domingo, 20 de maio de 2012

Que verdades? Que história?

Não deixa de ser uma interessante coincidência o fato de ter sido instalada a polêmica e aguardada Comissão da Verdade no mesmo ano em que o Acre completa 50 anos como Estado. Mas o que isso significará na prática? Eis o que teremos que descobrir...

O ano era 1962 e o Acre vivia um momento muito especial da sua história. Depois de uma longuíssima espera, 58 anos para ser preciso, os acreanos pela primeira vez poderiam eleger seu governador e deputados estaduais. Era o velho sonho da autonomia política que enfim se tornava realidade.

Aconteceu então uma épica e surpreendente campanha política que resultou na eleição do jovem acreano de Cruzeiro do Sul, José Augusto de Araujo que derrotou um dos maiores líderes políticos da história acreana: Guiomard Santos, exatamente o autor da lei que transformou o Território em Estado. Um episódio que ainda não foi devidamente compreendido pela história e que precisa, um dia desses, ser objeto de profunda pesquisa, já que sobre ele circulam diversas versões contraditórias.

O certo é que o mês de março de 1963 assistiu a posse do governador José Augusto e dos deputados constituintes que teriam a missão de escrever e aprovar a primeira constituição estadual no prazo de cem dias, sob pena de o Acre ser obrigado a adotar a Constituição do Amazonas.

Governador José Augusto discursando para a população,
em frente ao palácio Rio Branco, no dia de sua posse, 01 de março de 1963.


Entretanto, pouco mais de um ano depois do início desta nova etapa da história acreana, no malfadado dia 1º de abril (travestido de 31 de março), foi instituída no Brasil a Ditadura Militar. Era o início do fim da tão sonhada autonomia acreana novamente.

Pouco tempo depois a cena que se viu nas ruas do centro de Rio Branco era quase inacreditável. As tropas do Exército, comandadas pelo Capitão Edgar Cerqueira, cercaram o Palácio Rio Branco, então protegido pela mal armada e pouco treinada Guarda Territorial, para exigir a renuncia do Governador José Augusto.

Segundo contou meu grande amigo Rivaldo Guimarães para a Dra. Nazaré Araujo, filha de José Augusto, ele era então um dos soldados que participavam do cerco ao Palácio já que estava, na época, cumprindo o serviço militar obrigatório. E tremia mais que vara verde diante da possibilidade de ser obrigado a atacar o palácio e ter que atirar em pessoas que eram suas amigas, acreanos como ele, que não tinham nada a ver com aquela história toda. E quanto mais passava o tempo sem que surgisse uma solução negociada, mais a tensão e o medo de que o pior pudesse acontecer aumentava.

Segundo me contou D. Maria Lucia de Araujo, dentro do Palácio a situação não era menos dramática. Ela, pessoalmente, era contra a assinatura da carta de renuncia naquelas condições, o Bispo aconselhava que seria melhor assinar do que provocar um banho de sangue. Os assessores do governador também se dividiam em suas opiniões. Até que, sob intensa pressão, o Governador José Augusto aceitou assinar a carta renunciando ao Governo do Acre para evitar que sangue inocente fosse derramado inutilmente, porque não haveria mesmo como resistir às tropas federais indefinidamente. E José Augusto de Araujo, que sempre assinava seu nome por extenso em todos os documentos, desta vez assinou J.A., como quem diz: eu assino, mas esse na verdade não sou eu...

No dia seguinte, a Assembléia Legislativa, também sitiada, aprovava o nome do capitão Cerqueira como novo Governador do Acre. E até hoje ninguém sabe ao certo o que motivou mesmo todos estes acontecimentos. O fato de José Augusto ser do mesmo partido do Presidente João Goulart recém deposto e com ele compartilhar idéias progressistas? O fato de sofrer forte oposição no interior de seu próprio partido, o PTB? Ninguém sabe nem mesmo se foi a Ditadura que ordenou aquela renuncia forçada, ou se foi uma iniciativa do próprio Capitão Cerqueira, estimulado por políticos que eram contrários à José Augusto, numa trama sórdida e obscura até hoje velada por todos os que dela participaram.

O que se sabe com certeza é que ao invés deste ter sido o fim de um dos mais tristes episódios da historia acreana, significou na verdade o inicio do suplício à que o ex-governador foi submetido.

Foram longos seis anos de perseguição de José Augusto e seus familiares, de internações forçadas, num tipo de cárcere disfarçado, em hospitais que não ofereciam a menor condição de atender os sérios problemas cardíacos que ele tinha e que haviam sido muito agravados desde os duros episódios de 1964. Até que em 1971, em meio à profunda depressão e dificuldades de toda sorte, seu coração não mais aguentou tanto sofrimento e deixou de bater definitivamente...

Trágica ironia... Justamente o primeiro governador do Acre, que incorporou toda a esperança e anseios democráticos de uma sociedade secularmente renegada por seu país, foi sem ter sido. Porque aparentemente nada sofreu por parte da Ditadura. Ele não foi cassado oficialmente, renunciou. Ele não foi assassinado diretamente... foi sendo morto aos poucos... até não mais suportar e morrer de causa natural!

Este é o tipo de verdade com que a Comissão da Verdade terá que lidar... Aquelas verdades que não constam de documentos, que foi escamoteada, disfarçada, distorcida até parecer ser o que não foi... Entretanto, são essas verdades, ainda mais subterrâneas e obscuras que os malfadados porões da Ditadura, que ainda vivem dentro de milhares de vitimas diretas e indiretas dos anos de chumbo e que estão a clamar por justiça histórica... ao menos.

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