do Alto-Juruá, tomou a vanguarda das manifestações autonomistas e realizou um movimento sedicioso cujo objetivo era pôr fim aos desmandos de mais um governante autoritário e demonstrar claramente ao governo brasileiro a injustiça que se estava cometendo contra o povo acreano. Porque, de fato, os acreanos se tornaram cidadãos de segunda categoria em seu próprio país. Esta era, no início do século XX, uma das regiões mais ricas do Brasil e paradoxalmente era também uma das pobres, já que não arrecadava impostos sobre o que produzia e vivia das esmolas de um governo que não reconhecia suas necessidades mínimas.

Assim, em 1910, os autonomistas cruzeirenses depuseram o Prefeito Departamental João Cordeiro e declararam criado o Estado do Acre e formaram uma Junta Governativa. Como essa revolta pretendia ser de todo o território e não apenas do Juruá, os revoltosos proclamaram como governador do Estado do Acre o cel. Antonio Antunes de Alencar, acreano histórico que havia lutado no rio Acre e indicaram o Purus como a sede do novo governo. Estava desenhada a proposta capaz de unir toda sociedade acreana em torno do objetivo comum da autonomia politica.

Até que, inesperadamente, numa noite de setembro de 1910, as tropas da força federal em Cruzeiro do Sul comandadas pelo Capitão Guapindaia atacaram a pequena guarda revolucionária composta por 30 homens. Os combates duraram toda a noite e pela manhã se deu a capitulação da tropa revolucionária com o saldo de um homem morto e dois feridos. Novas vítimas da indiferença nacional e dos interesses do mercado internacional da borracha. Estava encerrada a revolta que durante cem dias tornou real o sonho acreano de governar a si próprio.

Sena Madureira - 1912

Mas, menos de um ano depois, o Juruá voltaria a depor outro Prefeito Departamental nomeado pelo governo federal, do mesmo modo como fariam os habitantes do Purus ainda em 1912, na revolta autonomista de Sena Madureira que também foi duramente reprimida pelo governo brasileiro.

Isso, sem mencionar ainda, que na cidade de Rio Branco também se realizaria um arremedo de revolta autonomista, em 1918. Mas, então, já era tarde demais. A crise da borracha amazônica foi avassaladora para o Acre e a crise econômica abafou os anseios autonomistas até a década de 30, quando renasceriam através da organização de novas agremiações políticas para disputar as primeiras eleições legislativas para o Congresso Nacional na história acreana...

domingo, 3 de junho de 2012

Cinco décadas de Estado do Acre (I)

Neste mes de junho o Acre completa cinquenta anos desde que deixou de ser Território Federal e se tornou um estado autonomo da federação. Por isso, ao longo de todo o mes, essa coluna trará uma serie de artigos dedicados ao tema.

Porque...

Nas esquinas da história acreana já se tornou antológica a bem humorada e contundente crítica feita ao governo por ocasião do cinquentenário da Revolução Acreana, em 1952. Diante da total inação governamental um jornal acreano publicou uma primeira página totalmente preta com letras brancas que diziam "Ficam adiadas para o centenário as comemorações do cinquentenário!"

Muitos historiadores se especializaram em criticar, nos últimos anos, a atuação do governo que vem se empenhando em não deixar que essa história se repita e tem desenvolvido diversas e intensas atividades comemorativas de alguns dos principais acontecimentos da história acreana que, diga-se de passagem, é tão cara para a sociedade em geral. Até porque esta é, inclusive, uma das obrigações constitucionais do estado brasileiro em seus diversos níveis.

Aliás, não devemos ignorar o fato de que a adoção de novos parametros curriculares transversais no sistema educacional, bem como a substituição do vestibular pelo Enem como forma de avaliação para o ingresso na universidade pública no Acre, vem trazendo um enorme prejuízo para as novas gerações de acreanos que crescem sem ter o minimo conhecimento da história local. Mas parece que isso não integra o rol de principais preocupações daqueles historiadores especialistas em criticar as ações governamentais de valorização e difusão da historia acreana.

Ouso até dizer que se dependessemos apenas da produção academica e não fosse o notório interesse dos acreanos, a atuação do governo e, ainda mais recentemente, de alguns jornalistas e blogs independentes que se dedicam a divulgar a história acreana, estaríamos diante da eminencia de algum jornal local ter que publicar uma primeira página totalmente em branco, porque não haveria sequer o que dizer diante de tamanha inércia... Mas, deixemos de conversar miolo de pote e passemos ao que de fato interessa...


Como...

Não seria possível compreender a importancia deste momento em que o Acre completa cinquenta anos desde que se tornou estado se antes não entendermos como isso afetava a vida dos acreanos nos sessenta anos anteriores a essa conquista. Aliás, de maneira geral, o processo histórico que resultou na criação do estado do Acre deve necessariamente ser analisado a partir de tres diferentes processos.

O primeiro diz respeito ao período em que o Acre permaneceu na condição de Território Federal e que durou 58 anos, de 1904 a 1962. O segundo trata da batalha legislativa que aconteceu no Congresso Nacional, entre 1957 e 1962, e que resultou numa intensa batalha politica aqui no Acre, na qual se digladiaram os mais diversos segmentos sociais acreanos, através do PSD e do PTB. E o terceiro que é constituido pelos ultimos cinquenta anos propriamente ditos em que o Acre já tornado um Estado autônomo da República brasileira precisou encarar o desafio de decidir e buscar seu proprio caminho.

Mas mesmo antes de dar início à análise destes tres diferentes processos não podemos prescindir de tratar, ainda que brevemente dos antecedentes da criação do Territorio Federal do Acre.


Antes...

São amplamente conhecidas as histórias da Revolução Acreana, que se estendeu de 1899 a 1905, período no qual se lutou contra a dominação boliviana no vale do rio Acre e peruana no Purus e no Juruá. Porém, poucos refletem sobre o fato de que a assinatura do Tratado de Petrópolis (1903) com a Bolívia e do Tratado do Rio de Janeiro (1909) com o Peru não encerrou a luta dos acreanos para conquistar seu direito à cidadania brasileira, pelo contrário.

Até o final da Questão do Acre não havia no Brasil o sistema de territórios federais. O país tinha acabado de concluir uma enorme mudança política com o fim da Monarquia e o início da República (1889) e passou a ser constituído por uma federação de estados autônomos. Isso vinha de encontro ao desejo republicano de descentralização em oposição ao forte papel desempenhado pelo governo central no período monarquico.

Mas, com a vitória dos revolucionários acreanos contra a dominação estrangeira de imediato puseram-se em confronto os interesses do Amazonas, que queria que as terras acreanas lhe fossem anexadas; do Pará, que não queria o aumento da participação amazonense no mercado internacional da borracha; e dos próprios acreanos que esperavam ver o Acre transformado no mais novo estado da Republica brasileira.

Ao vitorioso nesse confronto caberiam as ricas rendas da alfandega do Acre, maior produtor da borracha de melhor qualidade (a famosa Acre fina) de toda a Amazônia. Contrariando e surpreendendo a todos o Governo Federal decidiu, então, criar o exdruxulo sistema de Território Federal, a ser administrado diretamente pelo poder central. Matava-se, com isso, vários coelhos com uma só cajadada! Evitava-se acirrar ainda mais a disputa entre o Amazonas e o Pará, impedia-se também o aumento do poder dos seringalistas acreanos que passaram a ser temidos depois de vencer um conflito internacional às suas próprias custas e, não menos importante, passava-se a engordar o Tesouro Nacional com a ambicionada renda da borracha acreana.