Na terça-feira, 5 de junho, vai ao ar, pelo Canal Futura, mais um episódio da série de programas chamada “Livros que amei”. Desta vez quem vai estar lá falando de três livros que marcaram sua vida será o escriba desta coluna... Ah meu Deus...! Já to nervoso! Afinal, também não assisti ainda o programa depois de pronto.
Se não me engano, por diversas vezes escrevi aqui nesta coluna sobre a importancia dos livros em minha vida. Mas, se não falei deveria tê-lo feito. Porque, não consigo sequer imaginar o que seria viver sem eles. Gracas aos livros, desde muito cedo, viajei por mundos estranhos, exóticos. Vivi aventuras de tirar o folego. Conheci pessoas tristes, belas, violentas, sagazes, sedutoras, comuns. Me deparei com situações e sentidos que sequer seria capaz de supor serem possiveis.
E por uma questão de gratidão devo confessar que devo tudo isso a minha mãe. Foi Dona Wilma foi quem me ensinou a amar os livros e fazer deles parte indissociável de meus dias. Mesmo sabendo que muitas vezes ela deve ter se arrependido, ainda que docemente, quando eu deixava de estudar matemática pra acompanhar as aventuras de Tom Saywer, ou de estudar português pra mergulhar 20.000 léguas submarinas atrás da imaginacão alucinante de Julio Verne.
Por isso mesmo, um dos três livros que escolhi para falar durante o programa é um daqueles que li quando menino. A bela adaptação que Origenes Lessa fez de alguns mitos gregos que me encantaram e fizeram sonhar com hidras, centauros e deuses do Olimpo. Ah como eram emocionantes aquelas noites de sono perdidas\ganhas lendo até o dia amanhecer!
Assim como tambem não poderia deixar de falar no programa sobre essa minha outra paixão chamada história do Acre. E para tanto, nada melhor do que recorrer a outro apaixonado pela mesma perdição (porque paixão é sempre encontro e perdição, né não?), um cara chamado Euclides da Cunha. Só que dessa vez, tive que tratar de um livro que, apesar de intensamente planejado, por uma sutil ironia do destino, nem sequer chegou a ser escrito.
Estou falando, é claro, do “Paraiso Perdido”. Aquele que seria seu segundo livro vingador, como declarou o proprio Euclides, depois do retumbante sucesso de “Os Sertoes”. Afinal, como todos sabem, ele morreu depois de vir ao Acre e antes de ter tido tempo de escrever seu sonhado livro. Assim o “Paraiso Perdido” que nos chegou é na verdade um esboço do que poderia ter sido, gracas a reunião de textos diversos que ele escreveu sobre o Acre, mas que nem por isso são menos importantes ou belos do que poderiam ter sido aqueles que não chegaram a ser escritos... O que talvez sirva pra provar que mais do que de tinta e papel os livros são feitos de sonhos e desejos e muitas vezes é o que basta.
E pra terminar... Já que são apenas três livros a serem comentados em cada programa. Falei sobre um livro muito especial que me acompanha a décadas. Um livro muito diferente dos anteriores porque é milenar e tambem porque não foi escrito por uma só pessoa, mas vem sendo escrito e reescrito por muitas mãos ao longo de todo esse tempo.
Estou falando do “I Ching, o Livro da Mutações”, que os chineses inventaram há cerca de 5.000 anos. Ou melhor, que um personagem mítico, por alguns chamado como Fou Hsi, teria criado a partir da observação direta da natureza e do espírito humano. Um livro que muitas vezes é minimizado por também poder ser usado como oráculo, mas que é muito mais que isso. É, na verdade, um livro de historia, um tratado sobre ética e comportamento, uma obra admirável para a compreensão e condução de uma vida espiritual plena.
E o que é melhor. Um livro que, diferente dos livros sagrados ocidentais, não tenta individualizar modelos a serem seguidos através deste ou daquele personagem histórico e nem se apoia no surrado maniqueismo de nossa sociedade que hipocritamente se orienta pela lógica do bem em permanente luta contra o mal. Que até pode ser muito util na hora de escrever roteiros de cinema, convenhamos. Mas que vive a nos induzir a erros de avaliação e de reação diante dos desafios da vida.
O “I Ching”, pelo contrário, trata bem e mal, masculino e feminino, claro e escuro, quente e frio, etc. como meras manifestações da unidade de todos os seres e simultaneamente da pluralidade através da qual a vida se manifesta.
Enfim... Foi isso, em síntese, o que conversei durante a gravação desse programa que me deu muito prazer de participar. Até porque, alem do formato original e interessante, com a participação de comentadores além dos convidados, como voces poderão ver por si mesmos na terca-feira, 05 de junho, às 21:30, foi feito por uma equipe muito bacana, dirigida por Suzana Macedo e Izabel Jaguaribe. A quem agradeço demais a gentileza e carinho com que fui tratado. Assim como não posso deixar de agradecer à Bia Lessa que indicou meu nome para participar de um trabalho tão legal como esse. Espero voces por lá...
Obs - Pra quem quiser mais informações sobre esse interessante projeto sugiro ir ao site do Canal Futura, no link http://www.futura.org.br/livros-que-amei-nova-serie-mostra-as-obras-favoritas-de-convidados-especiais, ou no Face no endereço http://www.facebook.com/pages/Livros-Que-Amei
Aviso - Não vi o jornal impresso ainda, mas no site do jornal Página 20 a informação sobre o dia do programa está incorreta... lá consta que será na proxima terça-feira. Mas, como dito acima, será mesmo no dia 5 de junho.
domingo, 27 de maio de 2012
domingo, 20 de maio de 2012
Que verdades? Que história?
Não deixa de ser uma interessante coincidência o fato de ter sido instalada a polêmica e aguardada Comissão da Verdade no mesmo ano em que o Acre completa 50 anos como Estado. Mas o que isso significará na prática? Eis o que teremos que descobrir...
O ano era 1962 e o Acre vivia um momento muito especial da sua história. Depois de uma longuíssima espera, 58 anos para ser preciso, os acreanos pela primeira vez poderiam eleger seu governador e deputados estaduais. Era o velho sonho da autonomia política que enfim se tornava realidade.
Aconteceu então uma épica e surpreendente campanha política que resultou na eleição do jovem acreano de Cruzeiro do Sul, José Augusto de Araujo que derrotou um dos maiores líderes políticos da história acreana: Guiomard Santos, exatamente o autor da lei que transformou o Território em Estado. Um episódio que ainda não foi devidamente compreendido pela história e que precisa, um dia desses, ser objeto de profunda pesquisa, já que sobre ele circulam diversas versões contraditórias.
O certo é que o mês de março de 1963 assistiu a posse do governador José Augusto e dos deputados constituintes que teriam a missão de escrever e aprovar a primeira constituição estadual no prazo de cem dias, sob pena de o Acre ser obrigado a adotar a Constituição do Amazonas.
O que se sabe com certeza é que ao invés deste ter sido o fim de um dos mais tristes episódios da historia acreana, significou na verdade o inicio do suplício à que o ex-governador foi submetido.
Foram longos seis anos de perseguição de José Augusto e seus familiares, de internações forçadas, num tipo de cárcere disfarçado, em hospitais que não ofereciam a menor condição de atender os sérios problemas cardíacos que ele tinha e que haviam sido muito agravados desde os duros episódios de 1964. Até que em 1971, em meio à profunda depressão e dificuldades de toda sorte, seu coração não mais aguentou tanto sofrimento e deixou de bater definitivamente...
Trágica ironia... Justamente o primeiro governador do Acre, que incorporou toda a esperança e anseios democráticos de uma sociedade secularmente renegada por seu país, foi sem ter sido. Porque aparentemente nada sofreu por parte da Ditadura. Ele não foi cassado oficialmente, renunciou. Ele não foi assassinado diretamente... foi sendo morto aos poucos... até não mais suportar e morrer de causa natural!
Este é o tipo de verdade com que a Comissão da Verdade terá que lidar... Aquelas verdades que não constam de documentos, que foi escamoteada, disfarçada, distorcida até parecer ser o que não foi... Entretanto, são essas verdades, ainda mais subterrâneas e obscuras que os malfadados porões da Ditadura, que ainda vivem dentro de milhares de vitimas diretas e indiretas dos anos de chumbo e que estão a clamar por justiça histórica... ao menos.
O ano era 1962 e o Acre vivia um momento muito especial da sua história. Depois de uma longuíssima espera, 58 anos para ser preciso, os acreanos pela primeira vez poderiam eleger seu governador e deputados estaduais. Era o velho sonho da autonomia política que enfim se tornava realidade.
Aconteceu então uma épica e surpreendente campanha política que resultou na eleição do jovem acreano de Cruzeiro do Sul, José Augusto de Araujo que derrotou um dos maiores líderes políticos da história acreana: Guiomard Santos, exatamente o autor da lei que transformou o Território em Estado. Um episódio que ainda não foi devidamente compreendido pela história e que precisa, um dia desses, ser objeto de profunda pesquisa, já que sobre ele circulam diversas versões contraditórias.
O certo é que o mês de março de 1963 assistiu a posse do governador José Augusto e dos deputados constituintes que teriam a missão de escrever e aprovar a primeira constituição estadual no prazo de cem dias, sob pena de o Acre ser obrigado a adotar a Constituição do Amazonas.
Governador José Augusto discursando para a população,
em frente ao palácio Rio Branco, no dia de sua posse, 01 de março de 1963.
Entretanto, pouco mais de um ano depois do início desta nova etapa da história acreana, no malfadado dia 1º de abril (travestido de 31 de março), foi instituída no Brasil a Ditadura Militar. Era o início do fim da tão sonhada autonomia acreana novamente.
Pouco tempo depois a cena que se viu nas ruas do centro de Rio Branco era quase inacreditável. As tropas do Exército, comandadas pelo Capitão Edgar Cerqueira, cercaram o Palácio Rio Branco, então protegido pela mal armada e pouco treinada Guarda Territorial, para exigir a renuncia do Governador José Augusto.
Segundo contou meu grande amigo Rivaldo Guimarães para a Dra. Nazaré Araujo, filha de José Augusto, ele era então um dos soldados que participavam do cerco ao Palácio já que estava, na época, cumprindo o serviço militar obrigatório. E tremia mais que vara verde diante da possibilidade de ser obrigado a atacar o palácio e ter que atirar em pessoas que eram suas amigas, acreanos como ele, que não tinham nada a ver com aquela história toda. E quanto mais passava o tempo sem que surgisse uma solução negociada, mais a tensão e o medo de que o pior pudesse acontecer aumentava.
Segundo me contou D. Maria Lucia de Araujo, dentro do Palácio a situação não era menos dramática. Ela, pessoalmente, era contra a assinatura da carta de renuncia naquelas condições, o Bispo aconselhava que seria melhor assinar do que provocar um banho de sangue. Os assessores do governador também se dividiam em suas opiniões. Até que, sob intensa pressão, o Governador José Augusto aceitou assinar a carta renunciando ao Governo do Acre para evitar que sangue inocente fosse derramado inutilmente, porque não haveria mesmo como resistir às tropas federais indefinidamente. E José Augusto de Araujo, que sempre assinava seu nome por extenso em todos os documentos, desta vez assinou J.A., como quem diz: eu assino, mas esse na verdade não sou eu...
No dia seguinte, a Assembléia Legislativa, também sitiada, aprovava o nome do capitão Cerqueira como novo Governador do Acre. E até hoje ninguém sabe ao certo o que motivou mesmo todos estes acontecimentos. O fato de José Augusto ser do mesmo partido do Presidente João Goulart recém deposto e com ele compartilhar idéias progressistas? O fato de sofrer forte oposição no interior de seu próprio partido, o PTB? Ninguém sabe nem mesmo se foi a Ditadura que ordenou aquela renuncia forçada, ou se foi uma iniciativa do próprio Capitão Cerqueira, estimulado por políticos que eram contrários à José Augusto, numa trama sórdida e obscura até hoje velada por todos os que dela participaram.
O que se sabe com certeza é que ao invés deste ter sido o fim de um dos mais tristes episódios da historia acreana, significou na verdade o inicio do suplício à que o ex-governador foi submetido.
Foram longos seis anos de perseguição de José Augusto e seus familiares, de internações forçadas, num tipo de cárcere disfarçado, em hospitais que não ofereciam a menor condição de atender os sérios problemas cardíacos que ele tinha e que haviam sido muito agravados desde os duros episódios de 1964. Até que em 1971, em meio à profunda depressão e dificuldades de toda sorte, seu coração não mais aguentou tanto sofrimento e deixou de bater definitivamente...
Trágica ironia... Justamente o primeiro governador do Acre, que incorporou toda a esperança e anseios democráticos de uma sociedade secularmente renegada por seu país, foi sem ter sido. Porque aparentemente nada sofreu por parte da Ditadura. Ele não foi cassado oficialmente, renunciou. Ele não foi assassinado diretamente... foi sendo morto aos poucos... até não mais suportar e morrer de causa natural!
Este é o tipo de verdade com que a Comissão da Verdade terá que lidar... Aquelas verdades que não constam de documentos, que foi escamoteada, disfarçada, distorcida até parecer ser o que não foi... Entretanto, são essas verdades, ainda mais subterrâneas e obscuras que os malfadados porões da Ditadura, que ainda vivem dentro de milhares de vitimas diretas e indiretas dos anos de chumbo e que estão a clamar por justiça histórica... ao menos.
domingo, 6 de maio de 2012
O homem que venceu o tempo
O que um homem acumula ao longo de sua vida? Rancores e ressentimentos? Boas lembranças e conhecimento? Observar o que um homem deixa como herança e legado aos que vem depois dele, pode ser uma boa maneira de encontrarmos a resposta para essa essencial pergunta.
Abrir a porta daquele armario me provocou ao mesmo tempo enorme desespero e imensa animação. A pilha de pastas e envelopes recobertos por grossa camada do pó dos tempos de imediato revelava que os proximos dias seriam muito, muito, trabalhosos mas profundamente recompensadores.
Foi ele que fez contato com a viuva de Leandro Tocantins, a simpática e atenciosa D. Léa Tocantins, e sua filha, a animada e irrequieta Rosane. O objetivo inicial seria o de trazer para o Acre a biblioteca de Leandro, em especial aquela parte dedicada a Amazonia, já que este era com justica tratado por Gilberto Freire como um Amazonófilo. Infelizmente essa biblioteca já havia sido doada e está motivando uma série de contatos e tratativas que continuam sendo conduzidas por Marcos Afonso, que não costuma se deter no primeiro obstáculo.
Por outro lado, durante a primeira visita que a equipe formada por Marcos Afonso (e que incluiu outras tres pessoas alem de mim e dele) fez a Dona Léa - um assunto que logo será devidamente tratado em artigo escrito por ele mesmo - nos deparamos com um grande volume de documentos e textos originais deixados por Leandro Tocantins. A alegria foi então inevitável e generalizada. Ainda mais depois que Dona Léa e Rosane deixaram clara sua disposição de doar esse acervo documental para a Biblioteca da Floresta, que mesmo num primeiro e superficial olhar se mostrava evidentemente muito rico, para que os acreanos possam dele desfrutar.
E foi assim e por isso que eu e Libério, Chefe do Departamento de Patriomnio Historico da FEM, desembarcamos no Rio de Janeiro, no ultimo domingo, com a missão de identificar, selecionar, encaixotar e trazer para o Acre o acervo documental deixado por Leandro Tocantins.
Muito dificil é pra mim, descrever com propriedade o que senti nos dias subsequentes. A emoção de abrir dezenas de envelopes e pastas acumuladas ao longo de uma vida inteira para nelas descobrir verdadeiras preciosidades é unica na vida de um pesquisador. Assim passamos dias inteiros, encontrando fotografias amareladas de uma Belém e de um Acre que não mais existem; telegramas e cartas trocadas com autoridades e intelectuais do calibre de Raquel de Queiróz, Gilberto Freire e Arthur César Ferreira Reis; poesias e textos manuscritos ou datilografados, muitos deles ineditos, incluindo os fichamentos e ensaios que deram origem à fundamental e clássica obra de Leandro Tocantins: Formação Histórica do Acre; entre muitos outros documentos e objetos impossíveis de relacionar aqui neste artigo.
Um prazeroso trabalho que contou com a luxuosa orientação e auxílio de Dona Léa e Rosane que o tempo todo nos acompanharam identificando lugares e pessoas, esclarecendo duvidas sobre o período em que Leandro trabalhou na Embrafilme, na Embratur, na embaixada brasileira em Lisboa e nos mais diversos acontecimentos da vida desse extraordinário memorialista e historiador.
Um homem que, mesmo tendo deixado Tarauacá aos doze anos e Belém aos dezoito, nunca deixou de ter uma alma amazônica, tanto que suas principais obras permaneceram ligadas umbilicalmente à floresta e ao seu povo simples. Um homem que, apesar de formado em direito, amou a história como poucos.
Mas, além de emocionantes e cansativos, preciso dizer que esses foram também dias muito alegres. A sensação que tive foi que enquanto esvaziávamos os armários das pastas e envelopes tão longamente acumulados por Leandro Tocantins, tirávamos um peso dos ombros de Dona Léa e Rosane que alternavam risos e choros ao verem suas vidas de novo repassadas diante de seus olhos. Afinal, este fantástico acervo agora voltará a vida e passará a estar disponivel para todos que por ele se interessarem.
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